Blogue do Professor Celso
segunda-feira, 21 de julho de 2025
O ATAQUE em 2017 ÀS LEIS TRABALHISTAS
segunda-feira, 6 de novembro de 2023
INDISCIPLINA: MEIO SÉCULO DE MUDANÇAS SOCIAIS QUE INTERFEREM NA ESCOLA
INDISCIPLINA:
MEIO SÉCULO DE MUDANÇAS SOCIAIS
QUE INTERFEREM NA ESCOLA
Celso Vallin (2019)
INTRODUÇÃO
Quando falamos com professoras sobre problemas da escola, e temas que gostariam de estudar, é comum apontarem a indisciplina. Um dia, já se foram alguns anos, eu tinha um bom conjunto de temas que já havia estudado e queria ensinar, mas não havia ainda pensado na indisciplina. Ensinar para professores é Formação Continuada de Professores (FCP), o mesmo que educação permanente, ou formação em serviço. Tem gente que chama de capacitação, mas pelas ideias de Paulo Freire, que eu gosto, não é bom querer passar algo que já esteja pronto. Aprender deve ser como uma construção do saber em que a pessoa entra com sua parte. E nesse caso olhamos para professores em educação como gente que já é capaz, já é capacitada, mas que pode aprender mais. Quando falam atualização, também é ruim. Dá a impressão que a pessoa precisa de conhecimento novo, como se o conhecimento fosse um produto de consumo, que de tempos em tempos precisasse ser trocado por algo mais atual. Reciclagem é outro termo ruim. Melhor dizer FCP. Para Freire (1996), conhecimento não é algo que possa ser transferido. Um educador não pode ser uma pessoa que fica só narrando o conteúdo (FREIRE, 1987), que se compõe de informações, conceituações, explicações, processos, posturas atitudinais. Isso vale para a FCP e também para as aulas que professores da educação básica farão. Educar será então a busca de relações entre o que se quer ensinar/aprender, com temas e situações que emergem como problemáticas do cotidiano. Temos que abrir espaço para que educandos digam o que os aflige, e o que estão querendo estudar. E foi assim que professoras disseram que queriam estudar a indisciplina.
Esse artigo foi escrito a partir de dados de uma oficina sobre indisciplina. Trata-se de uma pesquisa que se propôs a investigar possíveis estratégias que professores podem utilizar para lidar com os conflitos decorrentes das condutas de estudantes, que são consideradas como indisciplinas pela escola. (YOSHIDA, 2019).
DIALOGICIDADE
Estudando, conversando com professoras e professores, em situações diferentes, lendo autores como GROPPA e ARROYO voltei a FREIRE, e passei a considerar que uma das causas da indisciplina está no próprio jeito de se fazer a aula. Muitas vezes a escola, e as aulas, não fazem sentido para estudantes, porque não conseguem estabelecer relações entre os estudos e suas situações de vida. Dai estudantes apresentam dificuldade para acompanhar a professora, e a aula. É a falta de dialogicidade de que fala Freire (1987). Para ele, "não há palavra verdadeira que não seja práxis. Daí que dizer a palavra verdadeira seja transformar o mundo". Por isso, seja na FCP, ou seja em aula da educação básica, educador e educandos devem ser vistos e considerados como sujeitos e por isso, deve-se esperar que tenham a palavra, dita e escutada no coletivo dos estudos, e com ela possam decidir-se a transformar o mundo: incluindo ai as relações sociais e as relacões entre humanidade e natureza. O autor nos diz ainda que:
A existência, porque humana, não pode ser muda, silenciosa, nem tampouco pode nutrir-se de falsas palavras, mas de palavras verdadeiras, com que os homens transformam o mundo, Existir, humanemente, é pronunciar o mundo, é modificá-lo. O mundo pronunciado, por sua vez, se volta problematizado aos sujeitos pronunciantes, a exigir deles novo pronunciar. (FREIRE, 1987, p. 78)
Essa é a ideia de educação crítica, em que não se estuda para repetir, ou para dizer que sabemos, mas para discutir o mundo. Por isso as ideias de educação libertadora, ou educação popular de Paulo Freire (1996) nos fornecem caminhos para evitar ou amenizar os problemas de indisciplina. Em outras palavras - se conseguimos fazer uma aula mais participativa, problematizadora e na qual estudantes e docentes tenham um papel de sujeitos do conhecimento, a aula fará sentido e teremos menos problemas com indisciplina. Diante dessas afirmações, a seguir serão destacas algumas características que podem ajudar a entender como fazer uma educação libertadora.
Deseja-se que professor/a conquiste uma posição de autoridade mas não aja com autoritarismo. A autoridade é uma construção que deve supor o trato democrático, exige respeito mútuo. Autoritarismo é o abuso da autoridade, e não constrói a autonomia do sujeito.
Para cultivar a autonomia de estudantes é importante trabalhar num ambiente de liberdade, mas isso não deve ser confundido com licenciosidade. É preciso que se converse sobre a importância do coletivo da turma de aula. Os interesses e progressos da turma inteira devem prevalecer sobre as vontades e interesses individuais. A organização do coletivo da turma justifica algumas regras e cuidados que cada pessoa precisa compreender e observar. Não se pensa em obedecer ao professor, mas em respeitar o coletivo, e os acordos coletivos. Conversar sobre as necessidades de organização e funcionamento do coletivo não é algo que atrapalha a aula, mas faz parte dela. As discordâncias, incoerências, e incompreensões devem ser vistas com paciência pois fazem parte do processo de conquista de relações coletivas.
Quando se fala de certo tema, as pessoas podem ter na memória fatos, conhecimentos, questionamentos que se relacionem com ele mas isso não está pronto, é algo que precisa ser despertado. A lembrança sobre experiências anteriores que as pessoas tiveram é algo que está adormecido e até meio esquecido. As primeiras atividades dentro de uma temática podem ser pensadas de modo que sirvam para despertar lembranças que irão compor a base de interesse dentro do tema.
As pessoas gostam de aprender. É da natureza humana. E assim, certamente haverá interesse pelos conteúdos a serem aprendidos, e ensinados, caso eles sejam problematizados. O interesse precisa ser despertado, a partir de situações presentes. Interesse é algo que pode ser aprofundado, cultivado, desenvolvido. O aprofundamento da curiosidade pode ser realizado pela problematização no tema. Problematização envolve a observação de situações problemáticas, contrariedades e contraposições que envolvam o tema. Por isso é importante problematizar o tema que se deseja estudar. A problematização não deve depender só de coisas que a docência traga prontas, mas pode ser ampliada com a participação de estudantes. Para isso, a aula, e a postura da professora, deve incentivar, valorizar e cultivar o aprofundamento da problematização, feita também por estudantes.
As situações práticas e de realidade são ótimas para gerar problematização. A realidade sempre envolve detalhes complexos, envolvimento entre temáticas diferentes, objetos variados. Por isso é importante que sejam previstas atividades práticas, com tempos, situações, e materiais que provoquem estudantes a fazer coisas, lidar com realidades, e construir coisas práticas ligadas ao tema em estudo.
A ação sobre as realidades deve ser relatada e refletida, num esforço de comparação com os entendimentos teóricos no tema, e num esforço teorizante. Dessa forma são tecidas relações entre prática e teoria (reflexões teorizantes sobre a prática realizada ou vivida). Também o movimento inverso é necessário, indo da teoria para a prática, realizando ações de aplicação prática das ideias teóricas.
A ação de recontar o que foi realizado e aprendido tem o efeito de organização do pensamento. Gera novas descobertas, novas curiosidades, novos enlaçamentos entre teorias e práticas. Recontar ou apresentar a um coletivo de pessoas irá requerer a busca da explicação, e irá nos condicionar e favorecer a organização do pensamento.
Para Freire o diálogo começa na busca do conteúdo programático que faça sentido para estudantes e para as situações presentes que vivem. Educador é aquele que escuta e observa seus estudantes e a eles devolve, de forma organizada e sistematizada, os elementeos que estudantes entregaram de forma desestruturada. A educação se faz junto, educador com educandos, mediatizados pelo mundo e pela leitura crítica de situações e relações com a natureza e sociedade. E por isso mesmo que para atuar bem como professor, ou professora, é preciso observar esse mundo, a sociedade e compreendê-la como ela é. Um grande erro acontece quando se espera que nossos estudantes sejam algo que idealizamos, que sejam como foram as crianças ou jovens de quando éramos estudantes. A sociedade sofreu e sofre mudanças sociais e para lecionar é preciso observar e compreendê-las.
MUDANÇAS SOCIAIS
A indisciplina não depende somente da metodologia de aula. Existe uma certa insatisfação com os fatos e situações presentes que tende a dificultar as relações entre estudantes e docentes. Buscando superar essa insatisfação, vamos agora retomar e analisar certas mudanças sociais que fazem parte de um passado recente. Trata-se de um conjunto de mudanças, sobre as quais, algumas vezes não sabíamos, e algumas vezes, mesmo sabendo, não nos damos conta que isso irá requerer, da aula, novas posturas, pois estamos em situação diferente daquela que foi vivida por gerações anteriores. Grosso modo vamos rever e refletir sobre sete grandes mudanças, que se sobrepõem. Temos duas mudanças nas famílias que refletem no modo como as crianças e jovens são educados: a primeira é relativa aos processos de emancipação da mulher, e a segunda se deve à diminuição da natalidade, e consequente quantidade de irmãos. A terceira é a insegurança urbana que tirou a rua (praças e espaços públicos) das crianças. A quarta vem do estabelecimento dos direitos de crianças e adolescentes, que influenciou na família e na escola. A quinta é uma mudança estritamente escolar: porque agora se quer diminuir as reprovações e exclusões. A sexta é a inclusão de camadas historicamente oprimidas na escola. Finalmente temos os videogames, novas tecnologias digitais como celulares com internet, com fotografia, filmagem e múltiplas funções, além de comunicações entre pessoas por redes sociais digitais. Explicaremos cada uma dessas mudanças sociais, mostrando que elas todas juntas fazem com que tenhamos crianças ou jovens diferentes do que tínhamos antes, o que irá requerer um novo modo de tratar e de se fazer a relação escola estudante. Não queremos dizer que é melhor nem pior. Queremos sim apontar que a idealização de uma realidade que não existe leva a resultados ruins.
(1) A emancipação da mulher é um longo processo que já dura mais de século. Não se pode pensar que a luta acabou porque ainda há desigualdade e situações culturais a serem superadas. Estão ai as baixas porcentagens de mulheres em cargos políticos, em posições de poder nas empresas, e as recentíssimas lei Maria da Penha (de 2006) e a tipificação do crime de feminicídio (lei de 2015) para atestar a gravidade da situação atual. Mas, para recordar de forma breve, a mulher raramente ocupava posições no espaço público. Sua atuação deveria restringir-se ao lar, em casa com a família. Mulher que ficasse solteira era menosprezada, depreciada. A revolução industrial aconteceu na Europa nos anos 1800 e puxou mulheres para o trabalho fora de casa. As guerras mundiais de (1914-1918 e 1939-1945) levaram homens para a frente de batalha e com isso mais mulheres ocuparam posições de responsabilidade para além do lar. No Brasil a mulher só conquista o direito ao voto em 1934. O fato é que com a mulher trabalhando e também vivendo mais fora de casa, mudam os arranjos familiares e nasce a necessidade de haver outras formas da família cuidar dos filhos. As crianças começam a ingressar mais cedo nas escolas: creches, pré-escolas, mas para as famílias mais pobres não existiam vagas públicas. No Brasil, em 2009 conquistamos a escola pública a partir dos 4 anos de idade, e também o ensino médio (até 17 anos), pela Emenda Constitucional 59/09, o que deveria “ser implementado progressivamente, até 2016”. Lembremos que até 2006, quando veio a Lei nº 11.274/2006, só era obrigatório o ensino fundamental, e esse possuía só 8 anos. A conquista de políticas públicas para escolaridade a partir de idades menores já é uma resposta às mudanças, visto que não era mais suficiente deixar as crianças pequenas em casa.
(2) As famílias estão menores devido à grande diminuição da natalidade. Nos anos 1960 e 1970 eram comuns famílias com 5 filhos e em alguns casos havia até 20. A natalidade foi sendo controlada ao longo de décadas, por vários programas e estratégias de governo, de modo que hoje temos uma natalidade bastante mais reduzida no Brasil.
O gráfico a seguir mostra essa queda. É a questão 7 do Enem de 2013 (disponível em http://educacao.globo.com/provas/enem-2013/questoes/7.html>. Acesso em 2019.05.30).
A taxa de fecundidade corresponde ao número total de filhos nascidos dividido pela população de mulheres em idade reprodutiva (15 a 49 anos) naquele ano. Outros dados mostram que essa taxa, no país, caiu para 1,7 em 2015. Ficamos abaixo do nível de reposição populacional que é estimado em 2,2 (Reportagem jornalística disponível em <https://noticias.r7.com/saude/taxa-de-fecundidade-no-brasil-e-baixa-e-esta-em-queda-acelerada-17102018>. Acesso em 2019.05.30). Isso fez com que em grande parte dos lares houvesse duas, ou mesmo só uma criança, o que restringiu as possibilidades de deixar as crianças brincando entre si, visto que muitas não têm irmãos/irmãs. E quando não existem irmãos, depois não haverá tios, e assim, não haverá primos/as. O fato é que as famílias estão muito diferentes, devido a essa queda da natalidade.
(3) Perdemos a rua, ou os espaços públicos tornaram-se inseguros - além da insegurança pelas notícias sobre criminalidade que povoam os noticiários sensacionalistas de TV e rádio, temos o avanço da produção nacional de veículos que passaram a ocupar as ruas tornando-as perigosas para crianças. São mais de sete mil veículos novos fabricados e colocados nas ruas a cada dia! Hoje é raro encontrar algum lugar em que as crianças brincam na rua. Mesmo em cidades menores. Antes a rua era um local de convivência e de aprendizagem social. Isso não está mais disponível.
(4) Com o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) mudou o modo de se respeitar a criança. Trata-se de uma lei de 1990 que surgiu depois do período de ditadura civil-militar (1964-1984), quando começou a reconstrução democrática, e foi aprovada a nova Constituição (1988). Mas ainda demorou uma década para a sociedade, em geral, conhecer minimamente o ECA. Muita coisa foi mudando e mudou, como os Conselhos Tutelares que nem existiam. O fato é que a sociedade passa a entender que educar não é compatível com atos violentos, castigos ou opressões. Tanto escola quanto família precisam aprender outras formas de tratar crianças e adolescentes. A geração de nasceu nos anos 2000 já é diferente, pois foi educada dentro do ECA. É uma geração de crianças e jovens que não aceita mais que lhe digam para calar a boca. Sabem que têm direito a falar. Antes se dizia que crianças deveriam respeitar os mais velhos. Mas agora o respeito deve ser recíproco. Quando um adulto desrespeita uma criança ou jovem fica claro que está havendo desrespeito e isso gera reações. Por esse lado podemos entender que temos pessoas mais críticas, mais bem formadas, e também dificuldades, sempre que os mais velhos não entendem essa mudança. Há dificuldades ainda porque, diante da impossibilidade de ser violento, muitas adultos se sentiram inseguros e abriram mão de qualquer tentativa e autoridade. Isso gerou jovens mal orientados. A licenciosidade gera insegurança e indisciplina. Nos anos 1990 houve um movimento de discussões sobre como educar e colocar limites às crianças nesse novo tempo. Vamos citar dois livros, que foram muito recomendados e lidos: “Sem padecer no paraíso, em defesa dos pais ou sobre a tirania dos filhos (Tânia Zagury, 1991), e Disciplina, limite na medida certa (Içami Tiba, 1996).
(5) Reprovação - até os anos 1980 reprovar era legítimo. Grande quantidade de crianças era reprovada no primeiro ano. E reprovam de novo e quantas vezes fosse preciso, mesmo que isso implicasse na criança e família desistirem da escolarização. Por isso muitas nem ingressavam na escola. Era comum pessoas que diziam: "essa coisa de escola não é para mim". A reprovação era naturalizada e os excluídos do sistema escolar até consideravam que o problema fossem eles mesmos. Mas a pedagogia brasileira, e a internacional, passaram a afirmar que qualquer pessoa poderia ser alfabetizada e escolarizada. Buscaram mudanças e passaram a contar com controles para diminuir a reprovação. Ainda temos hoje professores que sentem orgulho por praticar altos índices de reprovação, mas isso acontece mais no ensino superior e não é tão comum como antes. No geral entende-se que, se somos educadores profissionais, temos que descobrir modos para que a aprendizagem aconteça, e as reprovações passaram a representar o fracasso da pedagogia. Em 1991 Sérgio Costa Ribeiro escreve e publica o estudo "A pedagogia da repetência" (RIBEIRO, 1991) no qual mostrou que não era verdade, como diziam, que as crianças abandonavam a escola por motivos de ordem social ou cultural, mas sim que as famílias cuidavam para que seus filhos permanecessem. Mas a escola, através da repetência, expulsava as crianças, principalmente aquelas de segmentos historicamente oprimidos. Em 1982, havia mais da metade das crianças de primeiro ano que eram reprovadas! E as reprovadas estavam entre as que seriam de novo reprovadas, até abandonarem a escola. Conforme podemos conferir o que acontecia é que:
a probabilidade de um aluno novo na 1ª série ser aprovado é quase o dobro do que a probabilidade daquele que já é repetente na série. Isto mostra que a repetência tende a provocar novas repetências, ao contrário do que sugere a cultura pedagógica brasileira de que repetir ajuda a criança a progredir em seus estudos.
Não basta não reprovar. É preciso descobrir formas de ensinar de modo que todas as crianças aprendam.
(6) Inclusão de segmentos sociais historicamente excluídos. Dados mostram que o ensino fundamental (que era de 7 a 14 anos), foi aos poucos incluindo mais gente e passou a atender quase toda a população na faixa etária esperada, chegando a 96% em 1994. Ver tabela a seguir.
O ensino médio e a pré-escola também cresceram em atendimento, mas não tanto.
TAXA DE ATENDIMENTO ESCOLAR POR FAIXA ETÁRIA
-
-
de 4 a 6 anos
de 7 a 14 anos
de 15 a 17 anos
1970
9,3
67,1
40,1
1975
12,2
75,0
51,4
1980
19,1
81,1
56,3
1985
28,6
81,8
59,2
1991
41,2
91,6
69,2
1994
48,0
96,2
80,2
-
Dados (BRASIL.INEP, 1996, p. 5)
Passamos por uns anos em que as famílias mais pobres não encontravam vagas para seus filhos pequenos e não havia leis que assegurassem a educação infantil como direito. As crianças que ingressavam numa escola pela primeira vez aos sete anos já entravam com defasagem, visto que tantas outras já sabiam ao menos segurar um lápis, e outros atributos de base para a alfabetização e escolarização. Havia, como hoje há, crianças que já estão alfabetizadas aos 6 anos ou antes. Isso gera uma dificuldade a mais nos primeiros anos escolares para crianças desfavorecidas e professoras/es, que muitas vezes acaba levando a desajustamentos que perduram ao longo dos anos escolares. Nasce assim a necessidade do Estado assegurar a Educação Infantil como direito para todas as crianças. Mas só em 2009 é conquistada a Emenda Constitucional 59, que fala da obrigatoriedade do Estado assegurar educação dos 4 aos 17 anos. Havia a previsão de implantação progressiva desse direito até 2016, mas sabemos que até hoje o Brasil ainda falha nisso, em muitos municípios.
Antes a escola desatendia muita gente da zona rural, e também de bairros mais pobres em grandes cidades; e pela repetência nas primeiras séries fazia uma seleção de quem permaneceria estudando. Agora, a escola precisa aprender a dialogar também com crianças de famílias pobres, e outras que têm condições de vida mais distantes da escolaridade padrão. Além disso, hoje a escola acolhe crianças com necessidades especiais. São realidades diferentes para as quais nem sempre a escola e docentes estão preparadas.
Com a inclusão de quase todas as crianças, professoras e professores precisam ter maior flexibilidade e maior sensibilidade com as diferenças. Mais um motivo para a escola ser dialógica e crítica.
(7) Desde perto de 1980 a humanidade desenvolve o uso de computadores pessoais e com eles os videogames. Nos anos 1990 a internet começou a popularizar-se. Vieram as imagens e cores. Desde os anos 1970 existem satélites e com eles a telecomunicação progrediu muito. Vieram os telefones móveis que incorporaram o computador e mais - câmeras fotográficas, filmadoras, relógios e múltiplas funções. Em 2005 surge a possibilidade de uma pessoa qualquer produzir e postar vídeos que ficam disponíveis mundialmente. De lá para cá, as redes sociais se multiplicaram e popularizaram. Recentemente as séries de filmes e audiovisuais de produção internacional (transmitidas pela internet) vem sendo mais disponibilizadas em português, e assistidas. Esse movimento das tecnologias digitais foi acontecendo paralelamente às mudanças nas famílias, que passaram a ter filhos que não brincam mais na rua, e quase não têm irmãos. Uma coisa realimenta a outra - tecnologias e mudanças sociais.
Existe um oitavo fator, que foge ao alcance de nossas análises, mas que pode ser motivo de estudos: é o avanço do uso de drogas ilícitas. A droga está em todo lugar, campo e cidade, bairros pobres ou ricos, mas, décadas antes, isso não era apontado como problema. Mesmo sem ter condições para analisar, sabemos que esse é mais um fator de problema e adaptação nas escolas.
Pode-se ainda apontar os avanços do neoliberalismo, que leva ao individualismo e desvalorização do que é comum, à competitividade em detrimento da colaboração, ao cuidado com a aparência que é maior do que o cuidado com a realidade ou a essência, a correria ou produtivismo, e a grande mídia comercial que cria e recria narrativas de mundo para defender interesses de uma minoria. Essas características de organização social geram incoerências que não serão analisadas aqui.
Enfim, acreditamos que foram apresentados muitos dos fatores que estão nas causas da indisciplina, e que uma maior e melhor compreensão desses fatos, características, e lógicas podem colaborar para uma melhoria na relação de aula, e com isso um melhor controle do problema da indisciplina. Para finalizar, devemos considerar que esses fatores enumerados influenciam na aula, e também na relação com estudantes, e portanto, no comportamento disciplinado ou indisciplinado. Assim, entendemos que professores, ou professoras, que queiram aprender sobre a indisciplina, ou disciplina, podem se colocar em discussão e analisar o que foi dito, e considerar o que foi posto, para que, por meio de uma reflexão coletiva e participativa possam chegar a novos entendimentos, que servirão de base para novas posturas docentes em aula. Entendemos ainda que essa reflexão irá ajudar as pessoas a compreender o problema. Porém a construção de novas posturas em aula será um processo longo, que dependerá do cuidado que cada professor, ou cada professora, terá com seu próprio comportamento, e entendemos também que essas pessoas poderão retornar a esse texto, para relembrar aquilo que foi dito logo de início, sobre a autoridade, sobre a dialogicidade, sobre a problematização... Porque é muito mais simples compreender, e muito mais difícil incorporar essas ideias no fazer pedagógico, principalmente quando se trata de uma sala com 30, ou com 40 crianças, ou adolescentes. A situação real de aula é sempre sujeita a variações e surpresas, e irá requerer do professor, ou da professora, uma presença de espírito, uma habilidade na atuação, e uma humildade que nem sempre é fácil de se conseguir.
REFERÊNCIAS
BRASIL.INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira). Estatísticas da educação básica no Brasil. 1996 (?). Disponível em <http://portal.inep.gov.br/documents/186968/484154/Estat%C3%ADsticas+da+educa%C3%A7%C3%A3o+b%C3%A1sica+no+Brasil/e2826e0e-9884-423c-a2e4-658640ddff90?version=1.1>. Acesso em 2019.06.02
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido, 17a Edição. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987.
RIBEIRO, Sérgio C. A pedagogia da repetência. Estud. av., São Paulo , v. 5, n. 12, p. 07-21, Ago. 1991 . Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40141991000200002>. Acesso em 2019.06.02
YOSHIDA, Cinthia. Indisciplina na escola: o que fazer? 2019. 128 p. Dissertação (Mestrado Profissional em Educação)–Universidade Federal de Lavras, Lavras, 2019.
terça-feira, 24 de outubro de 2023
PROJETOS
Celso Vallin (12jul2001)
A escola tradicional está cheia de problemas. Não basta que se diga somente que ela não serve mais. Precisamos caracterizar bem o que seria uma maneira melhor de se fazer escola. O trabalho com projetos tem sido descrito por muitos educadores como uma alternativa possível.
O maior problema da escola atual, em meu ponto de vista, é que ela trata as pessoas de forma desumana. Especialistas já estudaram tudo o que vai ser ensinado e tiraram todas as dúvidas. Tudo já foi organizado. À criança, ou ao adolescente, só resta estudar e reproduzir as falas, os processos, atitudes, acertos e padrões pré-estabelecidos. Fala-se em escola de qualidade e em eficácia da escola como se fosse uma empresa, onde o desenvolvimento de cada pessoa fosse como uma linha de montagem ou uma lanchonete Mac-qualquer coisa.
Trabalhar com projetos significa deixar os alunos terem o prazer das descobertas e dos ensaios, incentivar-lhes o prazer de pensar por eles mesmos e ajudá-los a se sentirem seguros nessas aventuras.
Beth Almeida(1999)1 diz que “trata-se de uma nova cultura do aprendizado que não se fará por reformas ou novos métodos e conteúdos definidos por especialistas que pretendem impor melhorias ao sistema educacional vigente.” E se olharmos assim, teremos que ir descobrindo e ir montando nosso jeito de trabalhar com projetos. Cada um do seu jeito, para cada situação um jeito. Isso não impede que tenhamos alguns pontos em comum e algumas certezas, ainda que provisórias.
Ela mesma diz: “Não é o professor quem planeja para os alunos executarem, ambos são parceiros e sujeitos de aprendizagem, cada um atuando segundo o seu papel.” E pensando na formação do professor, aquele que está procurando aprender a trabalhar com projetos, ele também não pode ser colocado numa situação onde executará alguma coisa preparada por outros professores ou por algum especialista. Cada um de nós precisa elaborar seus próprios planos de projetos, junto com seus alunos.
Parece estranho. Vamos aprender a trabalhar com projetos trabalhando com eles. Precisamos elaborar nossos próprios projetos mas nunca fizemos isso antes. Mas é isso mesmo. A busca de parâmetros, a observação do aluno, de seu aprendizado nos fará aprender. O que devemos buscar é a criação de ambientes de aprendizagem. Se conseguirmos despertar a curiosidade dos alunos, a vontade de aprender, se conseguirmos que eles sejam criativos, o primeiro passo já estará dado. Nós, professores, devemos assumir uma postura diferente da tradicional. Estaremos nos colocando em situações onde não teremos mais o controle. De repente, um grupo de alunos começará a estudar um assunto para o qual estamos despreparados! E então, como ficamos?
Esse novo professor não deverá ter “inibições em reconhecer seus próprios conflitos, erros e limitações e em buscar sua depuração, numa atitude de parceria e humildade diante do conhecimento” (idem). É isso. Precisamos deixar de lado aquela idéia de parecer que sabemos tudo. O fato de termos dúvidas e conflitos não irá tirar nosso valor como pessoa, ou profissional. Ao contrário. Estaremos ensinando ao aluno que, todos tem suas dúvidas e seus conflitos diante de descobertas e diante de processos de aprendizagem. Aliás, isso é tão natural que os alunos aceitam com mais facilidade do que nós.
Vejamos o que outros autores nos dizem a respeito do erro. “Se, do ponto de vista moral, o erro é indesejável e deve ser criticado, no que se refere à aprendizagem o erro é um componente básico dos processos complexos pelos quais o ser humano e os animais aprendem. Não se aprende sem tentativas, sem escorregões, sem tropeços, sem ensaios.” “Ao educador cabe saber quando o ensaio e erro é aceitável e deve ser estimulado, e quando é melhor que os jovens pensem mais cuidadosamente antes de emitirem suas respostas e fazerem suas propostas.” (Fernando Almeida e Fonseca Jr., 1999)2. Quando lidamos com situações práticas, como as que a vida nos apresenta, nunca existe uma única solução, nem uma única maneira de se pensar um problema. As possíveis soluções não são encaradas como certas ou erradas. Às vezes tentamos alguma coisa e percebemos que não serviu, não atingiu os resultados que queríamos. Quando, mais de um aluno consegue solução para o problema apresentado, podemos ter uma solução melhor do que a outra, bem diferente do caso dos problemas tradicionais, onde só existe certo e errado, onde não existe a discussão da adequação e qualidade da solução. Ninguém pode dizer que conhece todas as possíveis soluções e todos os possíveis caminhos. O aluno não é colocado na condição de copiar um caminho de solução previamente estabelecido. Para haver ensaio, erro, e busca de soluções é preciso que, de alguma maneira, o aluno consiga avaliar o resultado de seus esforços por si só. Em alguns casos isso é fácil. Direto. Em outros, nem tanto. Quando buscamos soluções para problemas que realmente nos incomodam, em geral somos capazes de avaliar os resultados.
Há quem recomende que sejam feitos projetos para durar um ou dois meses no máximo. “Nossos projetos devem guardar um tempo que é próprio da escola” (Almeida e Fonseca Jr., 1999). Estes autores nos dão alguma ajuda em relação a como começar a aprender a trabalhar com projetos. “Embora cada projeto apresente particularidades e exija adaptações, as seguintes preocupações básicas devem ser consideradas na construção de um projeto:
Identificação de um problema
Levantamento de hipóteses e soluções
Mapeamento do aporte científico necessário
Seleção de parceiros
Definição de um produto
Documentação e registro
Método de acompanhamento e avaliação
Publicação e divulgação”
Depois, os autores dão mais detalhes a respeito de cada uma dessas preocupações básicas. Sempre que elaborarmos um projeto, vale a pena olharmos o que esses autores recomendam, e compararmos com o que fizemos.
No item “definição de um produto” por exemplo, são listados alguns possíveis produtos resultantes de projetos.
Festivais de Música, de poesia ou de teatro
Abaixo-assinados
Viagens de estudo do meio ambiente
Apresentações teatrais e saraus
Shows
Gincanas temáticas
Clubes de leitores
Sítios para Internet
Jornais Escolares (estilo fanzine)
Atividades sociais de assistência e participação comunitária, criação de maquetes com propostas de obras de atendimento à melhoria da comunidade
Clubes de folclore e danças regionais
Campanhas de atividades de participação social e cultural
Pesquisas (de consumo, idéias, costumes, etc.) sob demanda de setores da comunidade do bairro.
Não podemos, no entanto, confundir o produto resultante de um projeto com o próprio projeto. Uma Viagem de Estudo do Meio Ambiente pode servir para dar início a um projeto. Uma Festa Junina pode ser o fechamento de um projeto, o produto, mas ela em si não é necessariamente um projeto. O que irá caracterizar um projeto serão as atividades de busca de informações, a criação e uso de ambientes de aprendizagem, desafiador, rico, variado, aberto, onde aconteça boa interação aluno-aluno e professor-aluno, e que propicie o desenvolvimento da autonomia do aluno.
Léa Fagundes faz uma distinção entre “aprendizagem por projeto e ensino por projeto” (1999)3. Para ela, a grande diferença está no papel que deixaremos para o aluno. O aluno participará do planejamento? Quem escolhe os temas? Quais os contextos envolvidos? Aqueles da realidade de vida do aluno ou outros arbitrados por critérios externos e formais? A quem satisfará aquele estudo, ao aluno ou à escola? Como serão as decisões – hierarquizadas ou heterárquicas?
As palavras podem ser pouco usadas, mas vivemos todos os dias este problema. A diretora (ou o diretor) dirige a escola do seu jeito ou ela escuta a todos e procura consensos? A coordenadora pedagógica (ou coordenador) planeja os HTPC4 sozinha? Cria oportunidades para que os professores conheçam e manifestem suas angústias e interesses? Existem oportunidades de avaliação coletiva, individual e recíproca? Como é a relação entre professor e aluno, na sala de aula? Os alunos refletem a respeito de seu processo de aprendizagem? Colocam suas angústias para o grupo? Dentro dos relacionamentos entre os vários papéis podemos perceber o quanto as decisões são hierarquizadas e o quanto são heterárquicas.
Como serão as definições de regras, direções e atividades – impostas pelo sistema, onde todos cumprem determinações sem optar ou, elaboradas pelo grupo, em consenso entre alunos e professores? Qual o papel do aluno – ser receptivo ou agente de seu próprio conhecer? E ela afirma “Se os projetos são dos alunos, então são projetos diversificados porque 40 alunos não pensam da mesma maneira, não têm os mesmos interesses, e não têm as mesmas condições, nem as mesmas necessidades.” Dentro de um verdadeiro ambiente de aprendizagem, precisamos dar a cada aluno o direito de explorar melhor os conteúdos no seu tempo, segundo o seu ritmo.
A proposta então é que, pelo menos em algumas de nossas aulas semanais, ao invés de “darmos aula”, deixemos nossos alunos viverem um ambiente de aprendizagem, onde nós estaremos no papel de cuidar desse ambiente e, junto com os alunos, dar condições para que ele exista e aconteça. Nessas situações geralmente serão realizados trabalhos em equipe, porque é mais gostoso trabalhar em equipe e porque é uma situação mais próxima do que geralmente acontece na vida. Mas nem sempre será assim. Deverá haver momentos individuais, assim como podemos ter projetos desenvolvidos inteiramente por um só aluno. Normalmente os projetos envolvem mais de uma disciplina, mas isso também não é condição obrigatória, podemos ter projetos que acontecem dentro da especificidade de uma disciplina somente. No meio do projeto podemos ter algo semelhante a uma aula tradicional.
Imaginemos cada grupo de alunos trabalhando dentro de uma curiosidade diferente, cada um com seus momentos de dúvidas e descobertas. Momentos de trocas entre alunos. Trabalhos em equipe. Materiais de consulta. Anotações individuais. Trocas de anotações. Conclusões, ainda que limitadas e temporárias. Formulação de novas dúvidas. Apresentações para a turma toda. Preparação de apresentação.
Dentro desse ambiente de aprendizado, que pode parecer uma simples confusão, desordem ou falta de disciplina, imaginemos o professor como um observador atento, que estará participando de alguns momentos de cada aluno ou equipe. A coordenação dos trabalhos ou questões de relacionamento interpessoal podem exigir alguma intervenção externa, do professor. Um certo nível de planejamento é necessário, tanto nas buscas em equipe como nas individuais. A intervenção do professor pode ser útil em alguns momentos. Mesmo a estratégia de busca de informações ou a leitura crítica precisa ser feita tanto de forma autônoma como auxiliada pelo professor.
O professor, atento, busca, a todo momento, discernir entre as situações em que não deve interferir e aquelas em que sua intervenção estará contribuindo, não somente para a descoberta do que desejam, mas também para o desenvolvimento da autonomia de estudo e trabalho do aluno ou da equipe. Quando e como intervir?
Dentro de uma “aula” como esta, há certos momentos em que o professor julga que seja interessante e importante, que todos parem seus trabalhos e estudos para receberem uma orientação comum. Esse julgamento só pode ser feito em função das observações e das andanças do professor entre os alunos. Não é um momento que possa ser estabelecido a priori, embora possa ser provocado por situações externas.
Numa situação assim, o professor pede a todos que parem e prestem atenção. Temos um momento dirigido. Preparado pelo professor, dirigido por ele, mas baseado no que vem observando dos trabalhos e dificuldades dos alunos. O professor deve abrir espaços para os alunos se colocarem. Deve citar exemplos retirados da prática deles. É um momento semelhante a uma aula tradicional, mas difere dela por acontecer com pouca freqüência e ser organizado em função de questionamentos ou dificuldades observados nos alunos.
Desenvolver projetos significa trazer situações-problema da vida para dentro da sala de aula e fazer dela um ambiente de aprendizagem, um lugar rico de elementos de aprendizagem. Nesse sentido o computador é um grande aliado da escola, ajudando a trazer, para dentro da sala, muitas coisas que não seriam possíveis sem ele. Em 1980 Papert afirmava que o computador iria permitir que as crianças aprendessem sozinhas, de maneira natural, muitas das coisas que a escola tenta ensinar ainda hoje “como a escrita, gramática ou matemática escolar” (1985)5 e deixava em aberto a questão sobre a possível transformação da escola. A escola se transformou pouco nesses mais de 20 anos, mas as máquinas sonhadas já são uma realidade. Papert, autor do Linguagem de programação LOGO, falava de um tipo muito especial de projeto, onde o aluno expressava suas idéias programando o computador. Programar o computador exige um bom raciocínio lógico-dedutivo. Uma maneira de pensar parecida com aquela dos desafios matemáticos, mas que não é exclusividade da matemática. Crianças cujos pais usam essa lógica do pensamento analítico-dedutivo, aprendem essa maneira de pensar naturalmente, no convívio com os pais, ao perceber suas aplicações em múltiplas situações de vida. Outros tantos, no Brasil e em outros países, desenvolvem a matofobia – medo matemático, ou falta de auto-confiança em raciocínios lógicos. Tentam compensar essa deficiência memorizando um mar de conteúdos. Não percebem que existem classes de objetos e que podem sintetizar os conhecimentos através da compreensão das classes e dos relacionamentos entre objetos destas. Por isso mesmo, têm dificuldades para transferir um conhecimento de uma situação para outra, fazendo analogias. Quando as fazem, ficam inseguros e tentam memorizar até isso. Papert afirma que “é suficiente quebrar o círculo vícioso” do medo de se aventurar em experiências lógico-dedutivas “em um ponto para que permaneça inutilizado para sempre” (1985:24). Propõe o uso do Logo, para desenvolver projetos em que o aluno exercite a lógica, mas afirma que “sua principal função é servir de modelo para outros objetos ainda a serem inventados”(p. 26) e fala também da importância da maneira como encaramos o erro, dentro do processo de aprendizagem. Usa a expressão “debbuging”6, emprestada da linguagem técnica de programadores de computador, que significa encontrar o erro e corrigí-lo.
“Muitas crianças têm sua aprendizagem retardada porque possuem um modelo de aprendizagem onde só existe o ‘acertou’ e o ‘errou’. Mas, quando se aprende a programar um computador dificilmente se acerta na primeira tentativa. Especializar-se em programação é aprender a se tornar altamente habilitado a isolar e corrigir bugs, as partes que impedem o funcionamento desejado do programa. A questão levantada a respeito do programa não é se ele está certo ou errado, mas se ele é executável. Se esta maneira de avaliar produtos intelectuais fosse generalizada para o como a cultura pensa sobre conhecimento e aquisição, poderíamos ser menos intimados pelo medo de ‘estar errado’. Esta influência potencial do computador na mudança de nossas noções de sucesso e fracasso é um exemplo de uso do computador como um ‘objeto-de-pensar-com’. Obviamente não é necessário trabalhar com um computador para adquirir boas estratégias de aprendizagem. Certamente, estratégias de debbugging foram desenvolvidas por aprendizes bem-sucedidos muito antes do computador existir. Mas refletir sobre a aprendizagem por analogia com o desenvolvimento de um programa é uma maneira acessível e poderosa de começar a ser mais articulado em suas próprias estratégias de debbuging e mais deliberado em aperfeiçoá-las.”(Papert, 1985:40)
Hoje sabemos que há muitas maneiras de pensar. Muitas inteligências7 . Mesmo que haja discordâncias, está claro para todos que o pensamento lógico-dedutivo é apenas uma das várias maneiras de se pensar. Mas isso não diminui sua importância. Dentro dessa visão, nas situações em que desejarmos exercitar mais diretamente esse tipo de inteligência, a programação de computadores e a linguagem Logo ainda são ferramentas muito importantes. Principalmente se professor e aluno forem capazes de transferir aquela maneira de pensar para outras situações, mesmo longe dos computadores.
Mas os computadores hoje oferecem muitas possibilidades de uso e a maioria delas não depende de programação. A abundância de materiais e da facilidade de acesso a eles, possibilita e ajuda a aprendizagem. As famílias pobres, como é a maioria do povo brasileiro, ainda não têm acesso ao computador, mas muitas escolas públicas já o têm. Com ele a sala de aula pode ser uma porta de acesso a outras cidades, outras culturas, outras pessoas, a livros, desenhos, animações e tantos elementos que podem transformar a sala num local mais rico. O professor precisa conhecer o computador, saber explorá-lo e saber elaborar propostas de trabalho que o considerem. Valente8 analisa e classifica os diferentes tipos de “software” usados na educação. Faz uma distinção entre estar informado e ter conhecimento. Mostra de que maneira cada software pode ser uma proposta para o ensino reprodutivo (aquele que só informa), e de que maneira podemos usar o computador de forma inteligente, onde o aluno desenvolva conhecimento.
Isso não significa que devamos desprezar o valor das atividades sem computador, das excursões de estudo, das atividades fora da escola e novas formas criativas e abertas de estudo. Elas animam e questionam os alunos e professores, e a escola deve procurar meios para incluí-las em seus planos.
Uma parte importante de um projeto é a avaliação. Há muitas maneiras de se entender o que seja avaliação. Almeida e Fonseca Jr. (1999) recomendam – “na estrutura de seu projeto, reserve parte importante para a avaliação. Se possível, mais de um momento em que o grupo possa se reunir e verificar os resultados parciais.” Entendamos como resultados não somente o que for produzido pelos alunos mas também o que ficou com os alunos, o que eles percebem que o processo pelo qual passaram lhes deixou de conhecimento. “Nessas reuniões de depuração o grupo decidirá novos rumos, os setores que merecem estímulos, proporá novos aliados e, seguramente, continuará suas atividades com novo ânimo. Defina espaço para momentos de avaliações intermediárias no cronograma”(idem). Dentro desta visão de avaliação, o papel do professor não é atribuir uma nota a cada aluno e sim, marcar o dia para a avaliação, fazer com que ela aconteça, preparar o espírito dos alunos para que participem e entendam esse momento tão importante, coordenar o grupo para que a avaliação seja efetiva, para que leve em consideração os fatos que vêm ocorrendo e outras coisas desse gênero.
O desafio é ingrediente importante ao aprendizado. Quando falamos em identificação de um problema, precisamos olhar com cuidado o que seria um problema. Para Echeverria e Pozo9 (1994) a questão é “ensinar a propor problemas para si mesmo, a transformar a realidade em um problema que mereça ser questionado e estudado.” Nosso objetivo educacional somente será atingido“se for gerada no aluno a atitude de procurar respostas para suas próprias perguntas/problemas”. E por isso é importante analisarmos “com a maior nitidez possível a distinção entre um exercício repetitivo e um problema.” O professor pode se colocar como auxiliar num processo de destaque de perguntas interessantes que surjam dos alunos, publicando-as e valorizando-as.
Deixemos as questões em aberto porque nossa procura é salutar. Um olhar mais cuidadoso aos autores citados certamente trará algumas ajudas e novas dúvidas, que serão o combustível de nosso aprendizado, já que ser professor é também estar sempre aprendendo.
Este texto, assim como os outros, citados, informa sobre o assunto: projetos. Para desenvolver seu conhecimento porém, serão necessárias algumas experimentações. Elabore um projeto considerando estas idéias. Forme uma equipe com seus colegas. Não deixem de convidar algum aluno para fazer parte da equipe. Deixem espaço para os sonhos, dúvidas e problemas dos demais alunos. Reúnam a equipe para acompanhar, analisar e avaliar o projeto. Não deixem de fazer registros. O ciclo planejar, acompanhar, registrar, analisar, avaliar, re-planejar certamente desenvolverá o conhecimento a respeito de projetos. Bom trabalho.
REFERÊNCIAS
1 Maria Elizabeth B. de Almeida (1999). Projeto: uma nova cultura de aprendizagem. (Este texto possui somente 3 páginas e pode ser enviado a quem desejar pela própria autora ou por mim mesmo)
2 Fernando José de Almeida e Fernando Moraes Fonseca Jr (1999). Aprendendo com projetos. (O livro completo pode ser baixado a partir do sítio-e do Proinfo – www.proinfo.gov.br)
3 Léa da Cruz Fagundes, Luciane Sayuri Sato e Débora Laurino Maçada (1999). Aprendizes do futuro: as inovações começaram. (O livro completo pode ser baixado a partir do sítio-e do Proinfo – www.proinfo.gov.br)
4 HTPC – horário de trabalho pedagógico coletivo. Nas mais de 6000 escolas estaduais de São Paulo, um professor com jornada integral participa normalmente de 3h por semana de HTPC. Em outras escolas esse horário recebe outras denominações, quando existe.
5 PAPERT, Seymour (1985). Logo Computadores e Educação. São Paulo: Brasiliense
6 debbuging significa encontrar e eliminar os bugs. Bug é o erro nas instruções de um programa de computador, mas é antes, uma mariposa. Nos primeiros computadores, que ocupavam andares inteiros e se alojavam em muitos armários, aconteciam problemas de mal funcionamento, que por muitas vezes eram causados por mariposas que resolviam morar dentro de alguma das partes do computador. Encontrar o lugar onde havia bug era resolver o problema.
7Ver: Howard GARDNER, (1994). Estruturas da mente: A teoria das inteligências múltiplas. Porto Alegre: ArtMed
8 José Armando VALENTE (1999). Análise de Diferentes Tipos de Software Usados na Educação. Em "O computador na sociedade do conhecimento". org. José Armando Valente. Campinas, SP: UNICAMP/NIED. O livro completo pode ser encontrado em www.proinfo.gov.br
9 Maria del Puy Perez Echeverria e Juan Ignácio Pozo (1994). Aprender a resolver problemas e resolver problemas para aprender. Em A solução de problemas. Org. por Juan Ignacio Pozo. Porto Alegre: Artes Médicas Sul.
1 Maria Elizabeth B. de Almeida (1999). Projeto: uma nova cultura de aprendizagem. (Este texto possui somente 3 páginas e pode ser enviado a quem desejar pela própria autora ou por mim mesmo)
2 Fernando José de Almeida e Fernando Moraes Fonseca Jr (1999). Aprendendo com projetos. (O livro completo pode ser baixado a partir do sítio-e do Proinfo – www.proinfo.gov.br)
3 Léa da Cruz Fagundes, Luciane Sayuri Sato e Débora Laurino Maçada (1999). Aprendizes do futuro: as inovações começaram. (O livro completo pode ser baixado a partir do sítio-e do Proinfo – www.proinfo.gov.br)
4 HTPC – horário de trabalho pedagógico coletivo. Nas mais de 6000 escolas estaduais de São Paulo, um professor com jornada integral participa normalmente de 3h por semana de HTPC. Em outras escolas esse horário recebe outras denominações, quando existe.
5 PAPERT, Seymour (1985). Logo Computadores e Educação. São Paulo: Brasiliense
6 debbuging significa encontrar e eliminar os bugs. Bug é o erro nas instruções de um programa de computador, mas é antes, uma mariposa. Nos primeiros computadores, que ocupavam andares inteiros e se alojavam em muitos armários, aconteciam problemas de mal funcionamento, que por muitas vezes eram causados por mariposas que resolviam morar dentro de alguma das partes do computador. Encontrar o lugar onde havia bug era resolver o problema.
7Ver: Howard GARDNER, (1994). Estruturas da mente: A teoria das inteligências múltiplas. Porto Alegre: ArtMed
8 José Armando VALENTE (1999). Análise de Diferentes Tipos de Software Usados na Educação. Em "O computador na sociedade do conhecimento". org. José Armando Valente. Campinas, SP: UNICAMP/NIED. O livro completo pode ser encontrado em www.proinfo.gov.br
9 Maria del Puy Perez Echeverria e Juan Ignácio Pozo (1994). Aprender a resolver problemas e resolver problemas para aprender. Em A solução de problemas. Org. por Juan Ignacio Pozo. Porto Alegre: Artes Médicas Sul
1 Maria Elizabeth B. de Almeida (1999). Projeto: uma nova cultura de aprendizagem. (Este texto possui somente 3 páginas e pode ser enviado a quem desejar pela própria autora ou por mim mesmo)
2 Fernando José de Almeida e Fernando Moraes Fonseca Jr (1999). Aprendendo com projetos. (O livro completo pode ser baixado a partir do sítio-e do Proinfo – www.proinfo.gov.br)
3 Léa da Cruz Fagundes, Luciane Sayuri Sato e Débora Laurino Maçada (1999). Aprendizes do futuro: as inovações começaram. (O livro completo pode ser baixado a partir do sítio-e do Proinfo – www.proinfo.gov.br)
4 HTPC – horário de trabalho pedagógico coletivo. Nas mais de 6000 escolas estaduais de São Paulo, um professor com jornada integral participa normalmente de 3h por semana de HTPC. Em outras escolas esse horário recebe outras denominações, quando existe.
5 PAPERT, Seymour (1985). Logo Computadores e Educação. São Paulo: Brasiliense
6 debbuging significa encontrar e eliminar os bugs. Bug é o erro nas instruções de um programa de computador, mas é antes, uma mariposa. Nos primeiros computadores, que ocupavam andares inteiros e se alojavam em muitos armários, aconteciam problemas de mal funcionamento, que por muitas vezes eram causados por mariposas que resolviam morar dentro de alguma das partes do computador. Encontrar o lugar onde havia bug era resolver o problema.
7Ver: Howard GARDNER, (1994). Estruturas da mente: A teoria das inteligências múltiplas. Porto Alegre: ArtMed
8 José Armando VALENTE (1999). Análise de Diferentes Tipos de Software Usados na Educação. Em "O computador na sociedade do conhecimento". org. José Armando Valente. Campinas, SP: UNICAMP/NIED. O livro completo pode ser encontrado em www.proinfo.gov.br
9 Maria del Puy Perez Echeverria e Juan Ignácio Pozo (1994). Aprender a resolver problemas e resolver problemas para aprender. Em A solução de problemas. Org. por Juan Ignacio Pozo. Porto Alegre: Artes Médicas Sul