CULTURA_É ...
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2019-2 – notas
do Prof. Dr. Celso Vallin
O que é cultura?
Floricultura, encontro cultural, espaço cultural, agricultura, cultura indígena, culto religioso, cultura pop, piscicultura, aculturação, políticas culturais...
Floricultura, encontro cultural, espaço cultural, agricultura, cultura indígena, culto religioso, cultura pop, piscicultura, aculturação, políticas culturais...
O termo deriva de cultivo, cultivar. Do mesmo modo que se pode cultivar a terra, ou cultivar uma amizade, fala-se no cultivo do espírito humano, como vemos a seguir:
No final do
século XVIII e no princípio do seguinte, o termo germânico Kultur
era utilizado para simbolizar todos os aspectos espirituais de
uma comunidade,
enquanto a palavra francesa Civilization referia-se principalmente às
realizações materiais de um povo. Ambos os termos foram
sintetizados por Edward Tylor (1832-1917) no vocábulo inglês
Culture, que “tomado em seu amplo sentido etnográfico é este todo
complexo que inclui conhecimentos,
crenças, arte, moral, leis, costumes ou qualquer outra capacidade ou
hábitos adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade”.
Com esta definição Tylor abrangia em uma só palavra todas as
possibilidades de realização humana, além de marcar fortemente o
caráter de aprendizado da cultura em oposição à idéia de
aquisição inata, transmitida por mecanismos biológicos.
(LARAIA, 1986, p. 25).
Como
vemos a cultura não é algo inato, ou determinado biologicamente,
mas aprendido com o grupo de convivência. Já nos anos 1700 falavam
sobre isso. Destaque para “de uma comunidade”. Cultura é algo
que é comum a um grupo social, e não são aspectos sociais que cada
pessoa pensa e faz. Só valem aquelas coisas que são comuns ao
grupo, apesar de algumas pessoas fazerem diferente.
Olhando
de certo modo, a adaptação da pessoa aos conhecimentos, crenças e
modo de vida de sua comunidade pode ser o destaque, como no trecho
que segue.
Sahlins,
Harris, Carneiro, Rappaport, Vayda e outros [...] concordam que:
"Culturas são sistemas (de padrões de comportamento
socialmente transmitidos) que servem para adaptar as comunidades
humanas aos seus embasamentos bio-lógicos. Esse modo de vida das
comunidades inclui tecnologias e modos de organização econômica,
padrões de estabelecimento, de agrupamento social e organização
política, crenças e práticas religiosas, e assim por diante.".
(LARAIA, 1986, p. 59)
Aqui
a palavra adaptar ganha destaque. Adaptar-se aos hábitos de vida da
comunidade. Mas será que a cultura pode ser alterada? Uma cultura
pode evoluir? E nós, podemos ter um papel nessa mudança cultural?
Claro que sim. Vejamos
essa outra citação.
Geertz
considera que a antropologia busca interpretações. Com isto, ele
abandona o otimismo de Goodenough que pretende captar o código
cultural em uma gramática; ou a pretensão de Lévi-Strauss em
descodificá-lo. A interpretação de um texto cultural será sempre
uma tarefa difícil e vagarosa (LARAIA, 1986, p. )
Quando
falamos em texto cultural, aparece uma abertura para se pensar em
mudanças. Freire (1965) olha para outros aspectos envolvidos. Para
ele o conceito antropológico de cultura envolve nossa relação com
a natureza, com o trabalho nela, e deve ser crítica e criadora:
entre os dois
mundos: o da natureza e o da cultura. O papel ativo do homem em
sua
e com
sua
realidade. O sentido de mediação que tem a natureza para as
relações e comunicação dos homens. A cultura como o
acrescentamento que o homem faz ao mundo que não fez. A cultura
como o resultado de seu trabalho. Do seu esforço criador e
recriador. O sentido transcendental de suas relações. A dimensão
humanista da cultura. A cultura como aquisição sistemática da
experiência humana. Como uma incorporação, por isso crítica e
criadora, e não como uma justaposição de informes ou prescrições
“doadas”. A democratização da cultura — dimensão da
democratização fundamental. (FREIRE, 1965, p. 108 e 109)
Nos
primórdios da humanidade, éramos mais próximos da natureza. É
sempre bom lembrar que somos parte da dela. A humanidade foi
alterando o que era natural, e foi procedendo criações, não só de
espírito, mas concretas. Para isso usou a ciência (que é o
conhecimento em geral), e surgiram as ferramentas
(que são construídas por pessoas e que servem para ser usadas na
vida). Ao contrário do que podemos pensar, as ferramentas não são
neutras. Elas carregam em si o conhecimento, a ciência. Cada
ferramenta é um artefato tecnológico, e serve para realizar
coisas para as quais foi pensada. Um martelo serve para bater com
mais força. Um lápis serve para escrever. Um teclado de computador
tem a escrita alfabética por trás de sua criação. Uma técnica
ou tecnologia são ideias que servem para fazer e resolver
desafios práticos, e as ferramentas são desenvolvidas para serem
usadas conforme a tecnologia.
Fato é que a humanidade interfere na natureza e cria artefatos para seu uso. Por isso FREIRE (1965) falou, como vimos, em “cultura como o acrescentamento que o homem faz ao mundo que não fez”. Com isso, a humanidade toma e transforma objetos e matérias da natureza.
Considerando que a humanidade evoluiu com o passar dos séculos, fica evidente que a cultura não é algo estático. Por isso Freire fala em “aquisição sistemática da experiência humana”. E dá importância ao modo como cada pessoa, enquanto assimila conhecimentos e hábitos de nosso grupo, também é capaz de fazer crítica, ou seja, trabalha para modificar certas coisas com as quais não concorda, ou que considera que possam ser melhoradas. Mudamos objetos, mas mudamos também coisas imateriais como as concepções e modos de pensar e agir. O ato criador envolve fazer mudanças. Mudamos em nós, e podemos cultivar mudanças que passarão a ser do grupo. Por isso Freire aponta a capacidade de cada pessoa de ser crítica e criadora. Dessa maneira, a cultura não é vista somente como algo a ser assimilado, mas algo que podemos discutir, refletir, e modificar.
As criações e críticas não são construídas individualmente e isoladamente. Quando as pessoas trocam ideias, tudo é melhor. Dai a necessidade de se comunicar. Uma pessoa quer conversar com a outra e por isso surgiram as línguas e linguagens. Também a escrita, é um artefato da comunicação. Pela escrita podemos ler o que escreveram pessoas que já morreram. Podemos nos comunicar com pessoas que nem conhecemos pessoalmente, como é o caso dos livros, e mais recentemente de textos disponibilizados pela internet. Existe um enorme acervo de escritas da humanidade ao qual podemos ter acesso. E por isso o aprendizado da escrita e da leitura é visto como "uma chave com que o analfabeto iniciaria a sua introdução no mundo da comunicação escrita. O homem, afinal, no mundo e com o mundo. O seu papel de sujeito e não de mero e permanente objeto." (FREIRE, 1965, p.109). Se olhássemos para a cultura somente como um padrão a ser assimilado, estaríamos desprezando as possibilidades de evolução do grupo humano.
Como imaginar uma pessoa que participe de verdade da cultura humana, ou de seu grupo social, e que não lê, ou que não escreve? E como imaginar alguém que pensa, cria, critica, mas não lê e não escreve? Certamente sua capacidade de comunicação fica bastante prejudicada. Apesar de que, cada vez mais, encontramos comunicações orais que são disponibilizadas em forma de vídeo ou áudio pela internet. Isso vem ampliando as capacidades de comunicação social de analfabetos, e também alterando bastante os modos como a humanidade se comunica. Mas é algo recente e que devemos aguardar para compreender melhor seu alcance e limitações.
Somente os homens são seres da práxis – ou refletem sobre o que estão fazendo, sobre como estão vivendo, como uns se relacionam com os outros. As pessoas se comunicam e assim as reflexões passam a ser coletivas e compartilhadas. A partir das reflexões, individuais e coletivas, são feitos planos para agir de forma diferente, para modificar a ação humana sobre o mundo, e sobre a natureza. Assim, a ação humana é consequência dessa reflexões, ou teorizações.
Teoriza-se sobre o mundo, natureza e sociedade, e busca-se uma forma de ação que possa incorporar o conhecimento que há na teorização. Humanizar-se é saber o mundo e pensar sobre como agir nele e como estar nele. Para falar da cultura, Freire compara a humanidade aos animais.
Considerando que a humanidade evoluiu com o passar dos séculos, fica evidente que a cultura não é algo estático. Por isso Freire fala em “aquisição sistemática da experiência humana”. E dá importância ao modo como cada pessoa, enquanto assimila conhecimentos e hábitos de nosso grupo, também é capaz de fazer crítica, ou seja, trabalha para modificar certas coisas com as quais não concorda, ou que considera que possam ser melhoradas. Mudamos objetos, mas mudamos também coisas imateriais como as concepções e modos de pensar e agir. O ato criador envolve fazer mudanças. Mudamos em nós, e podemos cultivar mudanças que passarão a ser do grupo. Por isso Freire aponta a capacidade de cada pessoa de ser crítica e criadora. Dessa maneira, a cultura não é vista somente como algo a ser assimilado, mas algo que podemos discutir, refletir, e modificar.
As criações e críticas não são construídas individualmente e isoladamente. Quando as pessoas trocam ideias, tudo é melhor. Dai a necessidade de se comunicar. Uma pessoa quer conversar com a outra e por isso surgiram as línguas e linguagens. Também a escrita, é um artefato da comunicação. Pela escrita podemos ler o que escreveram pessoas que já morreram. Podemos nos comunicar com pessoas que nem conhecemos pessoalmente, como é o caso dos livros, e mais recentemente de textos disponibilizados pela internet. Existe um enorme acervo de escritas da humanidade ao qual podemos ter acesso. E por isso o aprendizado da escrita e da leitura é visto como "uma chave com que o analfabeto iniciaria a sua introdução no mundo da comunicação escrita. O homem, afinal, no mundo e com o mundo. O seu papel de sujeito e não de mero e permanente objeto." (FREIRE, 1965, p.109). Se olhássemos para a cultura somente como um padrão a ser assimilado, estaríamos desprezando as possibilidades de evolução do grupo humano.
Como imaginar uma pessoa que participe de verdade da cultura humana, ou de seu grupo social, e que não lê, ou que não escreve? E como imaginar alguém que pensa, cria, critica, mas não lê e não escreve? Certamente sua capacidade de comunicação fica bastante prejudicada. Apesar de que, cada vez mais, encontramos comunicações orais que são disponibilizadas em forma de vídeo ou áudio pela internet. Isso vem ampliando as capacidades de comunicação social de analfabetos, e também alterando bastante os modos como a humanidade se comunica. Mas é algo recente e que devemos aguardar para compreender melhor seu alcance e limitações.
Somente os homens são seres da práxis – ou refletem sobre o que estão fazendo, sobre como estão vivendo, como uns se relacionam com os outros. As pessoas se comunicam e assim as reflexões passam a ser coletivas e compartilhadas. A partir das reflexões, individuais e coletivas, são feitos planos para agir de forma diferente, para modificar a ação humana sobre o mundo, e sobre a natureza. Assim, a ação humana é consequência dessa reflexões, ou teorizações.
Teoriza-se sobre o mundo, natureza e sociedade, e busca-se uma forma de ação que possa incorporar o conhecimento que há na teorização. Humanizar-se é saber o mundo e pensar sobre como agir nele e como estar nele. Para falar da cultura, Freire compara a humanidade aos animais.
A diferença entre
os dois, entre o animal, cuja atividade, porque não constitui
“atos-limites”, não resulta uma produção mais além de si e os
homens que, através de sua ação sobre o mundo, criam o domínio da
cultura e da história, está em que somente estes são seres da
práxis. Somente estes são práxis. Práxis que, sendo reflexão e
ação verdadeiramente transformadora da realidade, é fonte de
conhecimento reflexivo e criação. Com efeito, enquanto a atividade
animal, realizada sem práxis, não implica em criação, a
transformação exercida pelos homens implica.
E é como seres
transformadores e criadores que os homens, em suas permanentes
relações com a realidade, produzem, não somente os bens materiais,
as coisas sensíveis, os objetos, mas também as instituições
sociais, suas ideias, suas concepções.
(FREIRE, 1970, p. 92)
Em
Educação como Prática da Liberdade, que é um livro anterior,
Freire também fala sobre o que entende por cultura, e sobre como a
participação cultural nos faz diferentes dos animais, e por isso é
vista como uma hominização, ou humanização. Vejamos o que diz dos
animais de depois das pessoas:
Os contatos, por
outro lado, modo de ser próprio da esfera animal, implicam, ao
contrário das relações, em respostas singulares, reflexas e não
reflexivas e culturalmente inconseqüentes. Deles resulta a
acomodação, não a integração. Portanto, enquanto o animal é
essencialmente um ser da acomodação e do ajustamento, o homem o é
da integração. A sua grande luta vem sendo, através dos tempos, a
de superar os fatores que o fazem acomodado ou ajustado. É a luta
por sua humanização, ameaçada constantemente pela opressão que o
esmaga, quase sempre até sendo feita — e isso é o mais doloroso —
em nome de sua própria libertação. (FREIRE, 1965, p. 43)
A partir das
relações do homem com a realidade, resultantes de estar com ela e
de estar nela, pelos atos de criação, recriação e decisão, vai
ele dinamizando o seu mundo. Vai dominando a realidade. Vai
humanizando-a. Vai acrescentando a ela algo de que ele mesmo é o
fazedor. Vai temporalizando os espaços geográficos. Faz
cultura.
E é ainda o jogo destas relações do homem com o mundo e do homem
com os homens, desafiado e respondendo ao desafio, alterando,
criando, que não permite a imobilidade, a não ser em ternos de
relativa preponderância, nem das sociedades nem das culturas. E, na
medida em que cria, recria e decide, vão se conformando as épocas
históricas. É também criando, recriando e decidindo que o homem
deve participar destas épocas.
E o fará melhor,
toda vez que, integrando-se ao espírito delas, se aproprie de seus
temas fundamentais, reconheça suas tarefas concretas. Uma das
grandes, se não a maior, tragédia do homem moderno, está em que é
hoje dominado pela força dos mitos e comandado pela publicidade
organizada, ideológica ou não, e por isso vem renunciando cada vez,
sem o saber, à sua capacidade de decidir. Vem sendo expulso da
órbita das decisões. As tarefas de seu tempo não são captadas
pelo homem simples, mas a ele apresentadas por uma “elite” que as
interpreta e lhas entrega em forma de receita, de prescrição a ser
seguida. E, quando julga que se salva seguindo as prescrições,
afoga-se no anonimato nivelador da massificação, sem esperança e
sem fé, domesticado e acomodado: já não é sujeito. Rebaixa-se a
puro objeto. Coisifica-se. — “Libertou-se — diz Fromm — dos
vínculos exteriores que o impediam de trabalhar e pensar de acordo
com o que havia considerado adequado. Agora — continua — seria
livre de atuar segundo sua própria vontade, se soubesse o que quer,
pensa e sente. Mas não sabe. Ajusta-se
(o
grifo é nosso) ao mandado de autoridades anônimas e adota um eu
que
não lhe pertence. Quanto mais procede deste modo, tanto mais se
sente forçado a conformar sua conduta à expectativa alheia. Apesar
de seu disfarce de iniciativa e otimismo, o homem moderno está
esmagado por um profundo sentimento de impotência que o faz olhar
fixamente e, como que paralisado, para as catástrofes que se
avizinham. (FREIRE, 1965, p. 44)
Como
vemos, já em 1965 FREIRE falava de coisas que parecem ser de hoje.
Falava da pessoa do tempo moderno, que sente-se impotente e
paralisada diante da complexidade da sociedade, e das manipulações
que chegam pelas comunicações de massa (ou publicidade organizada), pessoa que acaba sucumbindo à acomodação, incapaz de realizar a crítica
e atuar de forma criativa. Mas falava ele, e falamos nós, não por
concordar com esse determinismo social, mas por entender que é
preciso dessa consciência para libertar-se. Por isso seu livro foi
chamado de Educação como Prática da Liberdade. Libertar-se no
sentido da pessoa ganhar conhecimento e condições que lhe permitam
ter forças para pensar por si mesma.
Isso nos dá esperança nas lutas pela transformação social na busca da conciliação entre humanidade e natureza.
A pessoa
que só assimila a cultura, que se considera desimportante para as
mudanças sociais, e não faz crítica nem propõe ações criadoras
é como um animal, está deixando de usar seu lado humano.
Veja também da questão 4 em diante em <https://celsovallin.blogspot.com/2013/07/cortella-2003.html>. Lá existem questões e respostas que se referem a um texto de Cortella.
Veja também da questão 4 em diante em <https://celsovallin.blogspot.com/2013/07/cortella-2003.html>. Lá existem questões e respostas que se referem a um texto de Cortella.
REFERÊNCIAS
FREIRE, Paulo.
Educação
como prática de liberdade.
Rio de Janeiro : Ed. Paz e Terra. 1965/1969(2a edição).
FREIRE,
Paulo. Pedagogia
do oprimido.
Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1970/1987(21a Edição).
LARAIA,
Roque B., Cultura:
um conceito antropológico—
Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1986/2001(14a Edição).