O_problema_da_autoria.
Celso Vallin, 2005
Será
que é importante colocar o autor e a fonte como quando mostramos um
texto a alguém?
E
como fazer se também recebemos esse texto de outra pessoa que não
colocou nenhuma referência?
Dá
para acreditar no que se recebe pela internet?
Como
saber se uma informação é séria, e até que ponto podemos
confiar?
Nestes
dias recebi uma mensagem bonitinha pela internet. O título chamava a
atenção: “A
idiotice é vital para a felicidade”.
Gente
chata essa que quer ser séria, profunda e visceral sempre. Putz! A
vida já é um caos, por que fazermos dela, [...] um tratado? [...]
Se
você fizer uma busca na internet usando a primeira expressão
(“Gente
chata essa que quer ser séria”)
encontrará
centenas de endereços que contém esse texto. É uma mensagem
positiva, que pretende animar as pessoas.
Embaixo
da mensagem que recebi estava escrito “Arnaldo
Jabor”,
como se ele fosse o autor. Olhando depois em outros endereços pela
web, conclui que este texto não deve ter sido escrito por ele. A
maioria dos endereços que vi atribui a autoria a Ailin Aleixo,
colunista da revista Vip.
E
se eu tivesse passado a mensagem adiante, a alguns amigos? Estaria
transmitindo uma mentira sobre a autoria do texto. E saiba que o
texto me foi enviado por uma grande amiga, diretora de escola, muito
séria e competente. Ela não é novata na internet, e caiu nessa
armadilha.
Como
saber se alguma coisa que recebemos pela internet é verdadeira ou
falsa?
Muitas
vezes quem passa adiante sem questionar a fonte, está contribuindo
para uma cadeia de boatos, mentiras, que pode causar transtornos e
mal entendidos.
Depois
disso, encontrei uma coisa mais curiosa ainda. É um texto do próprio
Jabor, reclamando sobre a falsa autoria.
Toda
hora, alguém me pára na rua: “Adorei a sua ‘bunda’!” “Que
bunda, cara?” — digo, fingindo que não sei o que é. Não dá
outra: “Aquele texto seu, que idéias, que ironias..”, me
responde. Fico louco, porque estou sendo elogiado justamente pelo que
não fiz. (texto
publicado no jornal O Globo, em 31/08/2004, e também disponível em
http://www.bobflash.com.br/franquias/recife/colunas/coluna_show.php?materia=455)
Há
outro artigo semelhante, publicado no jornal “O Estado de São
Paulo”, em que Arnaldo Jabor também fala do “bunda
dura”.
...descobri
na internet que sou uma besta quadrada mesmo ... Ando pela rua e as
pessoas me abordam: “Adorei o seu artigo ...” Pergunto, já com
medo: “Que artigo?” “Esse texto genial que você escreveu e que
todo mundo me mandou. Chama-se Bunda Dura.” ... mas respondo: “Não
fui eu quem escreveu esse texto!” ... sou amado pelo que não sou. (Arnaldo Jabor - Caderno 2 [20/07/2004]. Disponível em http://www.estadao.com.br/ecolunistas/jabor/04/07/jabor040720.htm)
Estas
informações são boas para se provocar uma discussão sobre a
autoria e as estratégias que temos para saber em quem confiar.
Há
quem diga que o que nos deixa inseguros e vulneráveis é a internet.
Mas, e se fosse para selecionar um texto que encontrássemos numa
banca de revistas? Seria diferente? E se a mensagem tivesse chegado
em papel, trazida pelo correio? Faria alguma diferença?
Veja
em:
http://www1.folha.uol.com.br/folha/pensata/ult513u153.shtml
No
artigo “Já sei namorar“, publicado na Folha On Line em
05/06/2004, o articulista fala de um texto recebido de uma leitora
dele, que é “um
pensamento enviado por outra amiga [...], que é equivocadamente
atribuído a Mario Quintana, mas que na verdade é de autoria de
Marta Medeiros.”
Que
confusão. Não é?
Pode
conferir. Procure por
“Promessas
Matrimoniais” + “Mário Quintana”
e
encontrará mais de vinte endereços.
Mas,
se procurar por
“Promessas
Matrimoniais” + “Martha Medeiros”
encontrará
este texto em mais de sessenta endereços. Em geral trata-se de
blogs, ou seja, anotações pessoais compartilhadas. Um deles parece
ter sido escrito pela própria Medeiros.
http://www.rainhadam.com.br/marthamedeiros1.html
Se
olhar em
http://www.rainhadam.com.br/marthamedeiros4.html
encontrará
a “Crônica
sobre a Desinformação”
em que a própria Martha Medeiros (13out03) reclamava das “clonagens
literárias:
textos que circulam pela Internet com a autoria trocada”.
Por
aqui se pode ver que não é de hoje que há pessoas queixando-se dos
problemas da autoria. Mas, será importante mesmo saber se o texto é
de Quintana ou de Medeiros? Será importante saber se é um texto
contemporâneo ou se foi escrito há 20 anos?
Consigo
ver pelo menos duas coisas em jogo, aqui. A primeira é a
confiabilidade. A confiança no que estamos lendo. Conforme
conhecemos pessoas, empresas ou instituições, começamos a
acreditar nelas, ou também passamos a desconfiar do que dizem.
Queremos educar pessoas para serem críticas. Queremos também que
sejam responsáveis, solidárias, justas, amigas... Mas críticas!
Ser crítico é o contrário de ser inocente. É saber perceber
mensagens e intenções que estão nas entrelinhas. É não se deixar
enganar facilmente.
A
leitura ainda é uma das bases de informação de quem quer entender
o mundo, e se articular dentro dele.
Mas
será que quando recebemos a informação falada, e não pela
leitura, as coisas são diferentes? Podemos acreditar em tudo o que
vemos na TV, ouvimos no rádio, ou escutamos da boca de conhecidos?
Muitas
vezes confiamos em informações sem questionar. Acreditamos e
pronto.
É
verdade que é mais confortável e à primeira vista, mas gostoso,
acreditar e pronto. O problema é que não dá certo. A mentira ou as
meias verdades acabam provocando incoerências e não se mantêm.
Levam-nos à confusão e ao erro.
Apesar
de a internet ser uma novidade e gerar insegurança, podemos usar os
mesmos critérios que usamos para confiar e desconfiar dos textos
escritos em papel, ou do verbo falado (na TV, no rádio, ou da boca
de conhecidos). Muitas vezes a aparente perfeição estética dos
textos da internet ilude o leitor. Parecem acima de qualquer
suspeita. Poderíamos dizer: se está escrito com letras bonitas e
aparece na telinha é confiável. Mas não é assim. Não se pode
confiar sem questionar, nem nas letras bonitas, nem nas falas
bonitas.
Como
confiar desconfiando?
A
primeira coisa que se vai aprendendo é que cada pessoa ou
instituição tem uma história. O jornal “O Estado de São Paulo”,
que publica os artigos de Arnaldo Jabor, tem uma história e com ela
construiu uma confiabilidade. O mesmo pode ser dito da “Folha de
São Paulo”, da rede Globo de TV, e assim de tantas outras
instituições. Quem assina, faz história. Quem tem história, cuida
do que faz e diz.
Não
que estes não errem. Todos podem errar. E erram. Mas existem
cuidados e critérios. A confiança não quer dizer certeza. Deve-se
lembrar que nada é absoluto, e nem definitivo. Sempre é possível
encontrar mais de um ponto de vista. Mesmo assim, podemos ter alguma
confiança, devido à história do autor, quando a conhecemos.
Então...
O primeiro critério é saber quem está escrevendo, e conhecer um
pouco de sua história, que logo nos dará alguma confiabilidade. Ou
não! Mas pelo menos paramos para saber com quem estamos “falando”.
O
que mais pode nos dar confiabilidade?
O
cruzamento de informações é um critério possível. Se pegarmos
informações coerentes em fontes diferentes e independentes, isso
também nos aumenta a segurança.
A
realidade é outra coisa que ajuda a ter confiança. Palavras são
como teorias. São idéias. Quando procuramos aplicar as idéias a
situações conhecidas, de lembrança, ou em ensaios, isso também
nos leva à segurança. A articulação entre teoria e prática é um
fator de confronto. As boas idéias vão dando certo com as práticas.
Outras idéias vão se incompatibilizando com as situações reais.
Mas,
quando questionei a importância da autoria, disse que via pelo menos
duas coisas em jogo. A outra é que hoje em dia a escola deseja que o
aluno seja autor.
Não
desejamos um aluno que seja simplesmente disciplinado e obediente, e
que repita e reproduza coisas ensinadas. Queremos mais. Queremos um
aluno com opinião e atitude, assumindo e desenvolvendo seus
potenciais humanos.
Ser
autor é assinar embaixo (ou em cima, hahaha!). É assumir o que está
fazendo. É importar-se com o que está produzindo. Ser autor é
sentir-se responsável pelo que está sendo criado: um texto, uma
apresentação falada, gravada ou não, uma foto, uma seqüência de
slides, ou qualquer tipo de áudio-visual.
Por
isso, o educador que quer um aluno autor, precisa discutir a questão
da autoria. Precisa incentivar seus alunos a assinarem o que produzem
e precisa valorizar e ensinar a dar valor ao registro da autoria, e
às fontes de referência. Seja na internet, ou não. A questão é a
mesma.
O
assunto não se esgota aqui. Mas acredito que está claro que há
alguma coisa na autoria, que deve ser olhada. Colocar e ler o nome do
autor nunca mais será só um detalhe, ou uma formalidade. Por trás
daquela observação estará alguém, com seu jeito de olhar o mundo.
Aquela paradinha para saber com quem estamos “falando” ajudará a
estabelecer relações entre as novas informações e toda a rede de
conhecimentos que já temos.
Quer
fazer uma brincadeira? Procure por este texto na internet: "A
idade vai chegando e com o passar do tempo, nossas prioridades na
vida vão mudando"
e tente descobrir se a autoria é mesmo de Mario Quintana. Discuta
com seus amigos sobre os critérios que o levam a confiar ou a
desconfiar dessas informações. Entre os endereços encontrados
quais são mais confiáveis? Por que?
Para
finalizar, aqui vai um adendo. A NBR6023/2002 é a norma que
regulamenta as referências. Referência é um conjunto de elementos,
retirados de um documento, que permite sua identificação no todo ou
em parte, impresso ou registrado em outro tipo de suporte. Uma
explicação simples sobre como fazer referência bibliográfica a um
documento pode ser vista em:
http://www.quatrocantos.com/tec_web/refere/5DCONV.HTM
Uma
explicação mais completa pode ser vista em
http://www.bu.ufsc.br/home982.html
Ou
em
http://www.cdcc.sc.usp.br/cda/sessao-astronomia/sessao-astronomia-padrao/referencia-bibliografica-ufrgs.htm