domingo, 4 de maio de 2014

O_problema_da_autoria.

Celso Vallin, 2005


Será que é importante colocar o autor e a fonte como quando mostramos um texto a alguém?

E como fazer se também recebemos esse texto de outra pessoa que não colocou nenhuma referência?

Dá para acreditar no que se recebe pela internet?

Como saber se uma informação é séria, e até que ponto podemos confiar?

Nestes dias recebi uma mensagem bonitinha pela internet. O título chamava a atenção: “A idiotice é vital para a felicidade”.

Gente chata essa que quer ser séria, profunda e visceral sempre. Putz! A vida já é um caos, por que fazermos dela, [...] um tratado? [...]

Se você fizer uma busca na internet usando a primeira expressão (“Gente chata essa que quer ser séria”) encontrará centenas de endereços que contém esse texto. É uma mensagem positiva, que pretende animar as pessoas.

Embaixo da mensagem que recebi estava escrito “Arnaldo Jabor”, como se ele fosse o autor. Olhando depois em outros endereços pela web, conclui que este texto não deve ter sido escrito por ele. A maioria dos endereços que vi atribui a autoria a Ailin Aleixo, colunista da revista Vip.

E se eu tivesse passado a mensagem adiante, a alguns amigos? Estaria transmitindo uma mentira sobre a autoria do texto. E saiba que o texto me foi enviado por uma grande amiga, diretora de escola, muito séria e competente. Ela não é novata na internet, e caiu nessa armadilha.

Como saber se alguma coisa que recebemos pela internet é verdadeira ou falsa?

Muitas vezes quem passa adiante sem questionar a fonte, está contribuindo para uma cadeia de boatos, mentiras, que pode causar transtornos e mal entendidos.

Depois disso, encontrei uma coisa mais curiosa ainda. É um texto do próprio Jabor, reclamando sobre a falsa autoria.

Toda hora, alguém me pára na rua: “Adorei a sua ‘bunda’!” “Que bunda, cara?” — digo, fingindo que não sei o que é. Não dá outra: “Aquele texto seu, que idéias, que ironias..”, me responde. Fico louco, porque estou sendo elogiado justamente pelo que não fiz. (texto publicado no jornal O Globo, em 31/08/2004, e também disponível em http://www.bobflash.com.br/franquias/recife/colunas/coluna_show.php?materia=455)

Há outro artigo semelhante, publicado no jornal “O Estado de São Paulo”, em que Arnaldo Jabor também fala do “bunda dura”.

...descobri na internet que sou uma besta quadrada mesmo ... Ando pela rua e as pessoas me abordam: “Adorei o seu artigo ...” Pergunto, já com medo: “Que artigo?” “Esse texto genial que você escreveu e que todo mundo me mandou. Chama-se Bunda Dura.” ... mas respondo: “Não fui eu quem escreveu esse texto!” ... sou amado pelo que não sou. (Arnaldo Jabor - Caderno 2 [20/07/2004]. Disponível em http://www.estadao.com.br/ecolunistas/jabor/04/07/jabor040720.htm)

Estas informações são boas para se provocar uma discussão sobre a autoria e as estratégias que temos para saber em quem confiar.

Há quem diga que o que nos deixa inseguros e vulneráveis é a internet. Mas, e se fosse para selecionar um texto que encontrássemos numa banca de revistas? Seria diferente? E se a mensagem tivesse chegado em papel, trazida pelo correio? Faria alguma diferença?

Veja em:
http://www1.folha.uol.com.br/folha/pensata/ult513u153.shtml
No artigo “Já sei namorar“, publicado na Folha On Line em 05/06/2004, o articulista fala de um texto recebido de uma leitora dele, que é “um pensamento enviado por outra amiga [...], que é equivocadamente atribuído a Mario Quintana, mas que na verdade é de autoria de Marta Medeiros.

Que confusão. Não é?

Pode conferir. Procure por
Promessas Matrimoniais” + “Mário Quintana”
e encontrará mais de vinte endereços.
Mas, se procurar por
Promessas Matrimoniais” + “Martha Medeiros”
encontrará este texto em mais de sessenta endereços. Em geral trata-se de blogs, ou seja, anotações pessoais compartilhadas. Um deles parece ter sido escrito pela própria Medeiros.
http://www.rainhadam.com.br/marthamedeiros1.html

Se olhar em
http://www.rainhadam.com.br/marthamedeiros4.html
encontrará a “Crônica sobre a Desinformação” em que a própria Martha Medeiros (13out03) reclamava das “clonagens literárias: textos que circulam pela Internet com a autoria trocada”.

Por aqui se pode ver que não é de hoje que há pessoas queixando-se dos problemas da autoria. Mas, será importante mesmo saber se o texto é de Quintana ou de Medeiros? Será importante saber se é um texto contemporâneo ou se foi escrito há 20 anos?

Consigo ver pelo menos duas coisas em jogo, aqui. A primeira é a confiabilidade. A confiança no que estamos lendo. Conforme conhecemos pessoas, empresas ou instituições, começamos a acreditar nelas, ou também passamos a desconfiar do que dizem. Queremos educar pessoas para serem críticas. Queremos também que sejam responsáveis, solidárias, justas, amigas... Mas críticas! Ser crítico é o contrário de ser inocente. É saber perceber mensagens e intenções que estão nas entrelinhas. É não se deixar enganar facilmente.

A leitura ainda é uma das bases de informação de quem quer entender o mundo, e se articular dentro dele.

Mas será que quando recebemos a informação falada, e não pela leitura, as coisas são diferentes? Podemos acreditar em tudo o que vemos na TV, ouvimos no rádio, ou escutamos da boca de conhecidos?

Muitas vezes confiamos em informações sem questionar. Acreditamos e pronto.

É verdade que é mais confortável e à primeira vista, mas gostoso, acreditar e pronto. O problema é que não dá certo. A mentira ou as meias verdades acabam provocando incoerências e não se mantêm. Levam-nos à confusão e ao erro.

Apesar de a internet ser uma novidade e gerar insegurança, podemos usar os mesmos critérios que usamos para confiar e desconfiar dos textos escritos em papel, ou do verbo falado (na TV, no rádio, ou da boca de conhecidos). Muitas vezes a aparente perfeição estética dos textos da internet ilude o leitor. Parecem acima de qualquer suspeita. Poderíamos dizer: se está escrito com letras bonitas e aparece na telinha é confiável. Mas não é assim. Não se pode confiar sem questionar, nem nas letras bonitas, nem nas falas bonitas.

Como confiar desconfiando?

A primeira coisa que se vai aprendendo é que cada pessoa ou instituição tem uma história. O jornal “O Estado de São Paulo”, que publica os artigos de Arnaldo Jabor, tem uma história e com ela construiu uma confiabilidade. O mesmo pode ser dito da “Folha de São Paulo”, da rede Globo de TV, e assim de tantas outras instituições. Quem assina, faz história. Quem tem história, cuida do que faz e diz.

Não que estes não errem. Todos podem errar. E erram. Mas existem cuidados e critérios. A confiança não quer dizer certeza. Deve-se lembrar que nada é absoluto, e nem definitivo. Sempre é possível encontrar mais de um ponto de vista. Mesmo assim, podemos ter alguma confiança, devido à história do autor, quando a conhecemos.

Então... O primeiro critério é saber quem está escrevendo, e conhecer um pouco de sua história, que logo nos dará alguma confiabilidade. Ou não! Mas pelo menos paramos para saber com quem estamos “falando”.

O que mais pode nos dar confiabilidade?
O cruzamento de informações é um critério possível. Se pegarmos informações coerentes em fontes diferentes e independentes, isso também nos aumenta a segurança.

A realidade é outra coisa que ajuda a ter confiança. Palavras são como teorias. São idéias. Quando procuramos aplicar as idéias a situações conhecidas, de lembrança, ou em ensaios, isso também nos leva à segurança. A articulação entre teoria e prática é um fator de confronto. As boas idéias vão dando certo com as práticas. Outras idéias vão se incompatibilizando com as situações reais.

Mas, quando questionei a importância da autoria, disse que via pelo menos duas coisas em jogo. A outra é que hoje em dia a escola deseja que o aluno seja autor.

Não desejamos um aluno que seja simplesmente disciplinado e obediente, e que repita e reproduza coisas ensinadas. Queremos mais. Queremos um aluno com opinião e atitude, assumindo e desenvolvendo seus potenciais humanos.

Ser autor é assinar embaixo (ou em cima, hahaha!). É assumir o que está fazendo. É importar-se com o que está produzindo. Ser autor é sentir-se responsável pelo que está sendo criado: um texto, uma apresentação falada, gravada ou não, uma foto, uma seqüência de slides, ou qualquer tipo de áudio-visual.

Por isso, o educador que quer um aluno autor, precisa discutir a questão da autoria. Precisa incentivar seus alunos a assinarem o que produzem e precisa valorizar e ensinar a dar valor ao registro da autoria, e às fontes de referência. Seja na internet, ou não. A questão é a mesma.

O assunto não se esgota aqui. Mas acredito que está claro que há alguma coisa na autoria, que deve ser olhada. Colocar e ler o nome do autor nunca mais será só um detalhe, ou uma formalidade. Por trás daquela observação estará alguém, com seu jeito de olhar o mundo. Aquela paradinha para saber com quem estamos “falando” ajudará a estabelecer relações entre as novas informações e toda a rede de conhecimentos que já temos.

Quer fazer uma brincadeira? Procure por este texto na internet: "A idade vai chegando e com o passar do tempo, nossas prioridades na vida vão mudando" e tente descobrir se a autoria é mesmo de Mario Quintana. Discuta com seus amigos sobre os critérios que o levam a confiar ou a desconfiar dessas informações. Entre os endereços encontrados quais são mais confiáveis? Por que?

Para finalizar, aqui vai um adendo. A NBR6023/2002 é a norma que regulamenta as referências. Referência é um conjunto de elementos, retirados de um documento, que permite sua identificação no todo ou em parte, impresso ou registrado em outro tipo de suporte. Uma explicação simples sobre como fazer referência bibliográfica a um documento pode ser vista em:
http://www.quatrocantos.com/tec_web/refere/5DCONV.HTM

Uma explicação mais completa pode ser vista em http://www.bu.ufsc.br/home982.html

Ou em http://www.cdcc.sc.usp.br/cda/sessao-astronomia/sessao-astronomia-padrao/referencia-bibliografica-ufrgs.htm


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