Esse texto foi escrito em 2014 como
trabalho final do Curso de Realidade Brasileira (Primeiro da Região
Sul de Minas Gerais). Começo questionando o senso comum que indica o
socialismo e o comunismo como algo ruim [1]. Trago para o pensamento
mudanças recentes da sociedade que têm feito as pessoas sentirem-se
perdidas [2]. O patronato oprime a classe trabalhadora, mas mesmo
quem é mais rico sofre com a mentalidade capitalista, que pressiona
a todos [3]. A correria, que está na boca de todos, hoje, traduz o
jeito capitalista de viver e algumas das bases disso são: o
individualismo, o produtivismo, a competitividade, a padronização,
e a modernização [4]. Em seguida mostro como ao longo dos últimos
anos comecei a questionar o fato de não existir comunidade no
sentido amplo do termo, mas ao problematizar comecei a observar,
empiricamente, em lugares e tempos diferentes e distantes,
organizações comunitárias da cultura tradicional que existem e
resistem. Observei a folia de reis, o congado, a farinhada
comunitária e outros episódios de organização comunitária que
antes não conhecia [5]. Voltando ao mundão capitalista, observamos
que ele condiciona o modo de operação e organização mesmo nas
universidades, em nossa relação com a natureza e na postura da
grande mídia que nos “catequiza” todos os dias [6]. Mas ao
contrário do que muitos pensam, não é uma opção da humanidade,
nem um jogo justo. O poder dos capitalistas, os proprietários de
grandessíssimas fortunas, passa pela roubalheira dos bens públicos.
Nosso sistema político não é uma democracia real visto que as
campanhas eleitorais são manipuladas fortemente pelo poder do
capital e grande parte dos que são eleitos como representantes
políticos estão a serviço desses grandes grupos capitalistas e não
representam o povo como seria de se esperar [8]. Temos ainda a
corrupção, que é o desvio de bens e direitos públicos para
atender a interesses privados. Comportamento criminalizado
judicialmente, mas muito comum e impune [9]. A sonegação e o desvio
de dinheiro para paraísos fiscais é outra ilegalidade, e roubo que
os mais ricos praticam sobre o direito do povo [10]. Finalmente
considero que só uma revolução política não
resolveria, pois é preciso reeducar para a cultura comunitária e
crítica social. Essas ideias apoiam-se em estudos teóricos, no
diálogo acadêmico e em observações e estudos da vida social ao
longo de anos. Por isso, embora não siga completamente os padrões,
trata-se de um artigo científico.
REFERÊNCIA:
VALLIN,
Celso. Farinhada
comunitária.
In: I Simpósio Nacional Educação, Marxismo e Socialismo. Belo
Horizonte, MG : FAE, UFMG, 2016. Disponível em
<https://www.simposioedumarx.com.br/edicao-atual>. Acesso em
2018.08.13
[1] O socialismo e o comunismo seriam opções ruins
como falam?
Para finalizar o Primeiro Curso de Realidade Brasileira
da Região Sul de Minas Gerais escrevi esse texto. Não é algo
finalizado, muito menos poderá servir de base para estudos nos
temas. O que posso assegurar são duas coisas. A primeira é que o
movimento de querer escrever foi bom. Levou-me a novas leituras e
procuras, bem como, permitiu-me uma reorganização dos pensamentos.
A segunda é que sinto que pode ser uma boa provocação para quem
quer seguir estudando, discutindo em luta por uma sociedade de
iguais, sem classes.
O socialismo e o comunismo seriam opções ruins como
falam? Ou poderiam nos levar a uma vida com melhor qualidade social?
Revendo minha já avançada existência relembro os melhores momentos
que já tive na vida. Não foram momentos muito intensos e
passageiros, mas havia relações sociais verdadeiramente boas. Foram
momentos e situações de amizade, de amor, de gratuidade, ou seja,
aqueles nos quais as pessoas têm prazer em se ajudar, em estarem
juntas, em fazerem algo conjuntamente. Procurarei refletir aqui sobre
motivos e causas desses momentos serem raros em nossa sociedade, e
entender e explicar porque as atividades organizadas dentro de uma
forma comunitária seriam melhores do que as que em geral temos hoje,
que são sempre organizadas do ponto de vista capitalista. De uma
forma bem direta, o que quero defender é que na sociedade
capitalista somos fortemente orientados para defender interesses
individualistas, e quando há cooperação no trabalho, ela só é
aceita se contribuir para o lucro do negócio em questão. Isso acaba
sendo determinante em nossas ações e decisões. Constitui a base
de nossa cultura. Muito já se escreveu sobre o socialismo e
comunismo e não tenho pretensão explicar isso. Vou procurar falar
da visão que construí para que tais ideias possam ser verificadas,
discutidas, negadas, ou complementadas. Minha esperança é
compartilhar estudos, vivências e pontos de vista para que outras
pessoas se sensibilizem e também avancem em seus questionamentos
sobre o jeito hegemônico de se pensar hoje.
Nos últimos anos venho procurado compreender como seria
possível uma vida mais em comunidade, mais em sociedade. Conforme
minha criação (ocidental, nos últimos cinquenta anos), tomo como
certo que estou acostumado a viver no capitalismo. As ideias
capitalistas estão implantadas nas lógicas de trabalho, e também
nas de lazer, e em praticamente todas as atividades no meio social em
que vivemos. Sei que mora em mim o reflexo dessas formas de pensar e
agir. Históricamente, a sociedade brasileira viveu muitos anos em
que era proibido falar bem da esquerda e com isso o comunismo era
visto como algo pior que um crime. No período da ditadura
civil-militar (1964-1985), declarar-se com pensamentos de esquerda
era perigoso, visto que muitos sumiam. E olhe que eram os
representantes do Estado que praticavam a tortura, assassinatos
secretos e o terror (policiais e militares). Em suma: apesar da
realidade e de todos os meios de comunicação sempre afirmarem que
o jeito capitalista de organizar a sociedade seria melhor, as
incoerências são gritantes e isso me levou a estudar e verificar a
outra possibilidade, que talvez seja o comunismo. Lembremos que há
coisas vizinhas do comunismo que são bem aceitas e tidas como
bonitas e boas como comunhão, comunidade, comunicação ou gente
comum. Esclarecendo para quem não souber, quem defende o socialismo
e comunismo se diz “de esquerda” e buscam a igualdade social. As
diferenças entre ricos e pobres vem aumentando, no Brasil e no
mundo, de meio século para cá. A luta da esquerda contra a direita
já é mais antiga. Mas de esquerda é quem defende a igualdade, a
classe trabalhadora, ou o povo e não as grandes empresas e
empresários. São seguidores das ideias de Karl Marx (Alemanha,
1818-1883), para quem o capitalismo leva os donos dos meios de
produção ao enriquecimento extremo em função da venda do trabalho
alheio.
[2] O mundo mudou. Quem entende o mundo de hoje?
O mundo mudou. Quem entende o mundo de hoje? Grandes
avanços da ciência e tecnologia entre 1850 e 1980, grosso modo,
poderiam ter trazido melhorias a nossas vidas. A humanidade criou
máquinas que fazem coisas que antes só eram possíveis com grande
esforço. Historicamente, para aliviar os humanos da necessidade de
esforço físico e penoso, foram usados cavalos e outros animais para
o trabalho e a produção de bens e serviços. Inventamos a máquina
a vapor, usada em trens e outros. Nos anos 1900 foi desenvolvido o
motor a explosão e a partir disso criaram-se máquinas que não
existiam antes, e que hoje são a base da vida da maioria de nós,
como os automóveis, caminhões, ônibus, motocicletas, e os tratores
que permitiram a construção de estradas. Surgiram também os
materiais plásticos (derivados do petróleo) que possibilitaram a
existência de máquinas mais leves e melhores. Hoje temos plásticos
que resistem ao calor. Essas máquinas todas, permitem hoje que
muitas pessoas morem numa cidade e trabalhem ou estudem em outra,
devido ao transporte, veículos e estradas. Elas dão condições
para mudanças no modo de vida, e na estrutura da família e da
sociedade.
De 1980 para cá passamos a ter os microcomputadores.
Eles sofreram avanços e estão agora embutidos em muitas outras
máquinas. O computador permite as programações. Por esse meio a
tomada de decisões e o acionamento de comandos nas demais máquinas
tem sido feito, sempre que possível, sem precisar de pessoas. E
dessa forma as máquinas substituem o trabalho humano não somente em
tarefas de esforço físico, mas também em serviços que são mais
burocráticos ou dependem de operações abstratas, de lógica.
Algumas preocupações ou operações que antes dependiam de pessoas,
agora fazem parte de rotinas que são verificadas por máquinas que
passam a ações por elas mesmas, facilitando nossa vida. Poderíamos
citar muitos exemplos como o de uma máquina de lavar roupas, que
coloca a água e o sabão em quantidades medidas, bate um pouco a
roupa, deixa de molho por alguns minutos, torna a bater, torce...
Tantas outras possibilidades vieram com os dispositivos móveis
(celulares, táblets...) e a internet.
[3] Ricos oprimem pobres. Cultura capitalista oprime
todos.
As máquinas são resultado dos avanços da ciência e
tecnologias. Isso implica, em nível mundial, em menor necessidade de
trabalho humano, ou em maior disponibilidade de produtos e serviços
para nosso bem estar. Por isso, era de se esperar que as pessoas, em
geral, estivessem vivendo melhor. Com o avanço das máquinas,
poderíamos trabalhar um dia a menos na semana, ou trabalhar sem
tanta pressão, sem pressa e com mais prazer. Mas, parece que vem
acontecendo é o inverso! Cada vez mais as pessoas sentem que
deveriam dar mais de si mesmas. Uma palavra muito citada hoje é “a
correria”. Todos falam da “correria” em
que estão envolvidos. Dizemos, para nós mesmos, que o problema é a
correria. Isso é usado como justificativa para explicar porque não
conseguimos fazer algumas coisas que gostaríamos, porque não somos
donos do nosso tempo, de nossa vida. Fala-se também da “falta de
tempo”, mas os dias continuam tendo vinte e quatro horas!
O professor Ricardo Antunes estuda as relações de
trabalho na contemporaneidade. Ele reafirma que o trabalho abstrato é
estruturante também no mundo de hoje, globalizado.
Os produtos da Toyota, da Nissan, da General Motors, da
IBM, da Microsoft, etc., são resultados da interação entre
trabalho vivo e do trabalho morto, por mais que muitos autores, de
novo Habermas à frente, digam que o trabalho abstrato teria perdido
sua força estruturante na sociedade atual. À guisa de polêmica: se
o trabalho abstrato (dispêndio de energia física e intelectual,
conforme disse Marx em O Capital), perdeu a sua força estruturante
na sociedade atual, como são produzidos os automóveis da Toyota,
quem cria os computadores da IBM, os programas da Microsoft, os
carros da General Motors, da Nissan, etc., só para citar alguns
exemplos de grandes empresas transnacionais? (ANTUNES, 1999, p. 115)
Antunes afirma que as ideias de “O Capital” ainda
valem, e que temos que pensar em uma classe trabalhadora ampliada. O
proletariado hoje inclui novos papéis. Na luta de classes, vêm
sendo criadas novas formas de exploração da pessoa pelo trabalho,
em serviços sem horário certo, que nos levam ao trabalho sem
parâmetros e sem direitos trabalhistas. O migrantes que fazem o
corte da cana, ou a “panha” do café em nossa região são
exemplo de ganho por produção. Assistindo ao documentário Carne e
Osso (<http://youtu.be/imKw_sbfaf0>) vemos pessoas que são
contratadas por produção, e seguem demandando tanto de si mesmas
que acabam adoecendo pelo trabalho. Temos até uma doença nova
chamada Lesão por Esforço Repetitivo. Trabalhadores temporários e
precarizados devem ser vistos como da classe-que-vive-do-trabalho. É
o caso do estudante que trabalha algumas horas para o McDonalds.
Mesmo professores, vêm sendo contratados para a educação a
distância sem local e horário de trabalho e pagos com bolsas, sem
férias, sem seguro saúde... Enfim, enquanto se poderia esperar uma
melhoria da qualidade de vida, vemos nascerem novas formas de
exploração humana pelo trabalho. São adaptações do capitalismo,
que renasce e permanece. Continuamos a ter as duas classes:
proletários e burgueses. Proletário vem de prole e de pessoas que
não tendo propriedades teriam somente seus filhos para ajudá-los
como força de trabalho. Proletariado é a classe trabalhadora, ou
classe-que-vive-do-trabalho. São os que vendem sua força de
trabalho para alguém, ou instituição que possui os meios de
produção.
Conforme a lógica de produção que vivemos hoje, pelo
estabelecimento de propriedades e proprietários, os capitais
financeiros, commodities,
e outras formas de poder de certas pessoas sobre outras, alguns
poucos desfrutam de privilégios quase sem limites, enquanto que
grande efetivo de pessoas é lançado à miséria, à opressão,
subserviência, ou à correria e sentimento de impotência diante de
sua vida. Grande parte das pessoas encaixa-se numa condição de
trabalho alienado. Essas pessoas sentem-se exploradas, ainda que
sejam um elo da cadeia de produção e consumo, e tenham algum bem
estar em suas vidas. Não sentem-se livres, pois só terão lugar
enquanto aceitarem estar servindo ao sistema, que depende dos
proprietários dos meios de produção, e dos meios financeiros.
Em relação à dificuldade para se ter vida social com
qualidade existem dois aspectos que precisam ser observados
separadamente. O primeiro está na relação entre os
ricos e os pobres. Em nosso meio existem
alguns, que poderíamos chamar de “folgados”. Esses vivem
mandando e sendo servidos, como príncipes, princesas, reis ou
rainhas. Não vivemos mais a monarquia há séculos, mas é como se
alguns fossem da corte. Há pessoas acostumadas a dar ordens e tratar
trabalhadores como se fossem servos. Algumas conseguem tirar férias
em “resorts” com “all inclused”, com guias, monitores de
recreação, garçons... Algumas possuem carros, casas, empresas...
Enquanto isso há uma grande quantidade de trabalhadores que servem
essa “monarquia”, os mais pobres, que acordam cedo todos os dias,
trabalham o dia todo, mas ganham só para comer e dormir. Há
“folgados” que dizem que isso acontece porque aquelas pessoas não
têm “qualificação”, ou estudos. O mínimo que podemos dizer é
que fazem trabalhos que são mais que necessários e úteis, e que os
mais ricos servem-se desses trabalhos. Os estudos de Florestan
Fernandes ajudam a entender como se formaram historicamente essas
desigualdades, desde os tempos em que as terras do Brasil de hoje
eram usadas como colônias de Portugal, e muitos de nosso povo eram
escravizados.
Tais setores coexistem com a massa dos despossuídos,
condenados a níveis de vida inferiores ao de subsistência, ao
desemprego sistemático, parcial ou ocasional, à pobreza ou à
miséria, à marginalidade sócio-econômica, à exclusão cultural e
política, etc” (CSAL, 37). Trata-se de “uma realidade
sócio-econômica que não se transformou ou que só se transformou
superficialmente, já que a degradação material e moral do trabalho
persiste e com ela o despotismo nas relações humanas, o privilégio
das classes possuidoras, a super concentração da renda, do
prestígio social e do poder, a modernização controlada de fora, o
crescimento econômico dependente, etc” (CSAL, 42).
(LIMOEIRO-CARDOSO, 1995, p.5)
Por ai percebemos que as raízes da organização social
e dos comportamentos são mesmo dos tempos em que o Brasil dependia
do rei. Havia príncipes, nobres, escravos e servos. Mas é bom
lembrar que Marx e Engels afirmam que “A
história de toda sociedade até hoje, é a história da luta de
classes” (FERREIRA, 2007, p. 151), e eles
não conheciam o Brasil e escreveram isso nos anos 1800. Esse é o
panorama da diferença entre ricos e pobres.
O segundo aspecto nessa análise da vida social, é que
existindo uma larga escala entre os mais ricos e os mais pobres,
mesmo quem não é tão pobre está sujeito à lógica capitalista, e
isso piora a vida social. A pessoa vive na “correria”, e sente-se
insatisfeita com sua condição econômica. Quer sempre mais. E o
pior: em geral, tanto as mais pobres quanto as menos pobres,
dificilmente têm oportunidade de conviver em ambientes e situações
de boa coesão social – com relações verdadeiramente
comunitárias, de solidariedade, de cooperação, de ajuda mútua, de
graça. Entre os poucos círculos sociais em que se vive a gratuidade
podemos citar a família e alguma relação de amizade mais próxima.
Mesmo o núcleo familiar vem sendo abalado pelo jeito capitalista de
organizar a vida. Ultimamente as famílias têm diminuído a
quantidade de filhos. Há pessoas que dizem que um filho custa caro,
ou que não têm dinheiro para terem um filho. Muitos nem têm irmão
ou irmã. E por isso haverá os que não terão nem tios, nem primos,
nem tias. E vem acontecendo certo isolamento pelo individualismo no
consumo de TV, internet e outros meios de comunicação. Mesmo
debaixo do mesmo teto tantas vezes as pessoas vivem isoladas, de
forma individualista.
[4] A correria e capitalismo é a mesma coisa
Entendo que a explicação para quase tudo isso está no
jeito capitalista como somos educados. Para compreender melhor,
seguiremos examinando algumas atitudes que fazem parte da base desse
comportamento, capitalista. São elas (a) o individualismo; (b) o
produtivismo (c) a competitividade; (d) a padronização; (e) a
modernização.
(a) O individualismo
é o “cada um por si”, a falta de sentimento de pertencimento a
algum grupo social, a desvalorização das coisas públicas, comuns,
coletivas. Se antes a rua, que é um lugar público, lembrava
brincadeiras e encontro com amigos agora é vista como local de
insegurança. Nas praças ou nos ônibus as pessoas não conversam
com os outros. Os automóveis, a maioria circula com um só
passageiro. Se pertencemos a um grupo de trabalho, ele não é nosso
propriamente, visto que pouco ou nada participamos das decisões, e
não temos participação nos lucros e resultados. Para Frigotto e
Ciavatta (2006) desde meados de 1990 vivemos um agravamento e
reinvenção
do capitalismo, aumentando a exploração
do trabalhador, regredindo em conquistas sociais como a
regulamentação da jornada de trabalho e outras, e com alterações
no sistema educacional que acabam por formar uma cidadania
individualista, voltada para a produção. Os jovens, cada vez mais,
são preparados para atuarem no mercado de trabalho, para produzirem
mais rapidamente, sendo competentes, incorporando avanços da ciência
e da tecnologia. Mas “o termo produtivo se
refere ao trabalhador mais capaz de gerar mais-valia – o que
significa submeter-se às exigências do capital que vão no sentido
da subordinação e não da participação para o desenvolvimento de
todas as suas potencialidades” (FRIGOTTO;
CIAVATTA, 2006, p.63). Desenvolvem, quando muito, um sentido de
cidadania individual, na qual não existem preocupações nem
responsabilidades com o coletivo da sociedade. Em relação aos
direitos humanos, quando muito, aprendem a ver somente os direitos
particulares do indivíduo, dissociado de sua comunidade (idbem,
p. 67). Falta
o sentido de cidadania coletiva que é a superação da cidadania
burguesa, o que inviabiliza a plena
emancipação humana. Citando Marx em Trein escrevem:
Somente quando o homem individual real recupera em si o
cidadão abstrato e se converte, como homem individual, em ser
genérico, em seu trabalho individual e em suas relações
individuais; somente quando o homem tenha reconhecido e organizado
suas “próprias forças” como forças sociais e quando, portanto,
já não separa de si a força social sob a forma de força política,
somente então se processa a emancipação humana (Marx, id. ibid:
52, grifos do autor). (FRIGOTTO; CIVATTA, 2006, p. 67)
Os vários espaços de convivência social que temos são
capturados pelas lógicas capitalistas.
Nas férias, muitos estão adotando o padrão CVC de
viagens turísticas. As pessoas viajam e instalam-se em hoteis já
reservados para um grupo. Dia a dia são levadas a locais
“turísticos”. Há horários e programações bem estabelecidas
que o grupo deve cumprir. Tudo é belo e incrível como se as pessoas
estivessem realmente no filme a “A Ilha da Fantasia”, mas voltado
para participação individual. A socialização, quando há é
fraca. Férias tornou-se pacote que é um produto a ser negociado.
Tudo é comodo pois só depende de pagamento, mas também nossa
participação nas programações e realização é quase nula.
Mesmo os que se preocupam com a caridade, ou o amor ao
próximo, contaminados pela lógica e pensamento capitalista cometem
distorções. Algumas vezes, pensando em ajudar os mais necessitados
praticamos o assistencialismo, como se a doação de algum produto
significasse o amor ao próximo. As empresas falam de
responsabilidade-social, mas não há responsabilidade verdadeira com
as relações sociais. Algumas fazem propaganda de suas ações
benevolentes para melhorar a imagem e obter mais lucros. Melhor do
que doarmos algo tirado de nós em troca de um lugar no céu, é a
solidariedade plena, expressa em trabalhos de cooperação, em
parceria, em igualdade; a expressão do amor coletivo na
socialização.
Os eventos ditos culturais na visão capitalista são
como o consumo de aparatos criados pela chamada indústria cultural.
É o caso do cinema. Pensemos num filme que acaba de ser lançado, do
qual a grande mídia está fazendo muito propaganda, e a população
está repercutindo. Muitas pessoas têm sua vontade
capturada. Ao assistir um filme nos colocamos em posição passiva,
neutra. Um evento cultural verdadeiro deveria envolver outras
relações. A verdadeira cultura é a curtição da expressão de
pessoas de nosso grupo de convívio social, e deveria incluir atos
criativos e participação na apresentação artística. Em certos
momentos até podemos curtir aparatos culturais gravados ou de
pessoas de fora de nosso convívio mais próximo, mas não podemos
perder a dimensão da participação, da troca social, de nossas
identidades, de nosso pertencimento em grupos sociais.
A torcida esportiva é um divertimento muito praticado
pelo mundo todo, hoje. Muitos torcem para os grandes clubes de
futebol, ou para os pilotos de Fórmula 1. Em geral o torcedor não
joga. Somente assiste os jogos pela TV, e “participa” dos
comentários pela TV ou rádio. Nessa situação a coesão e
participação social é pouca, é fraca. Há muitos comportamentos
alienados e dominados. Já a torcida de quem vai ao campo de futebol
e faz parte de um grupo, para muitos, é o auge de suas oportunidades
de participação social. Dai a grande alegria em torno de tais
momentos.
A escola, apesar da grande mídia ressaltar só notícias
ruins, talvez seja o ambiente de melhor socialização de que as
crianças e jovens podem dispor hoje. É geral a afirmação de que
gostam dos espaços que são criados nos intervalos das aulas. Mas a
aula mesmo tem servido mais para passar informações, desenvolver
habilidades e competências, e em geral, é voltada para a
individualidade. Cada um em sua carteira, olhando para frente. Não
podem conversar, devem prestar atenção ao/à professor/a ou fazer
exercícios individualmente. A escola permite uma boa convivência
social, mas ensina o individualismo e a competitividade. As viagens
turísticas, os atos assistencialistas, os eventos ditos culturais ou
a torcida pseudo-esportiva são expressões da cultura capitalista.
Além do individualismo, possuem também bases produtivistas, de
competitividade, de padronização e de modernização.
(b) O individualismo é associado ao produtivismo.
Esse é o sentimento de que devemos aumentar a produção das coisas
com as quais estamos envolvidos. A palavra “desenvolvimento” é
associada ao crescimento econômico, ao aumento anual da produção
de um país, ou instituição. Conforme essa ideia não podemos
“desperdiçar” tempo. Tempo é dinheiro. Dai, não se pode ficar
discutindo ou refletir críticamente sobre as situações, para não
perder produção, ou não diminuir o tanto que conseguimos produzir.
A lógica instituida faz crer que devemos seguir decisões técnicas,
vindas de fora, que seria melhor fazer algo sem questionamentos, e
que não se pode abrir espaços para reflexão coletiva, que é vista
como polêmica. Produtivismo é querer sempre mais, maior. É mais do
mesmo.
(c) A competitividade
começa pelo princípio da livre concorrência. Por nossa educação
social, hoje, parece inquestionável que as empresas tenham o direito
de vender seus produtos pelos preços que quiserem. Mas existem
condições muito desiguais, e quanto maior a complexidade da
produção, devido aos progressos da ciência, tecnologias e
organização industrial-comercial, mais difícil que pessoas ou
empresas pequenas possam concorrer em igualdade com as maiores. Não
poderemos nos aprofundar em análises de produção e mercado nesse
artigo. Um exemplo dessa desigualdade pode ser a publicação e
distribuição de um filme de cinema ou TV. A distribuição e a
propaganda dão as condições para a desigualdade. Dessa forma uma
produção milionária de roliúdi (Hollywood) tem grande
possibilidade de ser assistida por milhões de pessoas no Brasil
mesmo quando a crítica aponta que é ruim, enquanto que uma produção
brasileira com poucos recursos, mesmo que seja boa e interessante, é
pouco conhecida e assistida (como foi o caso do filme Cine Holliúdy,
Comédia Romântica, produzido em 2013, que fala da vida no interior
do Ceará). Por outro lado, acreditando que a concorrência seria
mesmo livre, seguimos em busca da otimização de resultados, pela
ideia de que devemos encontrar o melhor modo para fazer as coisas,
economizando ao máximo, não desperdiçando nem materiais nem tempo.
Por isso entendemos que devemos ser melhor que os outros, termos um
produto que supera os concorrentes. A ideia de competitividade leva
as pessoas a se preocuparem em superar a elas mesmas, e finalmente a
sentirem-se mal porque são colocadas metas sempre além do que seria
facilmente conseguido. A competitividade foi aguçada após os anos
1990 com a abertura para o comércio internacional, ideias como a
reengenharia, reestruturação produtiva, mecanização,
informatização e as possibilidades ampliadas de articulação entre
locais distantes, pelo mundo inteiro: a globalização. Hoje, o
rearranjo de um trabalho na China pode decretar o fechamento das
oportunidades de trabalho no mercado de um cidade qualquer do
interior do Brasil. A crença de que existe uma livre competitividade
colabora para a autocobrança produtivista. Mas na verdade o que
temos é uma competição viciada.
(d) A ideia de padronização
está por trás das marcas e franquias (como o Cinemark; a M.Officer;
a TIM, Apple, Google...) e também pelos procedimentos padronizados e
pelo endeusamento da técnica. Tal modo de pensar coopera para
desvalorizar a atividade criativa e o pensamento crítico e até
inviabilizar os talentos e culturas regionais. Trabalha contra a
diversidade cultural. Fala-se do mundo como se fosse uma aldeia
global. A padronização colabora para os comportamentos colonizados,
de “bom gosto” e “bem comportados”. Já dizia Adriana
Calcanhoto: “não
gosto de bom gosto”. O produtivismo é
parceiro da padronização. Ao contrário, para as pessoas em geral,
seria melhor valorizarmos regionalismos. Diversidades culturais
significam distribuição de poderes e de inteligências e são o
contrário de centralização, de jeito único de pensar, ou de fim
da história. Também na Europa isso é percebido e existe a crítica
à padronização global, em defesa dos valores locais. Vejamos o que
dizem a respeito dos currículos escolares:
Embora, neste momento, a tentativa
de construir um território curricular europeu se circunscreva
mais a referenciais de estrutura organizacional do que à
uniformização dos conteúdos programáticos, tudo indica que, a seu
tempo, as opções curriculares acabarão por enfraquecer as
territorialidades curriculares nacionais, regionais e locais a favor
da legitimação de um conhecimento escolar internacional que
represente não só as metas educativas e formativas que cada nação
deve concretizar no quadro da Comunidade Europeia, mas também os
interesses de certos sectores de influência e dos grupos sociais e
económicos dominantes que se movem nesse contexto. (MORGADO, 2010,
p. 257)
Até a escola segue a ideia de padronização
internacional.
(e) A modernização é
outro defeito do nosso modo de pensar, em geral. Fala-se de ser
moderno ou da importância de ser uma pessoa atualizada, e isso acaba
instabilizando valores tradicionais de qualquer tipo, não pelo
desmérito ou pela superação, mas só porque existe algo mais
recente, que está na moda. Isso favorece a obsolescência de
produtos. Esse modo de pensar leva ao consumismo, ou hábitos
exagerados de consumo, à compulsão por compras e por produtos recém
lançados. Quando se pensa na educação continuada das pessoas, a
modernização leva cada um a informar-se para mostrar-se atual, leva
à reprodução acrítica de novos procedimentos e habilidades
técnicas, e ao exibicionismo dessas habilidades, produtos ou
informações e desfavorece o aprender crítico, e pessoal, de
experiência feito. Por isso devemos
sempre desconfiar, duvidar, ser críticos. Nem sempre o “padrão
fifa” será algo melhor. Nem sempre o que é internacionalmente
aceito e usado, que dizem ser o mais desenvolvido, será melhor para
nós. Cortella fala de uma obsessão evolucionista (2003, p. 51).
Para ele o inconsciente coletivo do mundo ocidental se apoia em três
ideias equivocadas: a de que o passado é sinônimo de atraso e de
ignorância inocente, a de que a racionalidade sempre nos levará a
progressos, e a de que a ciência levaria sempre ao bem.
Pode haver outras, mas essas cinco ideias estão na base
do capitalismo, advém da lógica do lucro, e ajudam a entender
o que estamos chamando de cultura
capitalista, jeito capitalista de pensar. São
ideias cultivadas e realimentadas constantemente em nossa cultura –
individualismo, produtivismo, competitividade, padronização,
modernização.
[5] Ainda existem organizações comunitárias
Para Christianne Gomes os momentos de lazer e os eventos
lúdicos são as melhores situações para experiências
interculturais revolucionárias e isso pode ser uma importante dica
para a educação transformadora. Existem certos espaços de
organização social (de lazer e cultural) que produzem
possibilidades de relações sociais muito melhores do que as que
encontramos no convívio social costumeiramente. O “
lazer pode ser uma (e não a única) ferramenta muito importante para
mobilizar experiências interculturais revolucionárias, contribuindo
assim com uma educação para a transformação social e cultural”
(GOMES, 2010). Nessa busca, por anos, de relações sociais e de
relacionamentos melhores entre as pessoas, situações que sejam mais
comunitárias, hoje considero que tenha encontrado/percebido algo
realmente importante. Consigo identificar situações sociais
(várias), que ainda existem em alguns lugares e resistem,
praticadas com a naturalidade das coisas que fazem parte da cultura,
nas quais a lógica de base não é
capitalista e sim comunitária. Esses
exemplos podem significar para nós todos que é perfeitamente
possível viver de uma forma mais comunitária e com maior
felicidade. Vou falar da Folia de Reis e da Farinhada Comunitária.
Mas poderia falar também das Escolas de Samba, do Congado, do Bumba
Meu Boi, das Festas Juninas, do trabalho voluntário e certamente
existem outras situações como essas.
Sei que não vou conseguir explicar bem o que acontece
na Folia de Reis porque eu nunca fui integrante de um grupo desses.
Sou somente observador. Mas o que pude perceber é que as pessoas
falam com grande entusiasmo dessa festa comunitária. Olhando somente
a festa, não dá para se entender completamente. É bonita,
interessante, mas a aparência não explica a alegria com que os
participantes falam e participam da festa. O motivo, entendo que
venha das oportunidades de convivência comunitária e gratuita que
são gerados desde os momentos anteriores à festa, meses antes,
quando as pessoas se reunem em preparação a ela. Ali vão se
estabelecendo contratos de parceria e de responsabilidade voluntários
e espontâneos. Não existe uma relação de lucratividade, nem de
recompensas formais, nem alguém que explore o trabalho dos outros. É
importante observar que as pessoas trabalham para fazer roupas e para
ensaiar cantos e danças, mas não receberão nenhum salário, ou
favor em troca disso. E não é trabalho escravo, pois vai quem quer,
e tudo é feito pelo prazer da participação. O modo de aprender e
ensinar sobre a festa não separa as pessoas por idade, não tem
horário certo, nem um planejamento duro. Tudo é informal e com
flexibilidade. Mas existem estruturas condicionantes que são
habituais. A Folia é um todo que se compõe por grupos menores. A
pessoa que é convidada ou aceita para fazer parte de um grupo
sente-se lisonjeada, porque acreditaram nela, porque o grupo quer sua
participação. Durante dias e dias as pessoas daquele grupo se
encontram e convivem em clima de liberdade e graça ao preparar
roupas, cantos, danças e outras coisas que farão parte da festa. No
dia marcado, realizam tudo o que foi preparado, em conjunto, e são
vistos pelo restante da comunidade. A festa acontece nas ruas mas é
como num palco, em que as pessoas se apresentam e são vistas e
admiradas. Ficam felizes por terem se apresentado e receberem
elogios. Mais que o dia da festa, todos os dias de preparação
constituem o interesse e prazer das pessoas em participar. Fazem com
que sintam-se pertencentes a um grupo social. Criam laços
comunitários de afeto, respeito, competência... Enfim, uma
experiência dessas merece ser estudada em separado. O certo é que
os participantes sentem grande felicidade ao se articularem em grupos
de trabalho comunitário.
Durante um certo tempo eu observava experiências como a
Folia de Reis e imaginava que aquelas relações de felicidade e
gratuidade só fossem possíveis para festas, ou eventos diferentes
do “trabalho socialmente necessário”. Mas em janeiro de 2014
tive a oportunidade de conhecer a Farinhada Comunitária que, embora
os participantes relatem que é algo tão prazeroso quanto uma festa,
tem o objetivo de produção de farinha de mandioca para alimentação,
e portanto é um trabalho pela necessidade da subexistência.
Participei do Projeto Rondon, no interior do Maranhão, município de
Barão de Grajaú, a 7h por estrada de rodagem de São Luiz. A
farinhada comunitária é um exemplo de que o trabalho por
organização não capitalista é possível. As pessoas afirmaram que
é melhor do que novela pois, naqueles dias, nem lembram de ligar a
TV. Um grupo de pessoas da comunidade trabalha em mutirão na
produção da farinha, a partir da colheita de mandioca. A farinha
resultante pertencerá somente à família que a plantou. O trabalho
de todos naqueles dias não é cobrado nem recompensado. Existe sim
uma ajuda mútua. Outras pessoas do grupo também plantam mandioca e
receberão ajuda comunitária quando fizerem sua colheita. Mas não
há um parâmetro para medir quanto cada pessoa trabalhou, quanta
mandioca foi trabalhada. Não existe a preocupação capitalista de
medir o trabalho e a produção, nem há salários, nem lucro. Até
pessoas que não plantam mandioca gostam e querem participar, visto
que são momentos de convivência com boa coesão social, e que as
pessoas sentem o prazer de ajudar, e de terem sua presença e
participação reconhecidas pelo grupo. Existem cantorias para
alegrar certos momentos. Os trabalhos são vários. No primeiro dia
as pessoas descascam a mandioca. Cada um/a leva o seu banquinho, sua
faca, que são os instrumentos de trabalho. Algumas coisas são mais
para os homens e outras são geralmente feitas pelas mulheres.
Destaca-se uma outra relação de trabalho, que não é capitalista,
mas comunitária, e as pessoas trabalham com prazer e harmonia. O
trabalho dessa forma é percebido pelas pessoas como algo melhor do
que o divertimento mais usual: a novela da TV!
Ligando com as ideias de Christianne Gomes, entendemos
que essas, cada vez mais raras, expressões culturais tradicionais
como a Folia de Reis e a Farinhada são exemplos de situações reais
de lazer e de trabalho comunitário que podem levar as pessoas a
compreenderem a acreditar numa sociabilidade diferente da
capitalista. Não adiantaria pensarmos em criar grupos de Farinhada
ou de Folia de Reis em lugares em que essas manifestações não são
tradicionais. É possível sim, procurar, em cada local, coisas
semelhantes que possam ser vistas como sementes de uma nova
socialização. Trabalhar essas sementes, nos leva à esperança de
que elas poderão significar a base de grandes mudanças. Mas não
temos ilusões de que manifestações como as tradicionais sejam
espaços de forte consciência contra a cultura capitalista. Para
tanto, será imprescindível ainda o apoio de uma educação para
além do capital (MÉZSÁROS, 2008). Um trabalho de educação com
“contrainternalização” ou contraconsciência. E isso é um novo
assunto, o qual não aprofundaremos aqui.
[6] Capitalismo na universidade, relação com a
natureza e grande mídia
Para completar o olhar sobre a organização capitalista
em nossas vidas hoje, é preciso considerar sua relação com a
universidade, com a natureza e com os meios de comunicação.
Observamos que a cultura capitalista está também nas universidades,
um dos ninhos da ciência e tecnologia. Existe uma lógica que
envolve financiamentos que patrocinam pesquisas e determinam
direcionamentos. De diferentes formas influenciam e chegam a
determinar como serão os parâmetros de avaliação de resultados e
as políticas de ação na educação e nas universidades. O capital
econômico, por estratégias complexas e nem sempre claras, torna-se
proprietário das decisões maiores na universidade. Hoje é geral a
queixa de docentes sobre as pressões produtivistas no trabalho
universitário. Por isso é importante estabelecer bases nas
universidades para se contrapor ao produtivismo. No encontro “MST e
a pesquisa” na Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF), em 2014,
discutiu-se a importância da sintonia da formação com os desafios
da realidade, e a reconstrução das bases culturais política,
agroecológica, social... O tão falado tripé
ensino-pequisa-extensão se tornaria real, considerando-se que os
problemas e desafios sociais e produtivos de certa comunidade seriam
a base de projetos interdisciplinares, interdepartamentais e
interinstitucionais; o ensino e estudos se desenvolveriam pela
resolução de problemas da realidade prática; e naturalmente esses
estudos seriam também pesquisa e diálogos de extensão
universitária. Nessa perspectiva reconhecemos a importância dos
laços que vêm sendo criados entre professores da Ufla, da Unifal,
do Ifsuldeminas, e integrantes do MST, em torno de projetos que se
realizam nas áreas de acampamentos e assentamentos da região do Sul
de Minas, e tantos outros militantes de movimentos sociais que
fizeram parte do Curso de Realidade Brasileira local.
Em nossa relação com a natureza também temos
problemas devido ao modo capitalista de organização social. A
lógica de produção, consumo e desenvolvimento que vem sendo
praticada, e que é a matriz do capitalismo, desrespeita, degrada e
destrói a natureza. Não se sustenta. Pela lógica do lucro
pratica-se a monocultura, o uso de venenos e fertilizantes químicos,
o uso de sementes transgênicas, e um modelo de organização
produtiva que vem aumentando a dependência dos pequenos produtores
em relação a grandes corporações internacionais, fabricantes de
venenos, sementes modificadas e fertilizantes químicos. Nesse
sentido existe um movimento pela agroecologia que busca se afirmar,
em contraposição ao agronegócio e à produção para exportação.
Vemos ainda que, diante da complexidade da sociedade
atual os meios de comunicação de massa (mídias) fazem parte do
centro do poder. Sendo assim, naturalmente são disputados pelos
grandes grupos empresariais e econômicos. Não somente para a
propaganda de seus produtos, mas para um noticiário que ampare suas
ações e arrumações sociais, e ainda uma programação novelística
e de arte que também sirva de ancoragem para o modo capitalista de
pensar. A má fama dos políticos e a imagem de respeitabilidade das
grandes marcas é uma construção subjetiva, realizada com o apoio
dos meios de comunicação de massa (TV, web, jornais, rádio etc.).
É fácil entender que esses espaços de comunicação sejam
disputados e dominados pelos grupos mais poderosos da sociedade hoje.
Alguns fatos como os que são citados nesse trabalho, cuja referência
é o jornal Brasil de Fato, não são mostrados pelos jornais de
maior circulação. Em contraposição, as esquerdas devem entender
que também precisam ocupar os espaços de comunicação de massa.
Mas, se há tantos problemas como explicar que o capitalismo renasce
e está cada vez mais forte?
[7] Grandes capitalistas e a roubalheira dos bens
públicos.
O que sustenta e reforça a cultura capitalista são
seus poderes. O poder do capitalismo está em muitos lugares: desde
os empresários, donos dos meios de produção de bens, incluindo os
investidores ou banqueiros, passando pelos governos nacionais,
organismos internacionais, a universidade, meios de comunicação de
massa... Em nossa cultura é comum que se fale mal dos governos, dos
governantes e da classe política, e ao mesmo tempo as grandes
empresas nacionais e transnacionais gozam de uma imagem de
respeitabilidade, como se fossem justas e éticas. Mas a realidade
não condiz com as imagens e sentimentos que, em geral, as pessoas
têm. O poder público, o poder de decisão e mando nas coisas da
sociedade está nas mãos do que chamamos de políticos. Nessa classe
incluímos as pessoas e instituições do poder executivo (governos
federal, estaduais e municipais) bem como o poder legislativo:
deputados, senadores, vereadores. O judiciário escapa dessa má
fama. Mas na realidade podemos perceber que as grandes corporações
nacionais e transnacionais têm mais poder que os governos e que
acabam por controlar e manipular a classe política. A
roubalheira dos bens públicos sustenta e reforça o poder dos
capitalistas. Embora as corporações e
grandes empresas consigam criar uma imagem de respeitabilidade na
sociedade, existe uma forte apropriação dos recursos públicos
(dinheiro) em benefício dos grupos mais poderosos. Essa apropriação
é indevida, antiética, ilegal, e é o que podemos chamar de
roubalheira. Em geral, o povo não associa uma dessas empresas a suas
desgraças ou falta de condições de vida. Mas isso acontece e
precisamos tomar consciência para nos contrapor. A roubalheira se
realiza por três vias: (a) O falseamento da democracia; (b)
corrupção; (c) sonegação de impostos.
[8] Falseamento da democracia
O falseamento da democracia
acontece pela manipulação das campanhas
eleitorais, e pela cooptação ou parceria de empresas com pessoas
que são eleitas para cargos políticos. O primeiro ponto que destaco
é o financiamento de campanhas eleitorais. Hoje é difícil que os
candidatos consigam se eleger se não contarem com certa quantidade
de dinheiro para sua campanha. Por outro lado, uma campanha
bem-feita, consegue eleger um candidato pouco conhecido com certa
facilidade. E uma boa campanha eleitoral pode ser conseguida com
dinheiro. Assim, quem tem grande poder econômico acaba fazendo
doações aos candidatos e com isso dá condições para sua
elegibilidade. Mas, com que propósito estariam fazendo tais doações?
Será que tais empresários conseguiriam recuperar o dinheiro gasto
com a ajuda dos candidatos, depois de eleitos? Existe no país, há
tempos e tempos, uma elite que consegue eleger candidatos aos mais
altos cargos de poder da nação, por meio do financiamento de
campanhas eleitorais e estratégias de “marketing” político.
Passadas as eleições os grandes grupos, nacionais e
transnacionais, por meio do controle que exercem sobre os
governantes, conseguem fazer aprovar leis e programas de governo a
seu favor. Segundo o jornalista Alceu Luis Castilho, o Brasil tem um
sistema político ruralista. Ele fez uma pesquisa meticulosa por mais
de três anos. Observou mais de 13 mil declarações de bens e
concluiu que, entre 2008 e 2010, setenta e sete políticos eleitos
têm em seu nome mais terras do que o país Porto Rico. Observa ainda
que a empresa JBS-Friboi foi uma das que fez mais doações para
campanhas de políticos. Depois, na votação em 2011 do Código
Florestal, da bancada de eleitos entre os que receberam doações, só
um deputado votou contra o projeto (BRASIL
DE FATO, 2012, p. 7).
A política é comprada ou corrompida pelo capital. As
leis e programas de aplicação de recursos públicos são
direcionados mais para favorecer aquela elite e seus negócios do que
o povo. No final do ano passado a Odebrecht conseguiu que Banco
Nacional de Desenvolvimento Social (BNDES) “comprasse” uma parte
(Subsidiária) daquela empresa, envolvendo um bilhão de reais, após
“vencer” a concessão para exploração do aeroporto do Galeão.
As pessoas ficam à merce de tais lógicas, sentindo-se impotentes.
Dentro da legalidade, mas invadindo campos antiéticos e até
ilegalidades, esse poder econômico segue se apropriando de decisões
e bens públicos e até determinando votação de leis que os
beneficiarão. O problema não é só porque sejam donos dos meios de
produção, mas o controle hegemônico que exercem sobre a sociedade,
e a roubalheira na luta pelo poder. Nesse jogo político conseguem a
liberação de fundos de programas, para favorecer suas empresas e
interesses; conseguem a aprovação de orçamentos, projetos e
programas que os favoreçam. Essa elite acaba tendo mais poder que os
governantes eleitos. Subverte o poder público em benefício próprio,
mas não visando o bem do povo em geral. Para nos contrapor ao
falseamento da democracia e das eleições, precisaremos formar
pessoas mais conscientes, dar maior importância às eleições e aos
partidos, escolher candidatos por critérios melhores e não nos
deixar influenciar tanto pelo “marketing” político. Mesmo as
votações e decisões públicas poderiam funcionar com maior
participatividade. A participação popular não deveria ser somente
nas eleições. Poderíamos ter uma democracia mais participativa.
Precisamos educar o povo e a nós mesmos para a participação na
política e para uma política de maior abertura à participação
popular.
[9] Corrupção
A corrupção
é outro meio pelo qual grandes corporações obtém vantagem
econômica, o que significa que estão desviando dinheiro do povo
para seus interesses particulares. O desvio de dinheiro público para
atender a interesses privados, é absolutamente criminoso. O que
deveria ser usado para atender o povo em geral é desviado para
favorecer os que têm poder, que são os que já detém os maiores
capitais. A mídia (TV, jornais, revistas, rádio) culpabiliza o
governo. É comum que, ao criticar a roubalheira da corrupção, se
defenda, sutilmente, a ideia de que a solução seria termos menos
poder público e mais iniciativa privada. Não se fala dos
corruptores. É certo que quem compra um governante corrupto é
alguém que tem dinheiro para tanto. Também é certo que o corruptor
irá ganhar muito mais do que paga, visto que se fosse dar no mesmo
seria melhor não se arriscar. Em nossa cultura o corruptor fica
escondido da comunicação de massa e do senso comum. Mais do que
ficarmos contra o governo e o Estado, precisamos nos colocar contra a
bandidagem e entender que há grupos de poder econômico que estão
por trás dos governantes.
[10] Sonegação
Finalmente a sonegação
é outro artifício da bandidagem dos poderosos. Essa elite é
proprietária de grandes corporações internacionais. Por trás de
uma imagem de respeitabilidade existem operações duvidosas,
secretas ou ilegais como a evasão de divisas para paraísos fiscais,
subtraindo do devido imposto, ou da cota de participação pública,
como nessa notícia: “Sonegação dos ricos
é 25 vezes maior que corrupção nos países pobres”
(BRASIL DE FATO, 2014, p. 14). Existem trabalhos de convencimento da
população que tentam falar mal dos impostos, como é o caso do
“impostômetro”, artifício criado pela Associação Comercial de
São Paulo e fortemente apoiado pelos meios de comunicação de
massa. O que desejamos é mais Estado e não menos impostos. Somos
contra a roubalheira, mas não contra o poder público. O contrário
de forte poder público é o poder privado. Essas ideias mostram-se
turvas para as pessoas, em geral. Em contraposição à ideia do
impostômetro foi criado o sonegômetro. Enquanto que o pessoal da
direita, como a Revista Veja, se esforça para maldizer o Bolsa
Família, a sonegação parece não importar tanto. Espantam-se com
os 21 bilhões de reais usados com esse programa em 2012, e afirmam
que o Bolsa Família não funciona, e que o programa é usado como
vitrine do governo (VEJA, 2013). Porém um estudo mostra que “em
menos de 100 dias, o país deixou de arrecadar mais de R$ 106
bilhões” em impostos (R7, 2014). Ou seja,
um ano de sonegação daria para pagar dezoito anos de Bolsa Família!
E lembremos que para famílias numerosas, com mais de cinco crianças,
o benefício não chega a trezentos reais por mês! Infelizmente
essas lógicas de poder têm estruturado a política e a economia. As
grandes empresas nacionais e transnacionais têm mais domínio nos
países do que os governos. Esse fenômeno não acontece só no
Brasil. E não são só estrangeiros que nos roubam e nos reprimem,
há também brasileiros com grande capital que fazem parte desse
jogo. Além de incriminar tais grupos de poder, devemos também criar
condições para ter lógicas de participação pública que superem
tais estruturas, como a lei 8243/2014 - que instituiu a Política
Nacional de Participação Social. E nesse ponto entendo que é
preciso ter mais unidade da classe trabalhadora, com sindicatos,
associações e conselhos, bem como mais educação e informação.
Escola e meios de comunicação de massa precisam ser ocupados pelas
esquerdas para trabalharem em outras lógicas que não essa, do
capitalismo.
Considerando o falseamento da
democracia, a corrupção
e a sonegação
podemos entender que esse poder todo não é legítimo. As grandes
corporações são mantidas pela roubalheira que se dá pelo
financiamento de campanhas, favorecimentos de governos e
legislativos, corrupção e sonegação. Alguns dizem – não
poderíamos afirmar que todos os ricos são ladrões. O que
precisamos cultivar é uma relação melhor entre trabalho e
direitos, e menos diferenças econômicas.
[11] Mais que revolução política: educação!
O olhar ao longo da história pode nos dar a certeza de
quem está por trás dessa articulação. Quando um governante fica
mal visto, cai em desprestígio, sai da política e do governo, isso
não abala a turma que está por trás dos financiamentos de
campanha, do desvio de dinheiro público para interesses privados.
Para lembrar só um exemplo, no dia 11/07/2012 foi cassado o mandato
de Senador de Demóstenes Torres. Um ano antes ele fazia discursos
criticando a corrupção no setor público, e foi até lançado
informalmente como candidato à presidência da república pelo
partido DEM.
Na sequência da história vemos outras pessoas que eram
desconhecidas serem levadas aos cargos de poder, como Antonio
Anastasia que tornou-se governador de Minas Gerais sem antes ter sido
eleito para outro cargo político menor, semelhante ao que aconteceu
com Dilma Roussef. Ao mesmo tempo o empresariado que está por trás
das eleições, pouco se altera. Os grandes capitalistas são pouco
conhecidos, não perdem seu poder (que é o capital) e que é maior
do que o poder dos mandatos. Em certa medida os grandes capitalistas
têm poder até sobre o judiciário como vemos no caso do jornalista
Lúcio Flávio que foi condenado em 2005 a pagar oito mil reais por
ter chamado de “pirata fundiário” a Cecílio do Rego Almeida.
Acontece que em 2011 a Justiça Federal cancelou o registro de terras
de Almeida, mostrando que as acusações do jornalista procediam.
As terras eram públicas (do Estado do Pará, da União e territórios
indígenas) numa área maior que países como Dinamarca e estados
como o Rio de Janeiro. O controle das campanhas políticas está com
os grandes empresários. Controlam os governos, as leis, programas e
financiamentos, se beneficiam da corrupção, sonegam impostos.
Historicamente tudo muda, menos esse poder supra-governamental. A
transitoriedade pode ser comprovada quando vemos que, num momento,
novos partidos políticos são criados, em outro são desprestigiados
e deixam de existir, outros são criados e ocupam seus lugares na
política, as pessoas eleitas ou designadas para importantes cargos
também mudam ano a ano, mas o controle e poder das grandes
corporações permanece.
Fala-se mal da política, dos políticos,
mas não dos que estão por trás dessa armação e roubalheira. Os
grandes capitalistas não são culpabilizados. Os movimentos sociais
defendem que seja feita uma revolução e que as instituições de
poder sejam controladas. Mas, tendo em vista aqueles dois aspectos –
que os ricos oprimem os pobres; e que a cultura capitalista oprime a
todos (pelo individualismo, produtivismo, competitividade,
padronização e modernidade), se pensarmos numa revolução (um
jeito qualquer de mudar o mundo!), não adiantaria somente que as
grandes corporações transnacionais deixassem de ser de propriedade
de uns poucos, e fossem do povo. Não bastaria somente tirar o
capital das mãos dos mais ricos. A cultura capitalista, continuaria
existindo e com ela a opressão. A opressão de uns sobre os outros,
pela sede de lucro, pela competitividade... E também a opressão de
cada um sobre si mesmo, se obrigando a produtividades crescentes, e
vivendo em ambientes individualistas e sem graça (nos dois sentidos
– sem atratividade e sem relações de gratuidade). Para pensar a
revolução, entendo que devemos trabalhar nas duas frentes. A
primeira é a luta para que os meios de produção sejam do Estado e
assim do povo e não de certas pessoas. A segunda, é a luta para
transformar a cultura de capitalista para comunitária, e mudar as
pessoas em seu jeito de olhar para a vida. É preciso entender e
cultivar hábitos de convivência opostos aos de individualismo,
competitividade, produtivismo, padronização e modernidade.
Paulo Freire fala que as pessoas em sociedade podem
colocar-se em processo de humanização. Para ele, nos anos
anteriores ao golpe de 1964, a sociedade brasileira viveu uma época
de transição. Na época anterior a esse período, os brasileiros, e
a sociedade brasileira, comportavam-se como colônia e colonizados, a
sociedade era, de modo geral, “intransitivada”
em sua consciência, estaria fechada ao pensamento crítico,
transitando mais no biologicamente vital, sem teor de vida no plano
histórico-social.
É evidente que o conceito de “intransitividade” não
corresponde a um fechamento do homem dentro dele mesmo, esmagado, se
assim o fosse, por um tempo e um espaço todo-poderosos. O homem,
qualquer que seja o seu estado, é um ser aberto. O que pretendemos
significar com a consciência “instransitiva” é a limitação de
sua esfera de apreensão. É a sua impermeabilidade a desafios
situados fora da órbita vegetativa. Neste sentido e só neste
sentido, é que a intransitividade representa um quase incompromisso
do homem com a existência. (FREIRE, 1967, p. 34)
Naqueles anos a sociedade teria conseguido entrar num
estado de transitoriedade para uma sociedade diferente. Esse primeiro
estágio de mudança chamou de “transitividade
ingênua”, que acreditava fosse a realidade
daqueles dias [1962-1964] nos centros urbanos, que, “mais
enfática ali, menos aqui, se caracteriza, entre outros aspectos,
pela simplicidade na interpretação dos problemas”
(ibid p. 59). A partir daquele ponto, a sociedade brasileira poderia
avançar para a transitividade crítica,
por meio de uma “uma educação dialogal e
ativa, voltada para a responsabilidade social e política”
que se caracterizaria “pela profundidade na
interpretação dos problemas” (FREIRE,
1967, p. 60). Mas, infelizmente as forças conservadoras derrubaram o
governo, que fora democraticamente eleito, e impuseram à força uma
ditadura que durou vinte anos. Até o final da ditadura, pode ser
questionado. Para Saviani a transição foi só mais uma transação:
O
que chamam de transição “democrática” (1980) não teve nada de
autenticamente democrático. Foi uma transação entre as elites,
contra os dominados. Sarney vincula-se a Tancredo visando assegurar a
manutenção da ordem econômica. “A transição somente poderia
ser feita por ruptura, dentro da luta por uma forma de democracia que
assegurasse à massa popular dos mais ou menos espoliados e excluídos
e aos trabalhadores como classe o direito à revolução, dentro da
ordem e contra a ordem.” citando Florestan Fernandes. (SAVIANI,
2012)
Para Florestan Fernandes não se pode bobear e pensar
que os que estão com o poder permitirão que sejam implantadas
mudanças sociais que favoreçam a igualdade, sem reagir. Para ele:
Não foi um erro
confiar na democracia e lutar pela revolução nacional. O erro foi
outro - o de supor que se poderiam atingir esses fins percorrendo a
estrada real dos privilégios na companhia dos privilegiados. Não há
reforma que concilie uma minoria prepotente a uma maioria desvalida.
[...] A causa principal consiste em ficar rente à maioria e às suas
necessidades econômicas, culturais e políticas: pôr o Povo no
centro da história, como mola mestra da Nação. O que devemos fazer
não é lutar pelo Povo. As nossas tarefas são de outro calibre:
devemos colocar-nos a serviço do Povo brasileiro para que ele
adquira, com maior rapidez e profundidade possíveis a consciência
de si próprio e possa desencadear, por sua conta, a revolução
nacional que instaure no Brasil uma nova ordem social democrática e
um estado fundado na dominação efetiva da maioria. (Fernandes,
1977, p. 245-246, apud FRIGOTTO, 2011)
Nas análises de Caio Prado Junior a grande exploração
do trabalhador, estabelecida no tempo do Brasil colônia teria se
mantido até nossos dias. “Com a
substituição do trabalho escravo pelo assalariado a grande
exploração teria passado a assumir características capitalistas”
(RICUPERO, 2012, p.31). Ele avalia que a industrialização não
mudou “o mais significativo da vida
brasileira, que continuaria a ser modelada pelo sentido de
colonização” (ibid, p.32). No Brasil,
apesar de termos declarado a independência política, “manteve-se
a estrutura econômica e social da colônia”
(ibid, p.31) que tem por base a produção de bens de alto valor para
o mercado externo em grandes unidades produtivas, sendo a escravidão
seu traço mais marcante e por isso “o
trabalho servil seria onipresente, ou seja, estaria em todos os
lugares, influenciando praticamente todos os aspectos da vida social”
(ibid, p.29). Florestan Fernandes também fala de como no Brasil
desenvolveu-se um capitalismo dependente que permite e requer uma
combinação do moderno com o arcaico, “uma
descolonização mínima, com uma modernização máxima”
(FERNANDES, 1975, p.176). Por isso entendemos que a escola pública
brasileira, mais que preocupada com competências, deveria ser como
afirma Freire: radicalmente dialogal e ativa, voltada para a
responsabilidade social e política.
Com tais reflexões justifico a importância de termos,
cada vez mais, cursos abertos de educação política, como foi o
1o.CRB do Sul de MG. Devemos colaborar para que mais pessoas se
questionem: o comunismo e o socialismo seriam mesmo opções ruins
como falam?
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