POLÍTICA? POR QUE?
CELSO VALLIN, 2019, MAIO
Nesses dias eu estava em uma reunião de estudantes que combinavam um ato público em defesa da educação e alguns diziam que deveríamos ter cuidado para não deixar que políticos entrassem naquele movimento. E alguns acabaram propondo que não fossem permitidas falas políticas. E ai veio a dúvida, sobre: O que é ser político? E: O que é ser partidário? E: Por que não querer o político ou o partidário?
Dizer que nossas conversas e decisões deveriam *não* ser políticas é um engano, um erro. Porque cada vez que queremos decidir alguma coisa, estamos fazendo política. Não há como viver sem fazer política. Política, mais amplamente, se refere a decisões sobre coisas que afetam muitas pessoas.
Vejamos um exemplo. Estou caminhando domingo de manhã numa avenida que foi interditada ao trânsito de veículos. Essa interdição do trânsito acontece para que as pessoas possam fazer caminhada. Vemos crianças brincando de patinete, bicicletas, patins, gente com carrinhos de nenê, idosos, mulheres, homens, todo tipo de gente que aproveita a avenida aos domingos. Durante a semana essa avenida é muito movimentada. Está sempre cheia de carros, ônibus e outros. Acontecem até congestionamentos. Mas hoje, domingo de manhã, ela fica interditada para que as pessoas façam um uso diferente. Não há uma organização social. Cada pessoa vem aqui e faz o que quiser. E vem muita gente. O lugar fica cheio. Falo disso para mostrar que foi tomada essa decisão, de interditar trânsito e favorecer o uso para o lazer.
Outro dia eu ouvi dizerem que não haveria mais a interdição aos domingos. E com isso as pessoas não poderiam aproveitar a avenida daquela forma. Houve pessoas que reclamaram. Alguns acharam um absurdo, visto que não existem parques e praças por perto que possam acolher as pessoas da mesma forma. E também, porque acham muito bom, prático e gostoso aquele espaço. Acaba sendo até um ponto de encontro entre as pessoas. É difícil ir lá e não encontrar pessoas conhecidas, com quem, acabamos conversando um pouco. E isso é bom.
Então está colocada a polêmica: porque manter a interdição da avenida aos domingos, ou porque retirar a interdição?
Algumas pessoas não queriam que a avenida ficasse interditada porque isso é ruim para elas, que costumam passar por ali no domingo de manhã. E com a interdição têm que desviar o caminho, para uma trajetória muito mais difícil. Quando passam pela avenida é mais rápido, mas curto o caminho, plano, desimpedido. Mas por outro lado, para as pessoas que querem a avenida interditada, ficaria difícil encontrar um lugar para fazer caminhada, para brincar com as crianças, com os cachorros, tomar sol...
E ai está dada a contrariedade: uns querem assim e outros querem assado. Por isso é preciso decidir. Isso é a política: a decisão, o processo de decisão.
Qual o critério que será usado para tomar tal decisão? O critério poderia ser olhar qual das duas situações é mais necessária, ver qual precisa mais. Pode-se olhar qual situação tem mais gente querendo.
Mas não necessariamente a situação escolhida pelo maior número de pessoas será a melhor. De repente as pessoas podem dizer:
– Olha ... Uma atividade de caminhada aos domingos faz bem para a saúde. A população está precisando disso. Vamos favorecer esse tipo de atividade física porque é importante que as pessoas estejam com saúde, e teremos menos gente adoecendo.
Isso pode ser observado na realidade, pela quantidade de pessoas com sobrepeso, obesas, e as que contraem doenças por falta de exercício físico.
Temos que considerar que, se hoje existe muita gente que vai à avenida aos domingos, isso no início não era assim. Foi resultado de um processo. No começo pouca gente sabia que poderia ir lá. As pessoas não estavam acostumadas, não se programavam para ir à avenida no domingo de manhã. Algumas nem sabiam que iriam gostar de fazer isso. E as opiniões foram mudando com o tempo, conforme as pessoas puderam conhecer melhor a situação.
Onde quero chegar?
Quero mostrar que política é a decisão, e faz parte da vida de qualquer pessoa e principalmente de nossa relação social, mesmo quando não sabemos ou não queremos. No caso das decisões sobre coisas que afetam o coletivo social, com mais razão ainda, a política existe, e é necessária. Por isso negar a política é uma atitude boba, inocente. A política existe e todos nós sempre participamos de questões sociais e coletivas. Negar a política cruamente, e sempre, sistematicamente, significa deixar que outras pessoas tomem as decisões que irão nos afetar. Negar a política é negar a discussão, e ai quem tiver mais oportunismo, quem tiver mais poder, irá tomar a decisão, esteja certa ou errada.
Por outro lado, afirmar a política, ou aceitar que existe a política, significa estimular a nós mesmos e a toda gente para falar, se manifestar dizendo: quero! Ou: não quero! É deixar claro que existem certas polêmicas, e por isso tem gente que quer assim, e tem gente querendo de outra forma. Conforme as pessoas se permitam que exista uma conversa política, será dito que, se for decidido do primeiro modo, irá dar tais consequências: certas vantagens e certos problemas e inconveniências. E se for decidido do outro modo haverá ainda outras vantagens, e outras inconveniências e problemas. Aceitar a política significa trabalhá-la, e deixar que as pessoas se envolvam, estimulando que se posicionem. A política no bom sentido é isso: participar, enfrentar contrariedades, colocar as ideias em público, as vantagens e contrariedades na mesa de negociações, e tomar a decisão coletivamente, em público, em discussão aberta e não escondida.
Fazer política é discutir, negociar e decidir. Esse é o bom sentido da política. O sentido que, se for assumido, será bom para todos.
Agora vamos para a segunda parte dessa conversa.
Há pessoas que assumem que são políticas, mas não querem ser *partidárias*. O que isso significa e o que implica deixar que as discussões partidárias entrem na conversa?
Essa ideia de partidário vem de partido político. Temos hoje alguns partidos, e precisamos entender que eles vêm se transformando ao longo dos anos. Grosso modo, os partidos nascem, se modificam, e morrem.
Um exemplo é o PT, o partido que governou o país por mais tempo nas últimas décadas. No período da ditadura civil-militar, o PT ainda não existia. E quando se formou, não foi pela reacomodação de partidos anteriores que já existissem, como aconteceu com o DEM, que foi praticamente uma mudança de nome. O DEM foi a refundação do PFL em 2007. O PT não. Ele realmente nasceu em 1980, de movimentos sindicais, sociais, pastorais, e também da indignação do povo diante da ditadura. Um tanto de gente se juntou e decidiu fundar um partido que os representasse. Em 2003 foi a primeira vez que essas pessoas conseguiram chegar à presidência do país, através da candidatura do Lula. Mas a luta política do Partido dos Trabalhadores começou muito antes. Foram longos 23 anos, e muitas tentativas, e muito movimento militante, antes de iniciar o período de governo.
Hoje também temos partidos que estão nascendo, como o Novo; a Rede, o Podemos e outros. Por ai dá para perceber que o partido político não é uma coisa eterna, e nem definitiva. Existem ainda mudanças de partido que são oportunistas...
Ah... Falei de partidos novos e esqueci de citar o PSL. É o partido do presidente. O Bolsonaro. Mas o PSL não é novo realmente. Existe desde 1994, quando foi fundado pela família Tuma. Sempre foi pequeno e sem grande importância até que em 2018 passou de 8 deputados federais para 52, e chegou à presidência.
O que queremos mostrar é que a dinâmica partidária cria, modifica, e faz morrer os partidos.
Para aprofundar a conversa precisamos perguntar:
– Por que existem partidos políticos?
Os partidos políticos existem com o objetivo de fazer a disputa das eleições, sejam do município, seja estadual, ou do Brasil.
– E por que queremos eleições?
Porque vivemos num país que possui governos, os governos executivos, os legislativos, e judiciários, sendo que os executivos e os legislativos são eleitos pelo voto popular.
Há críticas ao nosso sistema político devido as eleições serem só a cada quatro anos, indicando que a participatividade da população poderia ser mais frequente. Isso é verdade. Mas não se pode desprezar a importância das eleições. Porque é por meio delas que as pessoas escolhem quem ocupará os cargos políticos, que representam o meio pelo qual são tomadas as grandes decisões do país (e de estados e municípios).
– Por que grandes decisões? O que é isso?
São decisões que alteram as estruturas maiores da sociedade. Podemos pensar, um exemplo que ajude a concretizar e entender o que são essas grandes decisões políticas. Vejamos a notícia "Governo Bolsonaro bate novo recorde e chega a 166 agrotóxicos liberados em 2019. Destes, 24 são considerados “altamente tóxicos” e 49 estão dentro da escala dos “extremamente tóxicos”. [...] A lista consta no Ato nº 29, publicado na mesma data [30/4] no Diário Oficial da União (DOU)." (do Jornal Brasil de Fato, 7/5/2019 - https://www.brasildefato.com.br/2019/05/07/governo-bolsonaro-bate-novo-recorde-e-chega-166-agrotoxicos-liberados-em-2019/). Isso foi uma decisão de governo. Foi liberado o uso de agrotóxicos novos. Alguns desses são proibidos em outros países.
Outro exemplo de decisão política que altera as estruturas maiores da sociedade é a chamada "reforma da previdência". Trata-se de uma proposta, ainda em discussão, para fazer alterações na Constituição Brasileira. Essa proposta é apontada por muitos como um ataque ao direito das pessoas de ter sua seguridade social, por tentarem privatizar grande parte do sistema, colocando vultosas e novas quantias de dinheiro na mão de banqueiros. Essa é uma decisão nacional, que está em discussão. Desde o governo anterior, o governo Temer, foi tentada a modificação sem êxito. E agora estão tentando de novo. Por ser uma alteração na Constituição, somente o Congresso pode aprovar. O Congresso é formado por dois grupos grandes de políticos: a Câmara Federal, com mais de 500 Deputados, e o Senado, com 81 políticos. Mas quem está propondo e trabalhando para conseguir a aprovação pelos Deputados e Senadores é o Poder Executivo. Dai que se pode dizer que a reforma para privatizar a previdência, e a seguridade social, é uma iniciativa dos dois poderes, o legislativo e o executivo. Mas o que não podemos dizer é que seja um caso decidido. Do mesmo modo que a proposta não conseguiu ser aprovada antes, sabemos que o país está em disputa e que os interessados nessa Reforma ainda podem perder.
Para relembrar nossa linha de pensamento, estamos querendo entender por que ter ou não ter partidos políticos.
As grandes decisões sobre a vida nacional, a vida de nós todos, as decisões sobre as regras que estruturam a vida da sociedade, são tomadas pelo poder político, e só quem faz parte de um Partido Político pode se candidatar a cargos políticos. Dai que, naturalmente, quem está em cargo político, seja no executivo ou legislativo, é uma pessoa de algum partido político. Ninguém pode ser candidato, ninguém pode se eleger, se não estiver filiado a um partido.
Então se nós aqui da população, vamos para a rua dizendo que nossa posição é política mas não é partidária, isso significa que nossas decisões e discussões não estarão vinculadas a um ou outro desses partidos da política brasileira. Essa é uma decisão para a qual precisamos perceber quais os fatores envolvidos e quais as consequências.
Em geral um Partido se identifica com um conjunto de ideias, um projeto de país. O jeitão de pensar o país se expressa por um conjunto de ideias sobre como fazer isso, sobre como fazer aquilo no país, e essas ideias e projetos formam o projeto do Partido Político. Muitas vezes a gente do povo gosta de um Partido, vota, ou tem preferência por causa das ideias que são defendidas.
Por outro lado, existe uma distância complicada entre as ideias que o Partido defende, e a realidade do que é feito de fato pelo Partido e pelas pessoas que o compõe.
Ai que reside o grande problema sobre aderirmos a um Partido Político. As pessoas, nós todos, somos cheios de incoerências. Ou seja: numa hora a pessoa quer uma coisa, e em outro momento quer outra coisa, e às vezes uma contraria da outra. O ser humano é cheio de incoerências. Nós todos. Essas convivem em nosso pensamento.
Outro fator que colabora para embaralhar o projeto de algum partido, é que muitas vezes, falta a cada um de nós olhar para o coletivo social, cultivar o espírito público . E isso pode acontecer com você, de querer defender uma coisa só porque vai beneficiar a seu irmão, você mesmo, sua mulher, mas você não está pensando no país como um todo. Muitas vezes não lembramos de olhar para a sociedade em geral. Defendemos uma ideia só porque ela vai ser boa para o nosso pé, para o meu nariz! Isso também acontece com pessoas em cargos políticos.
E ainda há coisas piores. Vamos voltar ao exemplo dos agrotóxicos. De repente, algum deputado votou a favor da liberação dos agrotóxicos em troca de um benefício, que veio só para ele. Acontecem, muitas vezes, e é chamado de "compra de voto". Nesse caso é pior. Por que não é questão do político estar defendendo seu próprio nariz, ou sua gente, mas ele está defendendo uma coisa que nem ele acredita, só porque irá trocar por um favor específico. Isso significa que o político está se vendendo, se corrompendo.
Esse tipo de corrupção pode acontecer dentro da lei. É o caso das emendas legislativas em que são destinadas verbas para fazer obras lá na cidade de origem do político. Isso fará a pessoa ficar bem-vista, e ganhar votos. Esse jogo, de mandar dinheiro para o município do político, não é visto como ilegal. Não se diz que é corrupção, mas pode ser, quando esse benefício está sendo trocado por outra coisa que irá danar o próprio povo do município, como é o exemplo do agrotóxico.
Então, embora o Partido Político seja necessário, embora represente um projeto de sociedade, a realidade das pessoas e às vezes dos partidos, que são feitos por pessoas, é essa contradição, contrariedade, incoerência.
Quando começamos a querer ser partidários temos que observar duas coisas: qual é o projeto político do partido, mas também o que têm sido feito, nos últimos anos, pelas pessoas do partido. Porque não adianta falar umas coisas bonitas e fazer outras coisas diferentes.
Trocando em miúdos, os partidos são necessários à construção democrática, mas são cheios de incoerências, e a realidade da política é complicada. Pela incoerência que deriva das pessoas que estão nos cargos de poder, e das situações concretas que as envolvem, o partido vai mudando, não é sempre do mesmo jeito. Isso acontece não somente porque tais políticos, ou outros, são ruins, mas porque a humanidade é assim, incoerente e imperfeita. Não há outro jeito senão, prestar atenção e estar participando constantemente das discussões e das decisões.
Então, queremos ou não, que existam posicionamentos partidários em nossa manifestação de rua? Por que?
Não creio que vale tentar colocar aqui uma conclusão, uma resposta. Para mim, a conclusão maior é que precisamos participar. E ainda, que as discussões devem ser cultivadas. Coletivamente devemos favorecer a discussão política e as falas que esclareçam o que está em jogo, quais os interesses, quais os problemas e as vantagens.
Quando houver pessoas partidárias, que busquemos ter isso com clareza, fazendo um jogo aberto, sem coisas escondidas ou não ditas.
FIM
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