sexta-feira, 29 de janeiro de 2021

 

ENTENDENDO O ATAQUE ÀS LEIS TRABALHISTAS


Celso Vallin, 21/06/2017


Dizem que "quem trabalha não tem tempo para ganhar dinheiro". Existe uma lógica geral que estrutura a sociedade que valoriza mais as pessoas que conseguem fazer negócios do que as que trabalham. E os negócios envolvem o trabalho de pessoas. Quando uma empresa contrata empregados está comprando o trabalho da pessoa. Grandes fortunas não vieram do trabalho, mas de boas negociações e de esquemas que se aproveitaram de oportunidades, nem sempre dignas, nem sempre completamente dentro das leis. O capitalismo é o mundo dos negócios! Os negócios maiores apoiam-se nos menores, e esses sempre apoiam-se no trabalho das pessoas. Não há como sustentar um negócio, ou empresa, que não seja apoiando-se no trabalho das pessoas, que dedicam diretamente seu esforço corporal, seu conhecimento, e habilidades manuais e intelectuais.

A CLT é de 1943, e foi resultado de lutas da classe trabalhadora, apesar de Getúlio Vargas representar um governo burguês. As leis trabalhistas asseguram direitos à classe trabalhadora e limitam o poder de quem contrata o trabalho de pessoas, e faz negócios com o produto do trabalho.

Sabemos que, cada vez mais, temos pessoas que trabalham sem carteira assinada. Algumas trabalham na informalidade, sem direitos. Outras trabalham por contrato e negociam algumas condições, mas não têm os plenos direitos da lei trabalhista. Por ai se percebe que a lei atual não consegue assegurar todas as relações de trabalho. Protege algumas.

Em 2017, quando essa reflexão foi escrita, o governo e congresso tentavam aprovar projetos para alterar as leis trabalhistas e da previdência. No livro "Adeus ao Trabalho?", em 1995, Ricardo Antunes estudou o tema e agora volta ao tema dizendo que a sociedade estava:


penetrando numa era de precarização estrutural do trabalho em escala global. O que naquele momento era uma relativa exceção - o trabalho precário, informal, terceirizado - tenderia a se tornar a regra. E a regra - o trabalho contratado, regulado, com direitos - tenderia cada vez mais a se tornar a exceção. A tragédia é que esse quadro se consolidou (ANTUNES, 2017)’


Esse movimento de precarização das condições do trabalho não é algo que dependa só da lei, nem algo que acontece só no Brasil. Vem acontecendo na China, Ìndia, EUA e tantos países ao longo das últimas décadas. A mudança das leis brasileiras é parte desse movimento internacional, desse jeito de pensar, dessas intenções que, em geral, derivam de interesses de empresários e desfavorecem a classe trabalhadora.

Quem está olhando do ponto de vista do negócio, espera poder contratar pessoas que trabalhem somente nos momentos e situações em que precisa, e que tenha certeza de que ganhará bem, contratando trabalho e vendendo seu produto.

Por outro lado, quem trabalha quer estabilidade e condições subjetivas e objetivas para poder trabalhar em paz. Assim, se a sociedade quiser favorecer o trabalho, e as pessoas que vivem do trabalho, precisa assegurar condições que permitam que a pessoa tenha uma vida digna, tanto por receber por seu trabalho o suficiente para sustentar a vida sua e de seus dependentes, como porque não estará arriscando-se a acidentes, a adoecer-se pelo trabalho, nem perder sua dignidade. Outro dia eu estava num supermercado e ouvi duas funcionárias conversando. A moça do caixa pediu à encarregada se poderia ir ao banheiro. A resposta foi não, porque já havia outra funcionária lá. Isso nos dá uma ideia de condições que podem tirar a dignidade de alguém. Antunes fala de uma escravidão do século XXI. Vejamos:


É evidente que não estamos voltando ao trabalho escravo de 1500, estamos falando de uma escravidão inclusive digital, do trabalho terceirizado, precarizado, informal, do trabalho sem direitos, de uma dependência do sistema perverso de metas, que tem levado a suicídios e adoecimentos do trabalho. Nós estamos em 2017, comemorando 100 anos da Greve Geral de 1917, e se esse processo não for obstado vamos regredir à condição vigente de trabalho antes de 1917. (ANTUNES, 2017)


Mesmo numa universidade pública, há pessoas contratadas por terceirização. Essas, são vistas por muitas, e por elas mesmas, como se fossem inferiores, e que por isso deveriam trabalhar caladas.

Se diz, na grande mídia, que a reforma trabalhista irá permitir que as férias da pessoa sejam divididas em até três vezes, que poderá ser negociada a ampliação da jornada de trabalho para 12h diárias, e ainda que, no lugar de pagar horas-extra, haverá um banco de compensação de horas. Dizem que todas essas medidas seriam negociadas com quem trabalha.

Então, qual seria o problema?

Acontece que existe um desequilíbrio de forças entre o empresariado e a pessoa contratada. Quem trabalha em empresa sabe que se não concordar com as condições impostas, a pessoa será demitida. Na maior parte dos casos as pessoas concordam com as condições impostas pela empresa, se submetem, por recearem a demissão, por saberem que se "criarem caso" serão as primeiras a serem demitidas logo que isso for conveniente para a empresa. É comum que exista uma alta taxa de turn over: em um momento promovem demissões e em outro fazem novas contratações. Isso colabora para a fragilidade de quem está num posto de trabalho. E sabemso que empresas não querem trabalhadores/as que as questionem. Quando isso aconttece, logo dão um jeito de dispensarem tais pessoas. Por isso é importante o sindicato. A CLT protege quem trabalha para o Sindicato. Essas pessoas protegidas por lei podem então atuar na negociação com o patronato, pelos direitos de todos/as. Por isso a proposta de reforma quer extinguir a obrigatoriedade da contribuição ao sindicato. Com isso irão enfraquecer os sindicatos e fortalecer o empresariado. Essas são medidas que enfraquecem quem trabalha e fortalecem a burguesia, que vive de negócios a partir do trabalho de outras pessoas. Antunes diz:


É claro que esse cenário todo, que é profundamente ideológico, é muito poderoso. Na empresa, você tem um trabalhador contra o outro, um não pode conversar com o outro e as resistências e ações sindicais são combatidas. O salário é individualizado. Só ganha quando produz e quem produz mais ganha mais. E quem produz menos, perde o lugar. É o reino da competição selvagem. Isso macula a classe trabalhadora. (ANTUNES, 2017)


Precisamos ter condições para valorizar e fortalecer o trabalho e não o negócio, ou o oportunismo. Isso envolve a consciência de classe. Para termos força nas lutas que procuram valorizar quem trabalha, e para dar boas condições de vida e de trabalho a quem se dedica ao trabalho, é preciso enfraquecer os dispositivos que estimulam a concorrência entre pares. Precisamos que pessoas de diferentes situações e empresas, de diferentes tipos de contratação se vejam como pares, que se unam, que percebam que são exploradas de formas diferentes, e que lutem para que a sociedade dê mais valor ao trabalho, e menos ao oportunismo e às jogadas que, tantas vezes, invadem as ilegalidades, usam acordos secretos e inconfessáveis para se dar bem. Finalizamos com Antunes:


O trabalho que estrutura o capital desestrutura a humanidade. O trabalho que estrutura a humanidade - porque o trabalho é uma atividade vital - é imcompa-tível com o trabalho que o capital quer nos impor. É o enigma do século XXI. Por isso é que é ficção a ideia de fim do trabalho. Como é um horror uma sociedade em que só se trabalha. O trabalho deve ser fundado em ser uma atividade vital, que produza coisas úteis, de acordo com o tempo socialmente disponível. E isso é um imperativo categórico para a sociedade do século XXI. (ANTUNES, 2017)


ANTUNES, Ricardo. Na escravidão o trabalhador era vendido. Na terceirização, é alugado... 17 maio 2017 Revista Carta Capital. Na internet https://www.cartacapital.com.br/sociedade/201cna-escravidao-o-trabalhador-era-vendido-na-terceirizacao-ele-e-alugado201d/.

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