segunda-feira, 6 de novembro de 2023

INDISCIPLINA: MEIO SÉCULO DE MUDANÇAS SOCIAIS QUE INTERFEREM NA ESCOLA

INDISCIPLINA: MEIO SÉCULO DE MUDANÇAS SOCIAIS
QUE INTERFEREM NA ESCOLA


Celso Vallin (2019)


INTRODUÇÃO


Quando falamos com professoras sobre problemas da escola, e temas que gostariam de estudar, é comum apontarem a indisciplina. Um dia, já se foram alguns anos, eu tinha um bom conjunto de temas que já havia estudado e queria ensinar, mas não havia ainda pensado na indisciplina. Ensinar para professores é Formação Continuada de Professores (FCP), o mesmo que educação permanente, ou formação em serviço. Tem gente que chama de capacitação, mas pelas ideias de Paulo Freire, que eu gosto, não é bom querer passar algo que já esteja pronto. Aprender deve ser como uma construção do saber em que a pessoa entra com sua parte. E nesse caso olhamos para professores em educação como gente que já é capaz, já é capacitada, mas que pode aprender mais. Quando falam atualização, também é ruim. Dá a impressão que a pessoa precisa de conhecimento novo, como se o conhecimento fosse um produto de consumo, que de tempos em tempos precisasse ser trocado por algo mais atual. Reciclagem é outro termo ruim. Melhor dizer FCP. Para Freire (1996), conhecimento não é algo que possa ser transferido. Um educador não pode ser uma pessoa que fica só narrando o conteúdo (FREIRE, 1987), que se compõe de informações, conceituações, explicações, processos, posturas atitudinais. Isso vale para a FCP e também para as aulas que professores da educação básica farão. Educar será então a busca de relações entre o que se quer ensinar/aprender, com temas e situações que emergem como problemáticas do cotidiano. Temos que abrir espaço para que educandos digam o que os aflige, e o que estão querendo estudar. E foi assim que professoras disseram que queriam estudar a indisciplina.

Esse artigo foi escrito a partir de dados de uma oficina sobre indisciplina. Trata-se de uma pesquisa que se propôs a investigar possíveis estratégias que professores podem utilizar para lidar com os conflitos decorrentes das condutas de estudantes, que são consideradas como indisciplinas pela escola. (YOSHIDA, 2019).



DIALOGICIDADE


Estudando, conversando com professoras e professores, em situações diferentes, lendo autores como GROPPA e ARROYO voltei a FREIRE, e passei a considerar que uma das causas da indisciplina está no próprio jeito de se fazer a aula. Muitas vezes a escola, e as aulas, não fazem sentido para estudantes, porque não conseguem estabelecer relações entre os estudos e suas situações de vida. Dai estudantes apresentam dificuldade para acompanhar a professora, e a aula. É a falta de dialogicidade de que fala Freire (1987). Para ele, "não há palavra verdadeira que não seja práxis. Daí que dizer a palavra verdadeira seja transformar o mundo". Por isso, seja na FCP, ou seja em aula da educação básica, educador e educandos devem ser vistos e considerados como sujeitos e por isso, deve-se esperar que tenham a palavra, dita e escutada no coletivo dos estudos, e com ela possam decidir-se a transformar o mundo: incluindo ai as relações sociais e as relacões entre humanidade e natureza. O autor nos diz ainda que:

A existência, porque humana, não pode ser muda, silenciosa, nem tampouco pode nutrir-se de falsas palavras, mas de palavras verdadeiras, com que os homens transformam o mundo, Existir, humanemente, é pronunciar o mundo, é modificá-lo. O mundo pronunciado, por sua vez, se volta problematizado aos sujeitos pronunciantes, a exigir deles novo pronunciar. (FREIRE, 1987, p. 78)

Essa é a ideia de educação crítica, em que não se estuda para repetir, ou para dizer que sabemos, mas para discutir o mundo. Por isso as ideias de educação libertadora, ou educação popular de Paulo Freire (1996) nos fornecem caminhos para evitar ou amenizar os problemas de indisciplina. Em outras palavras - se conseguimos fazer uma aula mais participativa, problematizadora e na qual estudantes e docentes tenham um papel de sujeitos do conhecimento, a aula fará sentido e teremos menos problemas com indisciplina. Diante dessas afirmações, a seguir serão destacas algumas características que podem ajudar a entender como fazer uma educação libertadora.

  • Deseja-se que professor/a conquiste uma posição de autoridade mas não aja com autoritarismo. A autoridade é uma construção que deve supor o trato democrático, exige respeito mútuo. Autoritarismo é o abuso da autoridade, e não constrói a autonomia do sujeito.

  • Para cultivar a autonomia de estudantes é importante trabalhar num ambiente de liberdade, mas isso não deve ser confundido com licenciosidade. É preciso que se converse sobre a importância do coletivo da turma de aula. Os interesses e progressos da turma inteira devem prevalecer sobre as vontades e interesses individuais. A organização do coletivo da turma justifica algumas regras e cuidados que cada pessoa precisa compreender e observar. Não se pensa em obedecer ao professor, mas em respeitar o coletivo, e os acordos coletivos. Conversar sobre as necessidades de organização e funcionamento do coletivo não é algo que atrapalha a aula, mas faz parte dela. As discordâncias, incoerências, e incompreensões devem ser vistas com paciência pois fazem parte do processo de conquista de relações coletivas.

  • Quando se fala de certo tema, as pessoas podem ter na memória fatos, conhecimentos, questionamentos que se relacionem com ele mas isso não está pronto, é algo que precisa ser despertado. A lembrança sobre experiências anteriores que as pessoas tiveram é algo que está adormecido e até meio esquecido. As primeiras atividades dentro de uma temática podem ser pensadas de modo que sirvam para despertar lembranças que irão compor a base de interesse dentro do tema.

  • As pessoas gostam de aprender. É da natureza humana. E assim, certamente haverá interesse pelos conteúdos a serem aprendidos, e ensinados, caso eles sejam problematizados. O interesse precisa ser despertado, a partir de situações presentes. Interesse é algo que pode ser aprofundado, cultivado, desenvolvido. O aprofundamento da curiosidade pode ser realizado pela problematização no tema. Problematização envolve a observação de situações problemáticas, contrariedades e contraposições que envolvam o tema. Por isso é importante problematizar o tema que se deseja estudar. A problematização não deve depender só de coisas que a docência traga prontas, mas pode ser ampliada com a participação de estudantes. Para isso, a aula, e a postura da professora, deve incentivar, valorizar e cultivar o aprofundamento da problematização, feita também por estudantes.

  • As situações práticas e de realidade são ótimas para gerar problematização. A realidade sempre envolve detalhes complexos, envolvimento entre temáticas diferentes, objetos variados. Por isso é importante que sejam previstas atividades práticas, com tempos, situações, e materiais que provoquem estudantes a fazer coisas, lidar com realidades, e construir coisas práticas ligadas ao tema em estudo.

  • A ação sobre as realidades deve ser relatada e refletida, num esforço de comparação com os entendimentos teóricos no tema, e num esforço teorizante. Dessa forma são tecidas relações entre prática e teoria (reflexões teorizantes sobre a prática realizada ou vivida). Também o movimento inverso é necessário, indo da teoria para a prática, realizando ações de aplicação prática das ideias teóricas.

  • A ação de recontar o que foi realizado e aprendido tem o efeito de organização do pensamento. Gera novas descobertas, novas curiosidades, novos enlaçamentos entre teorias e práticas. Recontar ou apresentar a um coletivo de pessoas irá requerer a busca da explicação, e irá nos condicionar e favorecer a organização do pensamento.

Para Freire o diálogo começa na busca do conteúdo programático que faça sentido para estudantes e para as situações presentes que vivem. Educador é aquele que escuta e observa seus estudantes e a eles devolve, de forma organizada e sistematizada, os elementeos que estudantes entregaram de forma desestruturada. A educação se faz junto, educador com educandos, mediatizados pelo mundo e pela leitura crítica de situações e relações com a natureza e sociedade. E por isso mesmo que para atuar bem como professor, ou professora, é preciso observar esse mundo, a sociedade e compreendê-la como ela é. Um grande erro acontece quando se espera que nossos estudantes sejam algo que idealizamos, que sejam como foram as crianças ou jovens de quando éramos estudantes. A sociedade sofreu e sofre mudanças sociais e para lecionar é preciso observar e compreendê-las.



MUDANÇAS SOCIAIS


A indisciplina não depende somente da metodologia de aula. Existe uma certa insatisfação com os fatos e situações presentes que tende a dificultar as relações entre estudantes e docentes. Buscando superar essa insatisfação, vamos agora retomar e analisar certas mudanças sociais que fazem parte de um passado recente. Trata-se de um conjunto de mudanças, sobre as quais, algumas vezes não sabíamos, e algumas vezes, mesmo sabendo, não nos damos conta que isso irá requerer, da aula, novas posturas, pois estamos em situação diferente daquela que foi vivida por gerações anteriores. Grosso modo vamos rever e refletir sobre sete grandes mudanças, que se sobrepõem. Temos duas mudanças nas famílias que refletem no modo como as crianças e jovens são educados: a primeira é relativa aos processos de emancipação da mulher, e a segunda se deve à diminuição da natalidade, e consequente quantidade de irmãos. A terceira é a insegurança urbana que tirou a rua (praças e espaços públicos) das crianças. A quarta vem do estabelecimento dos direitos de crianças e adolescentes, que influenciou na família e na escola. A quinta é uma mudança estritamente escolar: porque agora se quer diminuir as reprovações e exclusões. A sexta é a inclusão de camadas historicamente oprimidas na escola. Finalmente temos os videogames, novas tecnologias digitais como celulares com internet, com fotografia, filmagem e múltiplas funções, além de comunicações entre pessoas por redes sociais digitais. Explicaremos cada uma dessas mudanças sociais, mostrando que elas todas juntas fazem com que tenhamos crianças ou jovens diferentes do que tínhamos antes, o que irá requerer um novo modo de tratar e de se fazer a relação escola estudante. Não queremos dizer que é melhor nem pior. Queremos sim apontar que a idealização de uma realidade que não existe leva a resultados ruins.

(1) A emancipação da mulher é um longo processo que já dura mais de século. Não se pode pensar que a luta acabou porque ainda há desigualdade e situações culturais a serem superadas. Estão ai as baixas porcentagens de mulheres em cargos políticos, em posições de poder nas empresas, e as recentíssimas lei Maria da Penha (de 2006) e a tipificação do crime de feminicídio (lei de 2015) para atestar a gravidade da situação atual. Mas, para recordar de forma breve, a mulher raramente ocupava posições no espaço público. Sua atuação deveria restringir-se ao lar, em casa com a família. Mulher que ficasse solteira era menosprezada, depreciada. A revolução industrial aconteceu na Europa nos anos 1800 e puxou mulheres para o trabalho fora de casa. As guerras mundiais de (1914-1918 e 1939-1945) levaram homens para a frente de batalha e com isso mais mulheres ocuparam posições de responsabilidade para além do lar. No Brasil a mulher só conquista o direito ao voto em 1934. O fato é que com a mulher trabalhando e também vivendo mais fora de casa, mudam os arranjos familiares e nasce a necessidade de haver outras formas da família cuidar dos filhos. As crianças começam a ingressar mais cedo nas escolas: creches, pré-escolas, mas para as famílias mais pobres não existiam vagas públicas. No Brasil, em 2009 conquistamos a escola pública a partir dos 4 anos de idade, e também o ensino médio (até 17 anos), pela Emenda Constitucional 59/09, o que deveria “ser implementado progressivamente, até 2016”. Lembremos que até 2006, quando veio a Lei nº 11.274/2006, só era obrigatório o ensino fundamental, e esse possuía só 8 anos. A conquista de políticas públicas para escolaridade a partir de idades menores já é uma resposta às mudanças, visto que não era mais suficiente deixar as crianças pequenas em casa.

(2) As famílias estão menores devido à grande diminuição da natalidade. Nos anos 1960 e 1970 eram comuns famílias com 5 filhos e em alguns casos havia até 20. A natalidade foi sendo controlada ao longo de décadas, por vários programas e estratégias de governo, de modo que hoje temos uma natalidade bastante mais reduzida no Brasil.

O gráfico a seguir mostra essa queda. É a questão 7 do Enem de 2013 (disponível em http://educacao.globo.com/provas/enem-2013/questoes/7.html>. Acesso em 2019.05.30).




A taxa de fecundidade corresponde ao número total de filhos nascidos dividido pela população de mulheres em idade reprodutiva (15 a 49 anos) naquele ano. Outros dados mostram que essa taxa, no país, caiu para 1,7 em 2015. Ficamos abaixo do nível de reposição populacional que é estimado em 2,2 (Reportagem jornalística disponível em <https://noticias.r7.com/saude/taxa-de-fecundidade-no-brasil-e-baixa-e-esta-em-queda-acelerada-17102018>. Acesso em 2019.05.30). Isso fez com que em grande parte dos lares houvesse duas, ou mesmo só uma criança, o que restringiu as possibilidades de deixar as crianças brincando entre si, visto que muitas não têm irmãos/irmãs. E quando não existem irmãos, depois não haverá tios, e assim, não haverá primos/as. O fato é que as famílias estão muito diferentes, devido a essa queda da natalidade.

(3) Perdemos a rua, ou os espaços públicos tornaram-se inseguros - além da insegurança pelas notícias sobre criminalidade que povoam os noticiários sensacionalistas de TV e rádio, temos o avanço da produção nacional de veículos que passaram a ocupar as ruas tornando-as perigosas para crianças. São mais de sete mil veículos novos fabricados e colocados nas ruas a cada dia! Hoje é raro encontrar algum lugar em que as crianças brincam na rua. Mesmo em cidades menores. Antes a rua era um local de convivência e de aprendizagem social. Isso não está mais disponível.

(4) Com o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) mudou o modo de se respeitar a criança. Trata-se de uma lei de 1990 que surgiu depois do período de ditadura civil-militar (1964-1984), quando começou a reconstrução democrática, e foi aprovada a nova Constituição (1988). Mas ainda demorou uma década para a sociedade, em geral, conhecer minimamente o ECA. Muita coisa foi mudando e mudou, como os Conselhos Tutelares que nem existiam. O fato é que a sociedade passa a entender que educar não é compatível com atos violentos, castigos ou opressões. Tanto escola quanto família precisam aprender outras formas de tratar crianças e adolescentes. A geração de nasceu nos anos 2000 já é diferente, pois foi educada dentro do ECA. É uma geração de crianças e jovens que não aceita mais que lhe digam para calar a boca. Sabem que têm direito a falar. Antes se dizia que crianças deveriam respeitar os mais velhos. Mas agora o respeito deve ser recíproco. Quando um adulto desrespeita uma criança ou jovem fica claro que está havendo desrespeito e isso gera reações. Por esse lado podemos entender que temos pessoas mais críticas, mais bem formadas, e também dificuldades, sempre que os mais velhos não entendem essa mudança. Há dificuldades ainda porque, diante da impossibilidade de ser violento, muitas adultos se sentiram inseguros e abriram mão de qualquer tentativa e autoridade. Isso gerou jovens mal orientados. A licenciosidade gera insegurança e indisciplina. Nos anos 1990 houve um movimento de discussões sobre como educar e colocar limites às crianças nesse novo tempo. Vamos citar dois livros, que foram muito recomendados e lidos: “Sem padecer no paraíso, em defesa dos pais ou sobre a tirania dos filhos (Tânia Zagury, 1991), e Disciplina, limite na medida certa (Içami Tiba, 1996).

(5) Reprovação - até os anos 1980 reprovar era legítimo. Grande quantidade de crianças era reprovada no primeiro ano. E reprovam de novo e quantas vezes fosse preciso, mesmo que isso implicasse na criança e família desistirem da escolarização. Por isso muitas nem ingressavam na escola. Era comum pessoas que diziam: "essa coisa de escola não é para mim". A reprovação era naturalizada e os excluídos do sistema escolar até consideravam que o problema fossem eles mesmos. Mas a pedagogia brasileira, e a internacional, passaram a afirmar que qualquer pessoa poderia ser alfabetizada e escolarizada. Buscaram mudanças e passaram a contar com controles para diminuir a reprovação. Ainda temos hoje professores que sentem orgulho por praticar altos índices de reprovação, mas isso acontece mais no ensino superior e não é tão comum como antes. No geral entende-se que, se somos educadores profissionais, temos que descobrir modos para que a aprendizagem aconteça, e as reprovações passaram a representar o fracasso da pedagogia. Em 1991 Sérgio Costa Ribeiro escreve e publica o estudo "A pedagogia da repetência" (RIBEIRO, 1991) no qual mostrou que não era verdade, como diziam, que as crianças abandonavam a escola por motivos de ordem social ou cultural, mas sim que as famílias cuidavam para que seus filhos permanecessem. Mas a escola, através da repetência, expulsava as crianças, principalmente aquelas de segmentos historicamente oprimidos. Em 1982, havia mais da metade das crianças de primeiro ano que eram reprovadas! E as reprovadas estavam entre as que seriam de novo reprovadas, até abandonarem a escola. Conforme podemos conferir o que acontecia é que:

a probabilidade de um aluno novo na 1ª série ser aprovado é quase o dobro do que a probabilidade daquele que já é repetente na série. Isto mostra que a repetência tende a provocar novas repetências, ao contrário do que sugere a cultura pedagógica brasileira de que repetir ajuda a criança a progredir em seus estudos.

Não basta não reprovar. É preciso descobrir formas de ensinar de modo que todas as crianças aprendam.

(6) Inclusão de segmentos sociais historicamente excluídos. Dados mostram que o ensino fundamental (que era de 7 a 14 anos), foi aos poucos incluindo mais gente e passou a atender quase toda a população na faixa etária esperada, chegando a 96% em 1994. Ver tabela a seguir.

O ensino médio e a pré-escola também cresceram em atendimento, mas não tanto.


TAXA DE ATENDIMENTO ESCOLAR POR FAIXA ETÁRIA


de 4 a 6 anos

de 7 a 14 anos

de 15 a 17 anos

1970

9,3

67,1

40,1

1975

12,2

75,0

51,4

1980

19,1

81,1

56,3

1985

28,6

81,8

59,2

1991

41,2

91,6

69,2

1994

48,0

96,2

80,2

Dados (BRASIL.INEP, 1996, p. 5)


Passamos por uns anos em que as famílias mais pobres não encontravam vagas para seus filhos pequenos e não havia leis que assegurassem a educação infantil como direito. As crianças que ingressavam numa escola pela primeira vez aos sete anos já entravam com defasagem, visto que tantas outras já sabiam ao menos segurar um lápis, e outros atributos de base para a alfabetização e escolarização. Havia, como hoje há, crianças que já estão alfabetizadas aos 6 anos ou antes. Isso gera uma dificuldade a mais nos primeiros anos escolares para crianças desfavorecidas e professoras/es, que muitas vezes acaba levando a desajustamentos que perduram ao longo dos anos escolares. Nasce assim a necessidade do Estado assegurar a Educação Infantil como direito para todas as crianças. Mas só em 2009 é conquistada a Emenda Constitucional 59, que fala da obrigatoriedade do Estado assegurar educação dos 4 aos 17 anos. Havia a previsão de implantação progressiva desse direito até 2016, mas sabemos que até hoje o Brasil ainda falha nisso, em muitos municípios.

Antes a escola desatendia muita gente da zona rural, e também de bairros mais pobres em grandes cidades; e pela repetência nas primeiras séries fazia uma seleção de quem permaneceria estudando. Agora, a escola precisa aprender a dialogar também com crianças de famílias pobres, e outras que têm condições de vida mais distantes da escolaridade padrão. Além disso, hoje a escola acolhe crianças com necessidades especiais. São realidades diferentes para as quais nem sempre a escola e docentes estão preparadas.

Com a inclusão de quase todas as crianças, professoras e professores precisam ter maior flexibilidade e maior sensibilidade com as diferenças. Mais um motivo para a escola ser dialógica e crítica.

(7) Desde perto de 1980 a humanidade desenvolve o uso de computadores pessoais e com eles os videogames. Nos anos 1990 a internet começou a popularizar-se. Vieram as imagens e cores. Desde os anos 1970 existem satélites e com eles a telecomunicação progrediu muito. Vieram os telefones móveis que incorporaram o computador e mais - câmeras fotográficas, filmadoras, relógios e múltiplas funções. Em 2005 surge a possibilidade de uma pessoa qualquer produzir e postar vídeos que ficam disponíveis mundialmente. De lá para cá, as redes sociais se multiplicaram e popularizaram. Recentemente as séries de filmes e audiovisuais de produção internacional (transmitidas pela internet) vem sendo mais disponibilizadas em português, e assistidas. Esse movimento das tecnologias digitais foi acontecendo paralelamente às mudanças nas famílias, que passaram a ter filhos que não brincam mais na rua, e quase não têm irmãos. Uma coisa realimenta a outra - tecnologias e mudanças sociais.

Existe um oitavo fator, que foge ao alcance de nossas análises, mas que pode ser motivo de estudos: é o avanço do uso de drogas ilícitas. A droga está em todo lugar, campo e cidade, bairros pobres ou ricos, mas, décadas antes, isso não era apontado como problema. Mesmo sem ter condições para analisar, sabemos que esse é mais um fator de problema e adaptação nas escolas.

Pode-se ainda apontar os avanços do neoliberalismo, que leva ao individualismo e desvalorização do que é comum, à competitividade em detrimento da colaboração, ao cuidado com a aparência que é maior do que o cuidado com a realidade ou a essência, a correria ou produtivismo, e a grande mídia comercial que cria e recria narrativas de mundo para defender interesses de uma minoria. Essas características de organização social geram incoerências que não serão analisadas aqui.

Enfim, acreditamos que foram apresentados muitos dos fatores que estão nas causas da indisciplina, e que uma maior e melhor compreensão desses fatos, características, e lógicas podem colaborar para uma melhoria na relação de aula, e com isso um melhor controle do problema da indisciplina. Para finalizar, devemos considerar que esses fatores enumerados influenciam na aula, e também na relação com estudantes, e portanto, no comportamento disciplinado ou indisciplinado. Assim, entendemos que professores, ou professoras, que queiram aprender sobre a indisciplina, ou disciplina, podem se colocar em discussão e analisar o que foi dito, e considerar o que foi posto, para que, por meio de uma reflexão coletiva e participativa possam chegar a novos entendimentos, que servirão de base para novas posturas docentes em aula. Entendemos ainda que essa reflexão irá ajudar as pessoas a compreender o problema. Porém a construção de novas posturas em aula será um processo longo, que dependerá do cuidado que cada professor, ou cada professora, terá com seu próprio comportamento, e entendemos também que essas pessoas poderão retornar a esse texto, para relembrar aquilo que foi dito logo de início, sobre a autoridade, sobre a dialogicidade, sobre a problematização... Porque é muito mais simples compreender, e muito mais difícil incorporar essas ideias no fazer pedagógico, principalmente quando se trata de uma sala com 30, ou com 40 crianças, ou adolescentes. A situação real de aula é sempre sujeita a variações e surpresas, e irá requerer do professor, ou da professora, uma presença de espírito, uma habilidade na atuação, e uma humildade que nem sempre é fácil de se conseguir.



REFERÊNCIAS

BRASIL.INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira). Estatísticas da educação básica no Brasil. 1996 (?). Disponível em <http://portal.inep.gov.br/documents/186968/484154/Estat%C3%ADsticas+da+educa%C3%A7%C3%A3o+b%C3%A1sica+no+Brasil/e2826e0e-9884-423c-a2e4-658640ddff90?version=1.1>. Acesso em 2019.06.02

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido, 17a Edição. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987.

RIBEIRO, Sérgio C. A pedagogia da repetência. Estud. av., São Paulo , v. 5, n. 12, p. 07-21, Ago. 1991 . Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40141991000200002>. Acesso em 2019.06.02

YOSHIDA, Cinthia. Indisciplina na escola: o que fazer? 2019. 128 p. Dissertação (Mestrado Profissional em Educação)–Universidade Federal de Lavras, Lavras, 2019. 

terça-feira, 24 de outubro de 2023

 

PROJETOS


Celso Vallin (12jul2001)



A escola tradicional está cheia de problemas. Não basta que se diga somente que ela não serve mais. Precisamos caracterizar bem o que seria uma maneira melhor de se fazer escola. O trabalho com projetos tem sido descrito por muitos educadores como uma alternativa possível.


O maior problema da escola atual, em meu ponto de vista, é que ela trata as pessoas de forma desumana. Especialistas já estudaram tudo o que vai ser ensinado e tiraram todas as dúvidas. Tudo já foi organizado. À criança, ou ao adolescente, só resta estudar e reproduzir as falas, os processos, atitudes, acertos e padrões pré-estabelecidos. Fala-se em escola de qualidade e em eficácia da escola como se fosse uma empresa, onde o desenvolvimento de cada pessoa fosse como uma linha de montagem ou uma lanchonete Mac-qualquer coisa.


Trabalhar com projetos significa deixar os alunos terem o prazer das descobertas e dos ensaios, incentivar-lhes o prazer de pensar por eles mesmos e ajudá-los a se sentirem seguros nessas aventuras.


Beth Almeida(1999)1 diz que “trata-se de uma nova cultura do aprendizado que não se fará por reformas ou novos métodos e conteúdos definidos por especialistas que pretendem impor melhorias ao sistema educacional vigente.” E se olharmos assim, teremos que ir descobrindo e ir montando nosso jeito de trabalhar com projetos. Cada um do seu jeito, para cada situação um jeito. Isso não impede que tenhamos alguns pontos em comum e algumas certezas, ainda que provisórias.


Ela mesma diz: “Não é o professor quem planeja para os alunos executarem, ambos são parceiros e sujeitos de aprendizagem, cada um atuando segundo o seu papel.” E pensando na formação do professor, aquele que está procurando aprender a trabalhar com projetos, ele também não pode ser colocado numa situação onde executará alguma coisa preparada por outros professores ou por algum especialista. Cada um de nós precisa elaborar seus próprios planos de projetos, junto com seus alunos.


Parece estranho. Vamos aprender a trabalhar com projetos trabalhando com eles. Precisamos elaborar nossos próprios projetos mas nunca fizemos isso antes. Mas é isso mesmo. A busca de parâmetros, a observação do aluno, de seu aprendizado nos fará aprender. O que devemos buscar é a criação de ambientes de aprendizagem. Se conseguirmos despertar a curiosidade dos alunos, a vontade de aprender, se conseguirmos que eles sejam criativos, o primeiro passo já estará dado. Nós, professores, devemos assumir uma postura diferente da tradicional. Estaremos nos colocando em situações onde não teremos mais o controle. De repente, um grupo de alunos começará a estudar um assunto para o qual estamos despreparados! E então, como ficamos?


Esse novo professor não deverá ter “inibições em reconhecer seus próprios conflitos, erros e limitações e em buscar sua depuração, numa atitude de parceria e humildade diante do conhecimento” (idem). É isso. Precisamos deixar de lado aquela idéia de parecer que sabemos tudo. O fato de termos dúvidas e conflitos não irá tirar nosso valor como pessoa, ou profissional. Ao contrário. Estaremos ensinando ao aluno que, todos tem suas dúvidas e seus conflitos diante de descobertas e diante de processos de aprendizagem. Aliás, isso é tão natural que os alunos aceitam com mais facilidade do que nós.


Vejamos o que outros autores nos dizem a respeito do erro. “Se, do ponto de vista moral, o erro é indesejável e deve ser criticado, no que se refere à aprendizagem o erro é um componente básico dos processos complexos pelos quais o ser humano e os animais aprendem. Não se aprende sem tentativas, sem escorregões, sem tropeços, sem ensaios.” “Ao educador cabe saber quando o ensaio e erro é aceitável e deve ser estimulado, e quando é melhor que os jovens pensem mais cuidadosamente antes de emitirem suas respostas e fazerem suas propostas.” (Fernando Almeida e Fonseca Jr., 1999)2. Quando lidamos com situações práticas, como as que a vida nos apresenta, nunca existe uma única solução, nem uma única maneira de se pensar um problema. As possíveis soluções não são encaradas como certas ou erradas. Às vezes tentamos alguma coisa e percebemos que não serviu, não atingiu os resultados que queríamos. Quando, mais de um aluno consegue solução para o problema apresentado, podemos ter uma solução melhor do que a outra, bem diferente do caso dos problemas tradicionais, onde só existe certo e errado, onde não existe a discussão da adequação e qualidade da solução. Ninguém pode dizer que conhece todas as possíveis soluções e todos os possíveis caminhos. O aluno não é colocado na condição de copiar um caminho de solução previamente estabelecido. Para haver ensaio, erro, e busca de soluções é preciso que, de alguma maneira, o aluno consiga avaliar o resultado de seus esforços por si só. Em alguns casos isso é fácil. Direto. Em outros, nem tanto. Quando buscamos soluções para problemas que realmente nos incomodam, em geral somos capazes de avaliar os resultados.


Há quem recomende que sejam feitos projetos para durar um ou dois meses no máximo. “Nossos projetos devem guardar um tempo que é próprio da escola” (Almeida e Fonseca Jr., 1999). Estes autores nos dão alguma ajuda em relação a como começar a aprender a trabalhar com projetos. “Embora cada projeto apresente particularidades e exija adaptações, as seguintes preocupações básicas devem ser consideradas na construção de um projeto:


  1. Identificação de um problema

  2. Levantamento de hipóteses e soluções

  3. Mapeamento do aporte científico necessário

  4. Seleção de parceiros

  5. Definição de um produto

  6. Documentação e registro

  7. Método de acompanhamento e avaliação

  8. Publicação e divulgação”


Depois, os autores dão mais detalhes a respeito de cada uma dessas preocupações básicas. Sempre que elaborarmos um projeto, vale a pena olharmos o que esses autores recomendam, e compararmos com o que fizemos.


No item “definição de um produto” por exemplo, são listados alguns possíveis produtos resultantes de projetos.


  • Festivais de Música, de poesia ou de teatro

  • Abaixo-assinados

  • Viagens de estudo do meio ambiente

  • Apresentações teatrais e saraus

  • Shows

  • Gincanas temáticas

  • Clubes de leitores

  • Sítios para Internet

  • Jornais Escolares (estilo fanzine)

  • Atividades sociais de assistência e participação comunitária, criação de maquetes com propostas de obras de atendimento à melhoria da comunidade

  • Clubes de folclore e danças regionais

  • Campanhas de atividades de participação social e cultural

  • Pesquisas (de consumo, idéias, costumes, etc.) sob demanda de setores da comunidade do bairro.


Não podemos, no entanto, confundir o produto resultante de um projeto com o próprio projeto. Uma Viagem de Estudo do Meio Ambiente pode servir para dar início a um projeto. Uma Festa Junina pode ser o fechamento de um projeto, o produto, mas ela em si não é necessariamente um projeto. O que irá caracterizar um projeto serão as atividades de busca de informações, a criação e uso de ambientes de aprendizagem, desafiador, rico, variado, aberto, onde aconteça boa interação aluno-aluno e professor-aluno, e que propicie o desenvolvimento da autonomia do aluno.


Léa Fagundes faz uma distinção entre “aprendizagem por projeto e ensino por projeto” (1999)3. Para ela, a grande diferença está no papel que deixaremos para o aluno. O aluno participará do planejamento? Quem escolhe os temas? Quais os contextos envolvidos? Aqueles da realidade de vida do aluno ou outros arbitrados por critérios externos e formais? A quem satisfará aquele estudo, ao aluno ou à escola? Como serão as decisões – hierarquizadas ou heterárquicas?


As palavras podem ser pouco usadas, mas vivemos todos os dias este problema. A diretora (ou o diretor) dirige a escola do seu jeito ou ela escuta a todos e procura consensos? A coordenadora pedagógica (ou coordenador) planeja os HTPC4 sozinha? Cria oportunidades para que os professores conheçam e manifestem suas angústias e interesses? Existem oportunidades de avaliação coletiva, individual e recíproca? Como é a relação entre professor e aluno, na sala de aula? Os alunos refletem a respeito de seu processo de aprendizagem? Colocam suas angústias para o grupo? Dentro dos relacionamentos entre os vários papéis podemos perceber o quanto as decisões são hierarquizadas e o quanto são heterárquicas.


Como serão as definições de regras, direções e atividades – impostas pelo sistema, onde todos cumprem determinações sem optar ou, elaboradas pelo grupo, em consenso entre alunos e professores? Qual o papel do aluno – ser receptivo ou agente de seu próprio conhecer? E ela afirma “Se os projetos são dos alunos, então são projetos diversificados porque 40 alunos não pensam da mesma maneira, não têm os mesmos interesses, e não têm as mesmas condições, nem as mesmas necessidades.” Dentro de um verdadeiro ambiente de aprendizagem, precisamos dar a cada aluno o direito de explorar melhor os conteúdos no seu tempo, segundo o seu ritmo.


A proposta então é que, pelo menos em algumas de nossas aulas semanais, ao invés de “darmos aula”, deixemos nossos alunos viverem um ambiente de aprendizagem, onde nós estaremos no papel de cuidar desse ambiente e, junto com os alunos, dar condições para que ele exista e aconteça. Nessas situações geralmente serão realizados trabalhos em equipe, porque é mais gostoso trabalhar em equipe e porque é uma situação mais próxima do que geralmente acontece na vida. Mas nem sempre será assim. Deverá haver momentos individuais, assim como podemos ter projetos desenvolvidos inteiramente por um só aluno. Normalmente os projetos envolvem mais de uma disciplina, mas isso também não é condição obrigatória, podemos ter projetos que acontecem dentro da especificidade de uma disciplina somente. No meio do projeto podemos ter algo semelhante a uma aula tradicional.


Imaginemos cada grupo de alunos trabalhando dentro de uma curiosidade diferente, cada um com seus momentos de dúvidas e descobertas. Momentos de trocas entre alunos. Trabalhos em equipe. Materiais de consulta. Anotações individuais. Trocas de anotações. Conclusões, ainda que limitadas e temporárias. Formulação de novas dúvidas. Apresentações para a turma toda. Preparação de apresentação.


Dentro desse ambiente de aprendizado, que pode parecer uma simples confusão, desordem ou falta de disciplina, imaginemos o professor como um observador atento, que estará participando de alguns momentos de cada aluno ou equipe. A coordenação dos trabalhos ou questões de relacionamento interpessoal podem exigir alguma intervenção externa, do professor. Um certo nível de planejamento é necessário, tanto nas buscas em equipe como nas individuais. A intervenção do professor pode ser útil em alguns momentos. Mesmo a estratégia de busca de informações ou a leitura crítica precisa ser feita tanto de forma autônoma como auxiliada pelo professor.


O professor, atento, busca, a todo momento, discernir entre as situações em que não deve interferir e aquelas em que sua intervenção estará contribuindo, não somente para a descoberta do que desejam, mas também para o desenvolvimento da autonomia de estudo e trabalho do aluno ou da equipe. Quando e como intervir?


Dentro de uma “aula” como esta, há certos momentos em que o professor julga que seja interessante e importante, que todos parem seus trabalhos e estudos para receberem uma orientação comum. Esse julgamento só pode ser feito em função das observações e das andanças do professor entre os alunos. Não é um momento que possa ser estabelecido a priori, embora possa ser provocado por situações externas.


Numa situação assim, o professor pede a todos que parem e prestem atenção. Temos um momento dirigido. Preparado pelo professor, dirigido por ele, mas baseado no que vem observando dos trabalhos e dificuldades dos alunos. O professor deve abrir espaços para os alunos se colocarem. Deve citar exemplos retirados da prática deles. É um momento semelhante a uma aula tradicional, mas difere dela por acontecer com pouca freqüência e ser organizado em função de questionamentos ou dificuldades observados nos alunos.


Desenvolver projetos significa trazer situações-problema da vida para dentro da sala de aula e fazer dela um ambiente de aprendizagem, um lugar rico de elementos de aprendizagem. Nesse sentido o computador é um grande aliado da escola, ajudando a trazer, para dentro da sala, muitas coisas que não seriam possíveis sem ele. Em 1980 Papert afirmava que o computador iria permitir que as crianças aprendessem sozinhas, de maneira natural, muitas das coisas que a escola tenta ensinar ainda hoje “como a escrita, gramática ou matemática escolar” (1985)5 e deixava em aberto a questão sobre a possível transformação da escola. A escola se transformou pouco nesses mais de 20 anos, mas as máquinas sonhadas já são uma realidade. Papert, autor do Linguagem de programação LOGO, falava de um tipo muito especial de projeto, onde o aluno expressava suas idéias programando o computador. Programar o computador exige um bom raciocínio lógico-dedutivo. Uma maneira de pensar parecida com aquela dos desafios matemáticos, mas que não é exclusividade da matemática. Crianças cujos pais usam essa lógica do pensamento analítico-dedutivo, aprendem essa maneira de pensar naturalmente, no convívio com os pais, ao perceber suas aplicações em múltiplas situações de vida. Outros tantos, no Brasil e em outros países, desenvolvem a matofobia – medo matemático, ou falta de auto-confiança em raciocínios lógicos. Tentam compensar essa deficiência memorizando um mar de conteúdos. Não percebem que existem classes de objetos e que podem sintetizar os conhecimentos através da compreensão das classes e dos relacionamentos entre objetos destas. Por isso mesmo, têm dificuldades para transferir um conhecimento de uma situação para outra, fazendo analogias. Quando as fazem, ficam inseguros e tentam memorizar até isso. Papert afirma que “é suficiente quebrar o círculo vícioso” do medo de se aventurar em experiências lógico-dedutivas “em um ponto para que permaneça inutilizado para sempre” (1985:24). Propõe o uso do Logo, para desenvolver projetos em que o aluno exercite a lógica, mas afirma que “sua principal função é servir de modelo para outros objetos ainda a serem inventados”(p. 26) e fala também da importância da maneira como encaramos o erro, dentro do processo de aprendizagem. Usa a expressão “debbuging6, emprestada da linguagem técnica de programadores de computador, que significa encontrar o erro e corrigí-lo.


Muitas crianças têm sua aprendizagem retardada porque possuem um modelo de aprendizagem onde só existe o ‘acertou’ e o ‘errou’. Mas, quando se aprende a programar um computador dificilmente se acerta na primeira tentativa. Especializar-se em programação é aprender a se tornar altamente habilitado a isolar e corrigir bugs, as partes que impedem o funcionamento desejado do programa. A questão levantada a respeito do programa não é se ele está certo ou errado, mas se ele é executável. Se esta maneira de avaliar produtos intelectuais fosse generalizada para o como a cultura pensa sobre conhecimento e aquisição, poderíamos ser menos intimados pelo medo de ‘estar errado’. Esta influência potencial do computador na mudança de nossas noções de sucesso e fracasso é um exemplo de uso do computador como um ‘objeto-de-pensar-com’. Obviamente não é necessário trabalhar com um computador para adquirir boas estratégias de aprendizagem. Certamente, estratégias de debbugging foram desenvolvidas por aprendizes bem-sucedidos muito antes do computador existir. Mas refletir sobre a aprendizagem por analogia com o desenvolvimento de um programa é uma maneira acessível e poderosa de começar a ser mais articulado em suas próprias estratégias de debbuging e mais deliberado em aperfeiçoá-las.”(Papert, 1985:40)


Hoje sabemos que há muitas maneiras de pensar. Muitas inteligências7 . Mesmo que haja discordâncias, está claro para todos que o pensamento lógico-dedutivo é apenas uma das várias maneiras de se pensar. Mas isso não diminui sua importância. Dentro dessa visão, nas situações em que desejarmos exercitar mais diretamente esse tipo de inteligência, a programação de computadores e a linguagem Logo ainda são ferramentas muito importantes. Principalmente se professor e aluno forem capazes de transferir aquela maneira de pensar para outras situações, mesmo longe dos computadores.


Mas os computadores hoje oferecem muitas possibilidades de uso e a maioria delas não depende de programação. A abundância de materiais e da facilidade de acesso a eles, possibilita e ajuda a aprendizagem. As famílias pobres, como é a maioria do povo brasileiro, ainda não têm acesso ao computador, mas muitas escolas públicas já o têm. Com ele a sala de aula pode ser uma porta de acesso a outras cidades, outras culturas, outras pessoas, a livros, desenhos, animações e tantos elementos que podem transformar a sala num local mais rico. O professor precisa conhecer o computador, saber explorá-lo e saber elaborar propostas de trabalho que o considerem. Valente8 analisa e classifica os diferentes tipos de “software” usados na educação. Faz uma distinção entre estar informado e ter conhecimento. Mostra de que maneira cada software pode ser uma proposta para o ensino reprodutivo (aquele que só informa), e de que maneira podemos usar o computador de forma inteligente, onde o aluno desenvolva conhecimento.


Isso não significa que devamos desprezar o valor das atividades sem computador, das excursões de estudo, das atividades fora da escola e novas formas criativas e abertas de estudo. Elas animam e questionam os alunos e professores, e a escola deve procurar meios para incluí-las em seus planos.

Uma parte importante de um projeto é a avaliação. Há muitas maneiras de se entender o que seja avaliação. Almeida e Fonseca Jr. (1999) recomendam – “na estrutura de seu projeto, reserve parte importante para a avaliação. Se possível, mais de um momento em que o grupo possa se reunir e verificar os resultados parciais.” Entendamos como resultados não somente o que for produzido pelos alunos mas também o que ficou com os alunos, o que eles percebem que o processo pelo qual passaram lhes deixou de conhecimento. “Nessas reuniões de depuração o grupo decidirá novos rumos, os setores que merecem estímulos, proporá novos aliados e, seguramente, continuará suas atividades com novo ânimo. Defina espaço para momentos de avaliações intermediárias no cronograma”(idem). Dentro desta visão de avaliação, o papel do professor não é atribuir uma nota a cada aluno e sim, marcar o dia para a avaliação, fazer com que ela aconteça, preparar o espírito dos alunos para que participem e entendam esse momento tão importante, coordenar o grupo para que a avaliação seja efetiva, para que leve em consideração os fatos que vêm ocorrendo e outras coisas desse gênero.


O desafio é ingrediente importante ao aprendizado. Quando falamos em identificação de um problema, precisamos olhar com cuidado o que seria um problema. Para Echeverria e Pozo9 (1994) a questão é “ensinar a propor problemas para si mesmo, a transformar a realidade em um problema que mereça ser questionado e estudado.” Nosso objetivo educacional somente será atingido“se for gerada no aluno a atitude de procurar respostas para suas próprias perguntas/problemas”. E por isso é importante analisarmos “com a maior nitidez possível a distinção entre um exercício repetitivo e um problema.” O professor pode se colocar como auxiliar num processo de destaque de perguntas interessantes que surjam dos alunos, publicando-as e valorizando-as.


Deixemos as questões em aberto porque nossa procura é salutar. Um olhar mais cuidadoso aos autores citados certamente trará algumas ajudas e novas dúvidas, que serão o combustível de nosso aprendizado, já que ser professor é também estar sempre aprendendo.


Este texto, assim como os outros, citados, informa sobre o assunto: projetos. Para desenvolver seu conhecimento porém, serão necessárias algumas experimentações. Elabore um projeto considerando estas idéias. Forme uma equipe com seus colegas. Não deixem de convidar algum aluno para fazer parte da equipe. Deixem espaço para os sonhos, dúvidas e problemas dos demais alunos. Reúnam a equipe para acompanhar, analisar e avaliar o projeto. Não deixem de fazer registros. O ciclo planejar, acompanhar, registrar, analisar, avaliar, re-planejar certamente desenvolverá o conhecimento a respeito de projetos. Bom trabalho.

REFERÊNCIAS

1 Maria Elizabeth B. de Almeida (1999). Projeto: uma nova cultura de aprendizagem. (Este texto possui somente 3 páginas e pode ser enviado a quem desejar pela própria autora ou por mim mesmo)

2 Fernando José de Almeida e Fernando Moraes Fonseca Jr (1999). Aprendendo com projetos. (O livro completo pode ser baixado a partir do sítio-e do Proinfo – www.proinfo.gov.br)

3 Léa da Cruz Fagundes, Luciane Sayuri Sato e Débora Laurino Maçada (1999). Aprendizes do futuro: as inovações começaram. (O livro completo pode ser baixado a partir do sítio-e do Proinfo – www.proinfo.gov.br)

4 HTPC – horário de trabalho pedagógico coletivo. Nas mais de 6000 escolas estaduais de São Paulo, um professor com jornada integral participa normalmente de 3h por semana de HTPC. Em outras escolas esse horário recebe outras denominações, quando existe.

5 PAPERT, Seymour (1985). Logo Computadores e Educação. São Paulo: Brasiliense

6 debbuging significa encontrar e eliminar os bugs. Bug é o erro nas instruções de um programa de computador, mas é antes, uma mariposa. Nos primeiros computadores, que ocupavam andares inteiros e se alojavam em muitos armários, aconteciam problemas de mal funcionamento, que por muitas vezes eram causados por mariposas que resolviam morar dentro de alguma das partes do computador. Encontrar o lugar onde havia bug era resolver o problema.

7Ver: Howard GARDNER, (1994). Estruturas da mente: A teoria das inteligências múltiplas. Porto Alegre: ArtMed

8 José Armando VALENTE (1999). Análise de Diferentes Tipos de Software Usados na Educação. Em "O computador na sociedade do conhecimento". org. José Armando Valente. Campinas, SP: UNICAMP/NIED. O livro completo pode ser encontrado em www.proinfo.gov.br

9 Maria del Puy Perez Echeverria e Juan Ignácio Pozo (1994). Aprender a resolver problemas e resolver problemas para aprender. Em A solução de problemas. Org. por Juan Ignacio Pozo. Porto Alegre: Artes Médicas Sul.

1 Maria Elizabeth B. de Almeida (1999). Projeto: uma nova cultura de aprendizagem. (Este texto possui somente 3 páginas e pode ser enviado a quem desejar pela própria autora ou por mim mesmo)

2 Fernando José de Almeida e Fernando Moraes Fonseca Jr (1999). Aprendendo com projetos. (O livro completo pode ser baixado a partir do sítio-e do Proinfo – www.proinfo.gov.br)

3 Léa da Cruz Fagundes, Luciane Sayuri Sato e Débora Laurino Maçada (1999). Aprendizes do futuro: as inovações começaram. (O livro completo pode ser baixado a partir do sítio-e do Proinfo – www.proinfo.gov.br)

4 HTPC – horário de trabalho pedagógico coletivo. Nas mais de 6000 escolas estaduais de São Paulo, um professor com jornada integral participa normalmente de 3h por semana de HTPC. Em outras escolas esse horário recebe outras denominações, quando existe.

5 PAPERT, Seymour (1985). Logo Computadores e Educação. São Paulo: Brasiliense

6 debbuging significa encontrar e eliminar os bugs. Bug é o erro nas instruções de um programa de computador, mas é antes, uma mariposa. Nos primeiros computadores, que ocupavam andares inteiros e se alojavam em muitos armários, aconteciam problemas de mal funcionamento, que por muitas vezes eram causados por mariposas que resolviam morar dentro de alguma das partes do computador. Encontrar o lugar onde havia bug era resolver o problema.

7Ver: Howard GARDNER, (1994). Estruturas da mente: A teoria das inteligências múltiplas. Porto Alegre: ArtMed

8 José Armando VALENTE (1999). Análise de Diferentes Tipos de Software Usados na Educação. Em "O computador na sociedade do conhecimento". org. José Armando Valente. Campinas, SP: UNICAMP/NIED. O livro completo pode ser encontrado em www.proinfo.gov.br

9 Maria del Puy Perez Echeverria e Juan Ignácio Pozo (1994). Aprender a resolver problemas e resolver problemas para aprender. Em A solução de problemas. Org. por Juan Ignacio Pozo. Porto Alegre: Artes Médicas Sul

1 Maria Elizabeth B. de Almeida (1999). Projeto: uma nova cultura de aprendizagem. (Este texto possui somente 3 páginas e pode ser enviado a quem desejar pela própria autora ou por mim mesmo)

2 Fernando José de Almeida e Fernando Moraes Fonseca Jr (1999). Aprendendo com projetos. (O livro completo pode ser baixado a partir do sítio-e do Proinfo – www.proinfo.gov.br)

3 Léa da Cruz Fagundes, Luciane Sayuri Sato e Débora Laurino Maçada (1999). Aprendizes do futuro: as inovações começaram. (O livro completo pode ser baixado a partir do sítio-e do Proinfo – www.proinfo.gov.br)

4 HTPC – horário de trabalho pedagógico coletivo. Nas mais de 6000 escolas estaduais de São Paulo, um professor com jornada integral participa normalmente de 3h por semana de HTPC. Em outras escolas esse horário recebe outras denominações, quando existe.

5 PAPERT, Seymour (1985). Logo Computadores e Educação. São Paulo: Brasiliense

6 debbuging significa encontrar e eliminar os bugs. Bug é o erro nas instruções de um programa de computador, mas é antes, uma mariposa. Nos primeiros computadores, que ocupavam andares inteiros e se alojavam em muitos armários, aconteciam problemas de mal funcionamento, que por muitas vezes eram causados por mariposas que resolviam morar dentro de alguma das partes do computador. Encontrar o lugar onde havia bug era resolver o problema.

7Ver: Howard GARDNER, (1994). Estruturas da mente: A teoria das inteligências múltiplas. Porto Alegre: ArtMed

8 José Armando VALENTE (1999). Análise de Diferentes Tipos de Software Usados na Educação. Em "O computador na sociedade do conhecimento". org. José Armando Valente. Campinas, SP: UNICAMP/NIED. O livro completo pode ser encontrado em www.proinfo.gov.br

9 Maria del Puy Perez Echeverria e Juan Ignácio Pozo (1994). Aprender a resolver problemas e resolver problemas para aprender. Em A solução de problemas. Org. por Juan Ignacio Pozo. Porto Alegre: Artes Médicas Sul

domingo, 20 de agosto de 2023

 

CHICLETE

 (poesia, Celso Vallin, 2003)

Jour toujour

without you

Tuiuiú e

Tutti blu


Net web

nhec tecle

mete Tab

bate e late


Plec, plec

plec-pleque-

tecle xi

Xi tecle?

Clete.

Chiiii...

Chiclete!


Adoro chicletes.



terça-feira, 11 de julho de 2023

 

Educação, Arte e Vida

Celso Vallin, 2002



Resumo. Trata-se de um ensaio que analisa o que é arte e sua importância na educação básica. Compara a arte tradicional com as possibilidades que as novas mídias e novas tecnologias apresentam. Fala das representações e do conhecimento em todas as disciplinas, e de como a nova escola pode usar a expressão artística e as novas tecnologias no desenvolvimento de seus alunos.


Representação do Pensamento

A educação a arte e a vida se entrelaçam. A arte como expressão do sentimento humano, mas também como reflexão e expressão pessoal, social e histórica. A arte como fonte histórica e de informação. A representação como apoio ao pensamento. A educação como desenvolvimento do ser, se expressando, se apropriando das expressões dos outros, hoje e antes. A educação como valorização da sensibilidade. A estética e o belo associados à cidadania e ao bem comum.

Descrever e representar o pensamento é uma estratégia importante para o aprendizado. Provoca a reflexão e a organização das idéias. Permite o intercâmbio entre as pessoas e enriquece com a diversidade de pontos de vista.

Hoje é comum que se constate o desinteresse do aluno pela escola. O que se tem, pode variar muito de uma escola para outra, entre particulares e públicas, de um professor para outro, mas de modo geral, segue o esquema fordista. A sociedade copiou as idéias de linha de produção da indústria para a fábrica de pessoas. Castra a humanidade delas. Tem cabido à escola o papel de iniciar as pessoas nessa caminhada de obediência muda para o mercado de trabalho. Aluno e professor são matéria prima e máquina, dentro da fábrica de montar pessoas.

Por que a escola precisa ser carregada de disciplina, transmissão intensa de conhecimentos e esquemas padrão de comportamento e expressão?

Como pode o ser humano ser feliz, sendo obrigado a esquemas desse tipo, dos oito aos dezoito anos, um período tão longo e belo da vida de cada um?

Como pode, o professor ser uma pessoa razoável, dentro de um papel castrador como esse?

Existiria a possibilidade de uma sociedade boa de se viver, fora desse esquema?

Talvez as respostas a outras perguntas possam ajudar no equacionamento destas dúvidas. Pode-se começar pelo entendimento do que é arte e como ela se articula com a vida.


O que é arte?

A arte imita a vida ou a vida imita a arte1? Essa pergunta clássica mostra alguma relação entre a vida e a arte.

A arte é uma forma de expressão. Como forma de expressão é uma comunicação. Alguém está querendo passar alguma coisa para fora de si – para se comunicar com os outros ou para guardar para si mesmo. Normalmente na arte se pretende passar um sentimento, um estado de espírito. O sentimento que se deseja passar através da arte não é qualquer sentimento, não é qualquer expressão. O que caracteriza principalmente uma arte é o fato de se estar comunicando um momento especial, um sentimento sublime. A arte é uma expressão do sublime.

Não é todo dia que se vive um momento sublime. Mas esses momentos são muito especiais e muito curtidos. E pelo fato de não se poder estar sempre curtindo tais momentos é que surge a idéia de eterniza-los, guarda-los. Todos gostariam de estar a vida toda dentro desses momentos especiais. Como isso não é possível, o ser humano tratou de representar tais momentos. Representar um sentimento. Isso é o que leva as pessoas a criarem arte.

Há um outro desejo ou necessidade humana que é passar isso para outros. Assim como uma pessoa tem o maior prazer em viver um momento sublime, ela quer também passar, ou mostrar esses sentimentos para outros.

Quem já tomou consciência da beleza de um momento sublime vivido e já despertou a vontade de mostrá-lo aos outros, terá também a vontade de olhar os sentimentos pelos quais os outros passaram. Isso é o que leva as pessoas a gostarem de arte.

Quem já descobriu a arte não irá gostar de qualquer arte, mas estará sempre interessado em olhar a expressão de outros porque sabe que talvez consiga entendê-la. Nesse caso, de certa forma estará vivendo, ou vivenciando o sentimento do outro e estará experimentando a sensação sublime do outro.

Numa extensão desse pensamento, podemos imaginar alguém querendo eternizar um momento de tristeza, de medo ou qualquer sentimento ruim. Talvez aquele não seja considerado um momento sublime, mas é uma sensação forte, e de alguma maneira as pessoas também gostam de representar esses sentimentos, e lerem esse tipo de arte produzida por outros.

A arte é uma expressão da existência humana mas a boa arte é aquela que mostra a grandeza do ser humano, seus sonhos e suas angústias e não seus momentos pequenos ou de mesquinharia. Há arte grande que mostra a desgraça, a tragédia, a destruição, a corrupção, a escravidão e tantas coisas ruins, mas ela é fruto da grandeza humana na medida em que denuncia a mesquinharia, a pobreza de espírito e as situações de abuso e injustiça.

Arte se cria e se lê. Alguém já disse que, depois de pronta a obra não é mais de seu autor. Isso porque, cada um irá interpretá-la diferentemente. O próprio autor, em cada momento de sua vida, olhando para sua arte, terá sentimentos, despertados em si, que podem não ser os mesmos que tentou representar na criação.

Arte se escreve e se lê. Mas não é como ler um código lógico, como os números ou as palavras corriqueiras. Criar e decifrar arte se faz com o sentimento e não com a lógica do pensamento formal.


A sétima arte.

O cinema é chamado de “a sétima arte”. Naturalmente porque a humanidade, antes do cinema, conseguia identificar seis artes.

Maurício de Souza, o pai da Turma da Mônica e das histórias em quadrinhos apresentou no final de 2001, em São Paulo, sua coleção de pinturas. São telas grandes, pintadas a mão, como as grandes pinturas da história. Uma obra espetacular. Começou a pinta-las em 1988 e só concluiu aquela coleção em 2001. São muitas telas. Ele próprio escreve sobre seu projeto. Seu sonho começou quando, visitando o Museu do Louvre, observou crianças sentadas e copiando a seu modo as pinturas dos grandes mestres. Ele fez o mesmo. Para cada grande obra da história, algumas brasileiras mas a maior parte não, algumas muito antigas e outras mais recentes, para cada uma delas ele fez uma pintura paródia, como chamou. Pintou a seu modo, e, naturalmente, convidou seus personagens de histórias em quadrinhos para serem os personagens de seus quadros. Uma parte muito interessante da exposição foi o registro escrito que apresentou ao lado de cada obra. Um pequeno texto (meia página), onde fala um pouco sobre o autor da obra original, sobre a história daquele quadro e das circunstâncias em que foi pintado, terminando sempre com uma ponta de bom humor, onde fala de como seus personagens se sentiram pousando para aquela pintura paródia.

O que logo vem à mente quando se fala em arte são as pinturas. A dança, a música e o teatro também são formas de arte, talvez menos lembradas mas de igual valor.

Se o cinema é a sétima arte, quais seriam as seis outras artes?

Olhando os museus e as exposições vem a pergunta - por que dão tanta importância às pinturas e pintores da história?

Que critérios a humanidade teria usado para estipular o que é arte? Qual o conceito que tinham em torno dessa palavra? O cinema, a sétima arte, já existe há mais de 100 anos. O que era arte para a humanidade antes disso?

As matérias ensinadas nas escolas medievais eram representadas pelas chamadas artes liberais, divididas em trívio (gramática, retórica e dialética) e quatrívio (aritmética, geometria, astronomia e música). Juntas formavam as sete artes liberais2. Como se pode ver, as sete artes da idade média nada têm a ver com as sete artes do século XX.

Por que nas escolas, quando se fala em aula de Educação Artística ou simplesmente aula de Arte, é tão comum que se estude e trabalhe com pinturas e artes plásticas e tão raro que naquela aula seja dada importância para a DANÇA, o TEATRO, a LITERATURA, a MÚSICA, a FOTOGRAFIA e o CINEMA?

Podemos também lembrar da arte culinária, da arte circense, das artes marciais... Temos as palavras artesão, arquitetura, e artífice que derivam a palavra mãe: arte.

O que poderíamos chamar de arte hoje?

A arte é a expressão do belo ou, simplesmente uma expressão humana qualquer. Assim, por meio das pinturas e outras formas de expressão artística, as pessoas de uma certa época expressaram seus sentimentos e sua maneira de ver as coisas. Por meio das obras que ultrapassaram os séculos, hoje se pode analisar melhor como viviam e como pensavam as pessoas, em cada tempo e lugar. A História, a Literatura e Poesia, e todas as formas de arte de um tempo guardam uma relação, na medida em que nos mostram as angústias e modo de pensar da humanidade naquele tempo.

Considerando que a arte de fazer CINEMA já é explorada pela humanidade há mais de 100 anos, pode-se dizer que este modo de expressão da humanidade já atingiu a maioridade. Definitivamente a humanidade sabe fazer cinema.

Qual a diferença entre cinema e TV? Poderíamos considerar a TV como uma nova forma de arte?

Existiriam outras formas de arte? Seria o RÁDIO, outra forma de arte?

Quais seriam as formas mais interessantes de expressão humana, nestes tempos de novas tecnologias, como o telefone, a TV, o computador, o satélite e as representações digitais?

A mais recente expressão humana é a eletrônica. Pode ser uma página na internet, pode ser um programa de computador. Este tipo de obra, quando é apresentada por meio de uma tela de computador se assemelha à TV mas pode também ser projetada num telão ficando semelhante ao cinema! Os formatos conhecidos hoje são o HTML, o .EXE ou o .COM. Qual a diferença entre um desses programas de computador e uma obra de cinema ou TV?


Arte e Novas Tecnologias.

Qual a importância da arte na formação humana? Que importância a escola dá a ela? Que lugar deveria ser deixado para a arte na escola básica?

Nestes nossos tempos, cada vez é mais importante que a escola seja um palco onde os alunos possam exercitar sua humanidade – criatividade, sensibilidade, solidariedade ... Que não se pense em desenvolver simplesmente um CONSUMIDOR de arte ou uma peça do sistema econômico produtivo. Deseja-se que cada ser humano seja capaz de dialogar com o restante da humanidade através das expressões mais sublimes. Deseja-se que cada um seja capaz de escrever arte além de ler arte.

Alunos de escolas públicas da França, a partir do segundo semestre de 2001, começaram a trabalhar com cinema. O governo daquele país "reafirma as ambições de uma política de artes e cultura na escola" e quer com isso “não mais considerar a arte como um suplemento do sistema educacional” mas “matéria a ser praticada depois de todas as outras” estendendo “o acesso à cultura” e permitindo “à criança combinar sua inteligência racional e sua inteligência sensível".3

Além de valorizar a arte, como expressão humana, os educadores devem se perguntar quais seriam as formas válidas da expressão humana?

Quais seriam as formas mais em acordo com os tempos em que vivemos?

É preciso ser criativo também nisto. Não se pode querer simplesmente reproduzir o que foi feito nos últimos séculos. É preciso saber transitar entre o velho e o novo. É preciso saber olhar, entender ou apreciar as produções artísticas da antiguidade e ao mesmo tempo entender o que seria o equivalente em nossos tempos.

Para entender melhor as possibilidades de expressão humana da atualidade, é preciso distinguir o meio de EXIBIÇÃO, do meio de REGISTRO, do TIPO DE EXPRESSÃO.

O meio de exibição NÃO pode caracterizar o tipo da obra. Um filme feito para o cinema pode ser também exibido na TV. Do mesmo modo, um comercial feito para TV pode ser exibido em cinema. Portanto, o mesmo tipo de expressão pode ser exibido em diferentes meios. Pode-se dizer que uma obra qualquer pode ser exibida em TV, cinema ou vídeo e portanto esses são meios de exibição e não podem caracterizar o TIPO DE EXPRESSÃO.

O meio em que a obra é registrada também NÃO pode caracterizar seu tipo. Uma obra áudio-visual de TV ou cinema pode ser registrada numa fita de cinema, chamada de película ou filme, mas pode também ser registrada em fita magnética de vídeo, daquelas que hoje são alugadas nas vídeo locadoras, mas poderia ser registrada também em DVD que são discos digitais, lidos com o uso de raios laser. Outros meios de registros poderiam ser citados. Eles podem existir ou ainda estarem por ser inventados. O meio de registro também não caracteriza o tipo de obra, já que a mesma obra pode ser armazenada em diferentes meios de registro.

Assim, talvez a sétima arte devesse ser chamada de arte cine-áudio-visual, ao invés de ser chamada de cinema, simplesmente. Quando o cinema foi chamado de sétima arte, a TV ainda engatinhava. As artes plásticas não têm movimento nem som. Definitivamente as pinturas são outro tipo de expressão humana, diferente das cine-áudio-visuais. O radical cine significa movimento.

E as esculturas??? Elas têm 3 dimensões, podem ser vistas sob diversos ângulos, diferentemente das pinturas. Pinturas e esculturas e outras são tradicionalmente classificadas como artes-plásticas. O fato de terem um nome que designe a todas já mostra que foram classificadas como sendo um tipo único.

Seguindo por esse tipo de raciocínio, a fotografia deveria ser encarada como mais uma das formas de arte plástica. Ela não tem movimento, nem som. Além disso, deixando de lado os preciosismos, qualquer pintura poderia ser registrada em forma fotográfica. Podemos olhar ainda a impressa, como outro meio de registrarmos uma obra do tipo estático-visual. Lembremos dos bonitos livros que nos mostram as grandes pinturas, ao lado de explicações e história.

São muitas as possibilidades de expressão e diante da criatividade do ser humano. Porque deveríamos ter somente sete tipos de arte? Esse deve ser um assunto deixado em aberto. Não se deve limitar a visão sobre o assunto.

A linguagem é um TIPO DE EXPRESSÃO que comporta a fala e a escrita. Nela temos a poesia, a literatura e também crônicas e outros tipos de textos. O ser humano usa essa forma para exprimir seu pensamento-lógico. Mesmo assim, consegue exprimir sentimentos sublimes através de subjetivos jogos de palavras, que podem não apresentar sentido lógico, ou dar margem a muitas interpretações, como no caso da poesia. Em relação ao tipo de expressão, podemos dizer que os textos de modo geral, bem como as falas, pessoais, radiofônicas, televisivas ou outras, são tipos de expressão semelhantes.

O rádio é um meio que serve para exibir textos ou falas, mas também música.

Pode-se observar formas mistas de expressão como pinturas associadas a textos, pinturas que “brincam” com letras ou palavras, poesias onde as letras se espalham pelo papel, tentando comunicar visualmente. As próprias músicas cantadas, são também formas mistas. Misturam falas lógicas ou poéticas aos sons. Há naturalmente todo tipo de misturas. Percebendo que pode ser misturado o que se desejar, as expressões podem ser identificadas com mais facilidade.

Prosseguindo nessa linha de raciocínio pode-se perguntar: não seria o teatro o precursor do cinema e das expressões humanas cine-áudio-visuais? Poderíamos olhar o teatro, o cinema e a TV como sendo todos um mesmo tipo de arte?

A dança usa somente o corpo e seus movimentos.

A música explora especificamente a audição humana.

A pintura, a fotografia, slides, bem como as imagens estáticas impressas, em tela de computador ou em qualquer outro meio, exploram a visão humana, de forma estática.

Os textos, as falas, o rádio e a literatura são também semelhantes e exploram mais comumente linguagem e a expressão lógica do pensamento humano.

O teatro é uma encenação da vida como ela é, com todas as suas possibilidades de expressão corporal, musical, visual e textual. O teatro normalmente contém músicas, danças, poesias... O mesmo pode ser dito do cinema e da TV.

Pouco têm sido explorados os sentidos do olfato, do gosto e do tato, nas artes.

A expressão eletrônica, por meio de programas de computador, inaugura uma nova era nas comunicações, uma vez que abre possibilidades para a interatividade. O artista, ou simplesmente o ser humano que se expressa por esse meio, pode criar “ambientes” que tenham todas as características da TV ou cinema, com o diferencial da interatividade. Quem assiste pode participar do que acontece. A obra reage e pode apresentar diferentes reações conforme o comportamento de quem a manipula.

Num filme ou na TV de modo geral, os personagens falam com quem assiste, mas quem assiste não pode falar com a TV. Tudo o que acontece num filme é linear, no sentido de que se uma mesma obra for exibida duas vezes, as imagens e sons se colocarão numa seqüência temporal idêntica.

Um programa de computador, pode ter múltiplos caminhos, e mesmo lógicas e dinâmicas que dependerão da reação e do comportamento de quem está assistindo. Assim, o autor de uma obra desse tipo pode esconder coisas e causar surpresas em quem está assistindo. Duas pessoas diferentes, interagindo com uma obra desse tipo, passarão por pedaços diferentes, assistirão coisas diferentes, escutarão coisas diferentes. Uma mesma pessoa, ao participar pela segunda vez daquela obra (do tipo - programa de computador), terá visões, audições e sensações diferentes. Esse tipo de obra, muitas vezes é chamado de jogo (“game”). Ainda não conheço uma obra desse tipo que interaja com a platéia como um todo, mas isso já é perfeitamente possível.

Tudo é ainda muito novo para se formar opiniões mais definitivas.

O que fica de todo este ensaio é que o ser humano se expressa de formas muito variadas e que os dispositivos cine-áudio-visuais são hoje os mais interessantes, e as novas tecnologias oferecem a possibilidade de existirem obras participativas, onde a expressão possui múltiplos caminhos, coisas escondidas e surpresas durante as participações.

Assim, quando a escola percebe que é importante ser um ambiente aberto à expressão humana, precisa também perceber que a expressão humana em nossos dias pode ter dimensões diferentes como

As cine-áudio-visuais (TV, cinema, vídeo, teatro...)

As interativas (apoiadas por programação e computador)

As artes que exercitam os movimentos do corpo (danças, esportes, teatros...).

Não que se deva dar menores condições às demais artes, mas devem ser dadas condições e possibilidades, abertura e incentivo para que os alunos criem e apresentem nesses meios. É preciso que sejam disponibilizados computadores e câmeras de vídeo, e que professores e alunos se preparem para trabalhar com isso. O movimento e a expressão corporal não podem ser deixados de lado.

A população se concentra cada vez mais nos centros urbanos. A processo de globalização da sociedade, cujo início é apontado por alguns como sendo o período das grandes navegações, se intensificou muito na segunda metade do século XX, com o desenvolvimento das novas tecnologias – Telefone, TV, computador, satélite – representações, gravações, reproduções e transmissões digitais. Vive-se um clima geral de racionalização, otimização e concorrência. A lógica do lucro e da vantagem econômica permeia todas as atividades. Vive-se o tempo da prioridade ao espírito de competição e ao sucesso individual. Olhando para a arte, nesse ambiente, é mais comum que ela seja percebida como um meio de produção mercantilista do que como expressão humana de coisas sublimes.

O maior fluxo de apresentação de obras cine-áudio-visuais é hoje encontrado na TV. Esse fluxo de comunicação se impõe ao ser humano desde a infância, influenciando muito em sua formação. O mesmo vem acontecendo com as obras apoiadas por programação e computadores, ou os chamados jogos eletrônicos.

A escola não pode simplesmente servir à tendência atual da sociedade, nem pode se incompatibilizar com a atualidade. Deve então lidar com as duas coisas. Por um lado, criar espaços e ambientes onde não sejam valorizados a concorrência e o individualismo e sim a cooperação e a solidariedade. Por outro lado, não pode ignorar o ambiente em que os alunos vivem e as influências a que estão sujeitos, até para poder lidar com isso.

A TV e os jogos exercem grande influência na vida e na formação dos alunos e por isso a escola precisa trabalhar com eles e a partir deles.

Qual a importância da TV para a escola?


A TV e a escola.

Alguns momentos da vida podem ser muito interessantes. Pessoas que se apresentam nos meios de comunicação costumam oferecer coisas muito atrativas. Algumas pessoas conseguem, mesmo ao vivo, serem muito interessantes. Todos gostam de consumir esses momentos especiais quando têm essa possibilidade. O ser humano se acostumou, por causa dos meios de comunicação, a receber essas coisas e a selecionar entre uma oferta variada de possibilidades de coisas interessantes. Em geral são comunicações (programas de TV, com os mais diferentes conteúdos e formatos). Mas não se trata daquela comunicação trivial, improvisada. É a comunicação feita de uma forma inteligente, criativa. É uma comunicação com conteúdo. Dessa forma, algumas pessoas aprenderam a transmitir para outras, coisas muito interessantes. Para que isso tudo seja possível existe uma relação, uma razão, entre o tempo que se usa para o preparo de uma obra e o tempo em que ela será transmitida para todos. Quem está preparando, criando, elaborando, precisa de muito mais tempo do que o tempo real. Tempo real aqui, é o tempo em que a comunicação acontecerá. O termo ´tempo real´ é hoje empregado ligado a tecnologias e coisas muito recentes, internet, transmissão de dados via satélite, mas esse fenômeno já acontecia desde a antiguidade.

Pode-se pegar como exemplo um teatro ou mesmo um humorista. Como era o teatro de antigamente, há séculos? Quando as pessoas faziam teatro, e apresentavam na rua, mesmo que não houvesse nenhum texto escrito, existia uma preparação. A preparação levava sempre mais tempo do que a apresentação. Mesmo que fosse uma coisa muito improvisada. A peça seria apresentada uma vez, e conforme a percepção de quem estivesse apresentando, a respeito do que foi agradável e o que não foi, iriam surgir novas idéias e esse espetáculo seria reformulado – ou re-elaborado. Numa segunda vez, ou numa quinta vez, vigésima vez, ele já estaria diferente em relação ao primeiro, e já estaria mais interessante. Nesse caso, pode-se observar dois aspectos importantes dessa dinâmica do espetáculo teatral de rua, mesmo em épocas em que não fosse usada a escrita. Um aspecto é a participatividade. A idéia de que grandes e interessantes coisas são elaboradas em conjunto. A construção de uma idéia começa com um autor solitário mas depois ela é re-elaborada coletivamente. Para isso pesam o resultado, o uso, e as pessoas que estão interagindo com aquela obra, aquele produto, com aquela idéia. A participatividade e a construção coletiva é o que garante a riqueza da elaboração. O coletivo neste exemplo é o olhar dos espectadores, são as falas, as gargalhadas, é a expressão de quem está assistindo que colabora na re-elaboração. Nem sempre é necessário que o coletivo seja com a pessoa dando palpite, analiticamente dizendo “Vamos fazer isso.”, ou “Tive uma idéia.”. Há outras formas mais sutis de se procurar a participação coletiva. E ela é importante.

O segundo aspecto a ser considerado, e que já acontecia desde a antiguidade como pode ser visto nesse exemplo do teatro de rua, é o tempo que se empenha para preparar uma obra. Ele é sempre bastante maior que o tempo que se leva para consumi-la, o tempo que acontece durante seu consumo. E não é só o tempo que importa mas também os recursos. Há várias pessoas participando, trabalhando, colaborando... É a somatória dos esforços de várias pessoas, ao longo do tempo, que irá culminar com aquele momento de apresentação.

Pode-se ver com esse exemplo que, desde os tempos antigos, a humanidade foi descobrindo que podia ser mais interessante, podia cativar os outros, elaborando e re-elaborando, construindo coletivamente, e usando um tempo de preparação para depois ter o momento do espetáculo, o momento da comunicação.

Olhando para as pessoas como espectadores, deixando de focalizar o artista e olhando para o espectador, pode ser visto que ele foi se acostumando, desde aqueles tempos, a receber a oferta de produtos de comunicação que tivessem uma qualidade, um conteúdo, uma possibilidade acima da possibilidade real. A possibilidade dita aqui como real é o banal, aquilo que uma pessoa consegue comunicar a uma outra pessoa no caso de estar criando ou elaborando durante o ato da transmissão.

Como aconteceria essa relação de tempos e recursos no caso de um humorista? O humorista é uma pessoa que sabe recolher no seu passado, na sua memória momentos interessantes vividos e sabe recolocar elementos daquela coleção e segmentos deles, articuladamente, num momento real. A pessoa vai ao longo do tempo colecionando na memória, situações, falas, que percebe que foram interessantes. Copia algumas que foram ouvidas de outras pessoas, é autor de outras que re-elabora a partir do que colheu. O humorista coleciona na memória, e no momento em que percebe que é propício, retoma. De qualquer modo é importante perceber que uma pessoa que é muito engraçada, muito interessante, tem por trás daquela possibilidade de comportamento, um banco de memória, um conjunto de coisas que foram elaboradas ao longo do tempo. Não se costuma parar para pensar nisso, mas as pessoas que são assim sabem selecionar, memorizar e articular esses artifícios.

Essa elaboração toda usou mais tempo e usou colaboração coletiva para poder acontecer. Mesmo quem faz alguma comunicação muito interessante e que aparenta improvisar, não deixa de estar reapresentando algo já pronto ou re-elaborando baseando-se em trabalhos anteriores.

Pode-se perceber essa semelhança entre o exemplo do humorista e o do teatro da antiguidade. Os exemplos antigos foram usados para citar os atuais meios de comunicação. O rádio, a televisão e outros. O ser humano, como espectador, vai criando expectativas em torno das comunicações, em função da possibilidade de consumo dessa oferta múltipla, rica e elaborada. Durante o último século as novas tecnologias permitiram que as obras de comunicação, principalmente as cine-áudio-visuais fossem disponibilizadas cada vez mais para qualquer pessoa da população. Anteriormente só as pessoas com maior poder aquisitivo podiam ir a um teatro ou pagar para ver uma apresentação. Com o advento da TV e popularização do cinema, hoje qualquer pessoa tem acesso a essas obras. Esse acesso geral a obras desse tipo é recente na história. Esse fator altera a formação da criança e de todos na sociedade. A escola ainda não tomou ciência, completamente, dessa novidade que interfere bastante e diretamente com seus alunos. Algumas das obras que são apresentadas diariamente na TV podem e devem ser consideradas obras de arte da atualidade. É uma arte diferente. Produzida coletivamente e com muitos recursos.

Desde criança nossas gerações são condicionadas a receber esses produtos da TV e rádio que podem ser comparados com uma droga. Droga no sentido que trazem até nós uma possibilidade acima da real, uma possibilidade fantasiosa. É real. Mas só é real às custas do esforço coletivo, e só é possível graças ao tempo de preparação que não é o mesmo do tempo real.

Por que as pessoas, mesmo as de baixa renda, têm televisor e rádio? Mesmo custando tão caro. O rádio é menos marcante. A televisão marca mais. Mesmo as antenas parabólicas, que são coisa cara. Quando visitamos uma vila, ou uma construção rural, onde não se consegue ver TV sem uma antena parabólica, elas estão presentes. Mesmo que o pessoal ganhe pouco. Isso mostra a prioridade que as pessoas dão para a TV. Há pessoas que criticam essa atitude. Dizem “O sujeito não tem a cabeça no lugar.” Ou “Onde já se viu dar prioridade para isso ao invés de melhorar sua casa ?!”, “O sujeito não tem bem nem o que comer e tem televisão.” . Deixando de lado as críticas, pode-se perceber que quando os sujeitos colocam a TV como prioridade sobre tantas outras coisas, estão mostrando a importância que essa coisa, a comunicação e a TV, e essas ofertas de possibilidades de comunicação que a TV traz, têm para a pessoa. Se as pessoas optam por isso é porque isso é importante para elas.

Como um império televisivo é uma coisa tão poderosa? Como é que o minuto da Rede Globo às 21h custa tão caro? Custa tão caro, tanto dinheiro gira em torno daquilo porque a sociedade como um todo dá muita importância para isso. Isso é muito importante na vida das pessoas.

E por ser uma coisa tão presente na vida atual, a escola, precisa dar mais importância para isso. Se isso é tão importante para a sociedade, a escola precisa lidar com isso.

Os conceitos mais importantes que podem ser destacados são:


Criação, Participação coletiva.

Tempo de preparação e tempo de apresentação.

Processo de re-elaboração e análise.


Quando o professor ou a escola se apresentam, na maioria das vezes, não conseguem ser tão interessantes quanto essas outras comunicações.

Olhando para isso tudo, percebe-se a importância da reprodução de situações como essas na escola. Deixar os alunos produzirem apresentações e deixa-los viverem os dois tempos: o da preparação de representações e re-elaborações delas, e o tempo da apresentação. Essa pode ser a maneira de ajuda-los a perceber que por trás de cada momento maravilhoso há muito trabalho e esforço. De perceberem que todos podem colaborar, mas ninguém é tão genial de improviso e sozinho.

Complementando esta idéia, a escola deve, em algumas situações, desenvolver propostas e atividades com LOGO, ou outro tipo de linguagem de programação de computadores. LOGO serve para o aluno produzir apresentações do tipo “jogo de computador”, ou “vídeo-game”. Com o uso do LOGO o aluno vai percebendo a montanha de esforço e raciocínio que existe por trás de cada “vídeo-game”. Seu uso pode facilitar para desmitificar este objeto tão presente na sociedade atual, e fazendo analogias, para que criar na idade adulta, um consumidor de programas de computador mais consciente e crítico, além de incentivar talentos para que venham a trabalhar nesta área.

Pode-se mostrar o quanto é importante para algumas pessoas aparecer na TV, relembrando um episódio da série “Brava gente”, da Rede Globo em 2000, no qual um porteiro queria muito aparecer na TV. Ele supunha que com isso poderia despertar a admiração da amada, uma moradora do prédio em que trabalhava. Depois de muitas tentativas sem sucesso, acabou se suicidando na frente das câmaras e, somente assim, conseguiu ir ao ar.

Como pode todo esse interesse em torno da TV ser usado em favor da educação?


Projetos de produção de vídeo.

Faço aqui um chamado para que a escola se abra para estas possibilidades e para esta necessidade, pensando na mais plena humanidade de cada ser. A proposta é lidar com a arte, na escola, mas com um conceito aberto e atual de arte. A arte como criação dos alunos, como forma de expressão pessoal, dentro do exercício da existência. Proponho um olhar atual e aberto sobre as expressões artísticas, com um pé no passado e outro no presente e futuro. Proponho o uso de meios de comunicação atuais – produções cine-áudio-visuais (de cinema, TV, computador, teatro ou instalações), sem pretender excluir ou deixar de lado as expressões menos abrangentes como a linguagem pura (poesia, rádio, literatura...), as imagens estáticas (pinturas, fotografias...), músicas e danças.

Um vídeo pode ser muita coisa, diferente. É importante que professor e alunos definam o que desejam. Um noticiário? Um programa de entrevistas? Um musical? Um romance? Uma novela em capítulos? Um documentário? Um debate? Uma campanha política? Um comercial? Uma vinheta? As possibilidades de vídeo não são todas a mesma coisa. Muitas coisas diferentes podem ser feitas.

É importante que se disponibilize os dois tempos – o das preparações e re-elaborações dessas representações e expressões e os momentos de apresentação. O papel do professor é ajudar a organizar esses espaços e essas atividades, de modo que as pessoas se encontrem, se descubram e sejam vistas.

Os jogos de computador, ou outras obras que sejam apoiadas por programação de computador, obras cine-áudio-visuais-participativas podem e devem ser tratadas da mesma maneira que as produções de obras de vídeo, as cine-áudio-visuais.

A proposta de se trabalhar com a arte na escola casa bem com a proposta de se trabalhar com projetos. O produto final de um projeto pode ser uma obra de arte, elaborada de forma conjunta e cooperativamente. Entenda-se como obra de arte tanto as tradicionalmente aceitas como as que dependem de novas tecnologias como os programas de vídeo e os programas de computador.

Embora os quatro pilares da educação (Educação, 2001) sejam interdependentes, o uso da arte como expressão na escola parece privilegiar o aprender a SER.

A arte e a expressão artística caberiam em sua disciplina? Sua aula teria espaço para essa visão de escola? Você conseguiria aprender a lidar com a arte, estudando e considerando o passado mas também deixando usarem as mais recentes possibilidades que a tecnologia oferece?



Dúvidas importantes? Certezas provisórias? Por onde começar?

1 “A vida imita a arte”, Oscar Wilde

2 www.mundodosfilosofos.com.br/escolastica.htm , 2000.

3 http://www.france.org.br/abr/label/label44/dernier/dernier.html - jan2002