Educação, Arte e Vida
Celso Vallin, 2002
Resumo. Trata-se de um ensaio que analisa o que é arte e sua importância na educação básica. Compara a arte tradicional com as possibilidades que as novas mídias e novas tecnologias apresentam. Fala das representações e do conhecimento em todas as disciplinas, e de como a nova escola pode usar a expressão artística e as novas tecnologias no desenvolvimento de seus alunos.
Representação do Pensamento
A educação a arte e a vida se entrelaçam. A arte como expressão do sentimento humano, mas também como reflexão e expressão pessoal, social e histórica. A arte como fonte histórica e de informação. A representação como apoio ao pensamento. A educação como desenvolvimento do ser, se expressando, se apropriando das expressões dos outros, hoje e antes. A educação como valorização da sensibilidade. A estética e o belo associados à cidadania e ao bem comum.
Descrever e representar o pensamento é uma estratégia importante para o aprendizado. Provoca a reflexão e a organização das idéias. Permite o intercâmbio entre as pessoas e enriquece com a diversidade de pontos de vista.
Hoje é comum que se constate o desinteresse do aluno pela escola. O que se tem, pode variar muito de uma escola para outra, entre particulares e públicas, de um professor para outro, mas de modo geral, segue o esquema fordista. A sociedade copiou as idéias de linha de produção da indústria para a fábrica de pessoas. Castra a humanidade delas. Tem cabido à escola o papel de iniciar as pessoas nessa caminhada de obediência muda para o mercado de trabalho. Aluno e professor são matéria prima e máquina, dentro da fábrica de montar pessoas.
Por que a escola precisa ser carregada de disciplina, transmissão intensa de conhecimentos e esquemas padrão de comportamento e expressão?
Como pode o ser humano ser feliz, sendo obrigado a esquemas desse tipo, dos oito aos dezoito anos, um período tão longo e belo da vida de cada um?
Como pode, o professor ser uma pessoa razoável, dentro de um papel castrador como esse?
Existiria a possibilidade de uma sociedade boa de se viver, fora desse esquema?
Talvez as respostas a outras perguntas possam ajudar no equacionamento destas dúvidas. Pode-se começar pelo entendimento do que é arte e como ela se articula com a vida.
O que é arte?
A arte imita a vida ou a vida imita a arte1? Essa pergunta clássica mostra alguma relação entre a vida e a arte.
A arte é uma forma de expressão. Como forma de expressão é uma comunicação. Alguém está querendo passar alguma coisa para fora de si – para se comunicar com os outros ou para guardar para si mesmo. Normalmente na arte se pretende passar um sentimento, um estado de espírito. O sentimento que se deseja passar através da arte não é qualquer sentimento, não é qualquer expressão. O que caracteriza principalmente uma arte é o fato de se estar comunicando um momento especial, um sentimento sublime. A arte é uma expressão do sublime.
Não é todo dia que se vive um momento sublime. Mas esses momentos são muito especiais e muito curtidos. E pelo fato de não se poder estar sempre curtindo tais momentos é que surge a idéia de eterniza-los, guarda-los. Todos gostariam de estar a vida toda dentro desses momentos especiais. Como isso não é possível, o ser humano tratou de representar tais momentos. Representar um sentimento. Isso é o que leva as pessoas a criarem arte.
Há um outro desejo ou necessidade humana que é passar isso para outros. Assim como uma pessoa tem o maior prazer em viver um momento sublime, ela quer também passar, ou mostrar esses sentimentos para outros.
Quem já tomou consciência da beleza de um momento sublime vivido e já despertou a vontade de mostrá-lo aos outros, terá também a vontade de olhar os sentimentos pelos quais os outros passaram. Isso é o que leva as pessoas a gostarem de arte.
Quem já descobriu a arte não irá gostar de qualquer arte, mas estará sempre interessado em olhar a expressão de outros porque sabe que talvez consiga entendê-la. Nesse caso, de certa forma estará vivendo, ou vivenciando o sentimento do outro e estará experimentando a sensação sublime do outro.
Numa extensão desse pensamento, podemos imaginar alguém querendo eternizar um momento de tristeza, de medo ou qualquer sentimento ruim. Talvez aquele não seja considerado um momento sublime, mas é uma sensação forte, e de alguma maneira as pessoas também gostam de representar esses sentimentos, e lerem esse tipo de arte produzida por outros.
A arte é uma expressão da existência humana mas a boa arte é aquela que mostra a grandeza do ser humano, seus sonhos e suas angústias e não seus momentos pequenos ou de mesquinharia. Há arte grande que mostra a desgraça, a tragédia, a destruição, a corrupção, a escravidão e tantas coisas ruins, mas ela é fruto da grandeza humana na medida em que denuncia a mesquinharia, a pobreza de espírito e as situações de abuso e injustiça.
Arte se cria e se lê. Alguém já disse que, depois de pronta a obra não é mais de seu autor. Isso porque, cada um irá interpretá-la diferentemente. O próprio autor, em cada momento de sua vida, olhando para sua arte, terá sentimentos, despertados em si, que podem não ser os mesmos que tentou representar na criação.
Arte se escreve e se lê. Mas não é como ler um código lógico, como os números ou as palavras corriqueiras. Criar e decifrar arte se faz com o sentimento e não com a lógica do pensamento formal.
A sétima arte.
O cinema é chamado de “a sétima arte”. Naturalmente porque a humanidade, antes do cinema, conseguia identificar seis artes.
Maurício de Souza, o pai da Turma da Mônica e das histórias em quadrinhos apresentou no final de 2001, em São Paulo, sua coleção de pinturas. São telas grandes, pintadas a mão, como as grandes pinturas da história. Uma obra espetacular. Começou a pinta-las em 1988 e só concluiu aquela coleção em 2001. São muitas telas. Ele próprio escreve sobre seu projeto. Seu sonho começou quando, visitando o Museu do Louvre, observou crianças sentadas e copiando a seu modo as pinturas dos grandes mestres. Ele fez o mesmo. Para cada grande obra da história, algumas brasileiras mas a maior parte não, algumas muito antigas e outras mais recentes, para cada uma delas ele fez uma pintura paródia, como chamou. Pintou a seu modo, e, naturalmente, convidou seus personagens de histórias em quadrinhos para serem os personagens de seus quadros. Uma parte muito interessante da exposição foi o registro escrito que apresentou ao lado de cada obra. Um pequeno texto (meia página), onde fala um pouco sobre o autor da obra original, sobre a história daquele quadro e das circunstâncias em que foi pintado, terminando sempre com uma ponta de bom humor, onde fala de como seus personagens se sentiram pousando para aquela pintura paródia.
O que logo vem à mente quando se fala em arte são as pinturas. A dança, a música e o teatro também são formas de arte, talvez menos lembradas mas de igual valor.
Se o cinema é a sétima arte, quais seriam as seis outras artes?
Olhando os museus e as exposições vem a pergunta - por que dão tanta importância às pinturas e pintores da história?
Que critérios a humanidade teria usado para estipular o que é arte? Qual o conceito que tinham em torno dessa palavra? O cinema, a sétima arte, já existe há mais de 100 anos. O que era arte para a humanidade antes disso?
As matérias ensinadas nas escolas medievais eram representadas pelas chamadas artes liberais, divididas em trívio (gramática, retórica e dialética) e quatrívio (aritmética, geometria, astronomia e música). Juntas formavam as sete artes liberais2. Como se pode ver, as sete artes da idade média nada têm a ver com as sete artes do século XX.
Por que nas escolas, quando se fala em aula de Educação Artística ou simplesmente aula de Arte, é tão comum que se estude e trabalhe com pinturas e artes plásticas e tão raro que naquela aula seja dada importância para a DANÇA, o TEATRO, a LITERATURA, a MÚSICA, a FOTOGRAFIA e o CINEMA?
Podemos também lembrar da arte culinária, da arte circense, das artes marciais... Temos as palavras artesão, arquitetura, e artífice que derivam a palavra mãe: arte.
O que poderíamos chamar de arte hoje?
A arte é a expressão do belo ou, simplesmente uma expressão humana qualquer. Assim, por meio das pinturas e outras formas de expressão artística, as pessoas de uma certa época expressaram seus sentimentos e sua maneira de ver as coisas. Por meio das obras que ultrapassaram os séculos, hoje se pode analisar melhor como viviam e como pensavam as pessoas, em cada tempo e lugar. A História, a Literatura e Poesia, e todas as formas de arte de um tempo guardam uma relação, na medida em que nos mostram as angústias e modo de pensar da humanidade naquele tempo.
Considerando que a arte de fazer CINEMA já é explorada pela humanidade há mais de 100 anos, pode-se dizer que este modo de expressão da humanidade já atingiu a maioridade. Definitivamente a humanidade sabe fazer cinema.
Qual a diferença entre cinema e TV? Poderíamos considerar a TV como uma nova forma de arte?
Existiriam outras formas de arte? Seria o RÁDIO, outra forma de arte?
Quais seriam as formas mais interessantes de expressão humana, nestes tempos de novas tecnologias, como o telefone, a TV, o computador, o satélite e as representações digitais?
A mais recente expressão humana é a eletrônica. Pode ser uma página na internet, pode ser um programa de computador. Este tipo de obra, quando é apresentada por meio de uma tela de computador se assemelha à TV mas pode também ser projetada num telão ficando semelhante ao cinema! Os formatos conhecidos hoje são o HTML, o .EXE ou o .COM. Qual a diferença entre um desses programas de computador e uma obra de cinema ou TV?
Arte e Novas Tecnologias.
Qual a importância da arte na formação humana? Que importância a escola dá a ela? Que lugar deveria ser deixado para a arte na escola básica?
Nestes nossos tempos, cada vez é mais importante que a escola seja um palco onde os alunos possam exercitar sua humanidade – criatividade, sensibilidade, solidariedade ... Que não se pense em desenvolver simplesmente um CONSUMIDOR de arte ou uma peça do sistema econômico produtivo. Deseja-se que cada ser humano seja capaz de dialogar com o restante da humanidade através das expressões mais sublimes. Deseja-se que cada um seja capaz de escrever arte além de ler arte.
Alunos de escolas públicas da França, a partir do segundo semestre de 2001, começaram a trabalhar com cinema. O governo daquele país "reafirma as ambições de uma política de artes e cultura na escola" e quer com isso “não mais considerar a arte como um suplemento do sistema educacional” mas “matéria a ser praticada depois de todas as outras” estendendo “o acesso à cultura” e permitindo “à criança combinar sua inteligência racional e sua inteligência sensível".3
Além de valorizar a arte, como expressão humana, os educadores devem se perguntar quais seriam as formas válidas da expressão humana?
Quais seriam as formas mais em acordo com os tempos em que vivemos?
É preciso ser criativo também nisto. Não se pode querer simplesmente reproduzir o que foi feito nos últimos séculos. É preciso saber transitar entre o velho e o novo. É preciso saber olhar, entender ou apreciar as produções artísticas da antiguidade e ao mesmo tempo entender o que seria o equivalente em nossos tempos.
Para entender melhor as possibilidades de expressão humana da atualidade, é preciso distinguir o meio de EXIBIÇÃO, do meio de REGISTRO, do TIPO DE EXPRESSÃO.
O meio de exibição NÃO pode caracterizar o tipo da obra. Um filme feito para o cinema pode ser também exibido na TV. Do mesmo modo, um comercial feito para TV pode ser exibido em cinema. Portanto, o mesmo tipo de expressão pode ser exibido em diferentes meios. Pode-se dizer que uma obra qualquer pode ser exibida em TV, cinema ou vídeo e portanto esses são meios de exibição e não podem caracterizar o TIPO DE EXPRESSÃO.
O meio em que a obra é registrada também NÃO pode caracterizar seu tipo. Uma obra áudio-visual de TV ou cinema pode ser registrada numa fita de cinema, chamada de película ou filme, mas pode também ser registrada em fita magnética de vídeo, daquelas que hoje são alugadas nas vídeo locadoras, mas poderia ser registrada também em DVD que são discos digitais, lidos com o uso de raios laser. Outros meios de registros poderiam ser citados. Eles podem existir ou ainda estarem por ser inventados. O meio de registro também não caracteriza o tipo de obra, já que a mesma obra pode ser armazenada em diferentes meios de registro.
Assim, talvez a sétima arte devesse ser chamada de arte cine-áudio-visual, ao invés de ser chamada de cinema, simplesmente. Quando o cinema foi chamado de sétima arte, a TV ainda engatinhava. As artes plásticas não têm movimento nem som. Definitivamente as pinturas são outro tipo de expressão humana, diferente das cine-áudio-visuais. O radical cine significa movimento.
E as esculturas??? Elas têm 3 dimensões, podem ser vistas sob diversos ângulos, diferentemente das pinturas. Pinturas e esculturas e outras são tradicionalmente classificadas como artes-plásticas. O fato de terem um nome que designe a todas já mostra que foram classificadas como sendo um tipo único.
Seguindo por esse tipo de raciocínio, a fotografia deveria ser encarada como mais uma das formas de arte plástica. Ela não tem movimento, nem som. Além disso, deixando de lado os preciosismos, qualquer pintura poderia ser registrada em forma fotográfica. Podemos olhar ainda a impressa, como outro meio de registrarmos uma obra do tipo estático-visual. Lembremos dos bonitos livros que nos mostram as grandes pinturas, ao lado de explicações e história.
São muitas as possibilidades de expressão e diante da criatividade do ser humano. Porque deveríamos ter somente sete tipos de arte? Esse deve ser um assunto deixado em aberto. Não se deve limitar a visão sobre o assunto.
A linguagem é um TIPO DE EXPRESSÃO que comporta a fala e a escrita. Nela temos a poesia, a literatura e também crônicas e outros tipos de textos. O ser humano usa essa forma para exprimir seu pensamento-lógico. Mesmo assim, consegue exprimir sentimentos sublimes através de subjetivos jogos de palavras, que podem não apresentar sentido lógico, ou dar margem a muitas interpretações, como no caso da poesia. Em relação ao tipo de expressão, podemos dizer que os textos de modo geral, bem como as falas, pessoais, radiofônicas, televisivas ou outras, são tipos de expressão semelhantes.
O rádio é um meio que serve para exibir textos ou falas, mas também música.
Pode-se observar formas mistas de expressão como pinturas associadas a textos, pinturas que “brincam” com letras ou palavras, poesias onde as letras se espalham pelo papel, tentando comunicar visualmente. As próprias músicas cantadas, são também formas mistas. Misturam falas lógicas ou poéticas aos sons. Há naturalmente todo tipo de misturas. Percebendo que pode ser misturado o que se desejar, as expressões podem ser identificadas com mais facilidade.
Prosseguindo nessa linha de raciocínio pode-se perguntar: não seria o teatro o precursor do cinema e das expressões humanas cine-áudio-visuais? Poderíamos olhar o teatro, o cinema e a TV como sendo todos um mesmo tipo de arte?
A dança usa somente o corpo e seus movimentos.
A música explora especificamente a audição humana.
A pintura, a fotografia, slides, bem como as imagens estáticas impressas, em tela de computador ou em qualquer outro meio, exploram a visão humana, de forma estática.
Os textos, as falas, o rádio e a literatura são também semelhantes e exploram mais comumente linguagem e a expressão lógica do pensamento humano.
O teatro é uma encenação da vida como ela é, com todas as suas possibilidades de expressão corporal, musical, visual e textual. O teatro normalmente contém músicas, danças, poesias... O mesmo pode ser dito do cinema e da TV.
Pouco têm sido explorados os sentidos do olfato, do gosto e do tato, nas artes.
A expressão eletrônica, por meio de programas de computador, inaugura uma nova era nas comunicações, uma vez que abre possibilidades para a interatividade. O artista, ou simplesmente o ser humano que se expressa por esse meio, pode criar “ambientes” que tenham todas as características da TV ou cinema, com o diferencial da interatividade. Quem assiste pode participar do que acontece. A obra reage e pode apresentar diferentes reações conforme o comportamento de quem a manipula.
Num filme ou na TV de modo geral, os personagens falam com quem assiste, mas quem assiste não pode falar com a TV. Tudo o que acontece num filme é linear, no sentido de que se uma mesma obra for exibida duas vezes, as imagens e sons se colocarão numa seqüência temporal idêntica.
Um programa de computador, pode ter múltiplos caminhos, e mesmo lógicas e dinâmicas que dependerão da reação e do comportamento de quem está assistindo. Assim, o autor de uma obra desse tipo pode esconder coisas e causar surpresas em quem está assistindo. Duas pessoas diferentes, interagindo com uma obra desse tipo, passarão por pedaços diferentes, assistirão coisas diferentes, escutarão coisas diferentes. Uma mesma pessoa, ao participar pela segunda vez daquela obra (do tipo - programa de computador), terá visões, audições e sensações diferentes. Esse tipo de obra, muitas vezes é chamado de jogo (“game”). Ainda não conheço uma obra desse tipo que interaja com a platéia como um todo, mas isso já é perfeitamente possível.
Tudo é ainda muito novo para se formar opiniões mais definitivas.
O que fica de todo este ensaio é que o ser humano se expressa de formas muito variadas e que os dispositivos cine-áudio-visuais são hoje os mais interessantes, e as novas tecnologias oferecem a possibilidade de existirem obras participativas, onde a expressão possui múltiplos caminhos, coisas escondidas e surpresas durante as participações.
Assim, quando a escola percebe que é importante ser um ambiente aberto à expressão humana, precisa também perceber que a expressão humana em nossos dias pode ter dimensões diferentes como
As cine-áudio-visuais (TV, cinema, vídeo, teatro...)
As interativas (apoiadas por programação e computador)
As artes que exercitam os movimentos do corpo (danças, esportes, teatros...).
Não que se deva dar menores condições às demais artes, mas devem ser dadas condições e possibilidades, abertura e incentivo para que os alunos criem e apresentem nesses meios. É preciso que sejam disponibilizados computadores e câmeras de vídeo, e que professores e alunos se preparem para trabalhar com isso. O movimento e a expressão corporal não podem ser deixados de lado.
A população se concentra cada vez mais nos centros urbanos. A processo de globalização da sociedade, cujo início é apontado por alguns como sendo o período das grandes navegações, se intensificou muito na segunda metade do século XX, com o desenvolvimento das novas tecnologias – Telefone, TV, computador, satélite – representações, gravações, reproduções e transmissões digitais. Vive-se um clima geral de racionalização, otimização e concorrência. A lógica do lucro e da vantagem econômica permeia todas as atividades. Vive-se o tempo da prioridade ao espírito de competição e ao sucesso individual. Olhando para a arte, nesse ambiente, é mais comum que ela seja percebida como um meio de produção mercantilista do que como expressão humana de coisas sublimes.
O maior fluxo de apresentação de obras cine-áudio-visuais é hoje encontrado na TV. Esse fluxo de comunicação se impõe ao ser humano desde a infância, influenciando muito em sua formação. O mesmo vem acontecendo com as obras apoiadas por programação e computadores, ou os chamados jogos eletrônicos.
A escola não pode simplesmente servir à tendência atual da sociedade, nem pode se incompatibilizar com a atualidade. Deve então lidar com as duas coisas. Por um lado, criar espaços e ambientes onde não sejam valorizados a concorrência e o individualismo e sim a cooperação e a solidariedade. Por outro lado, não pode ignorar o ambiente em que os alunos vivem e as influências a que estão sujeitos, até para poder lidar com isso.
A TV e os jogos exercem grande influência na vida e na formação dos alunos e por isso a escola precisa trabalhar com eles e a partir deles.
Qual a importância da TV para a escola?
A TV e a escola.
Alguns momentos da vida podem ser muito interessantes. Pessoas que se apresentam nos meios de comunicação costumam oferecer coisas muito atrativas. Algumas pessoas conseguem, mesmo ao vivo, serem muito interessantes. Todos gostam de consumir esses momentos especiais quando têm essa possibilidade. O ser humano se acostumou, por causa dos meios de comunicação, a receber essas coisas e a selecionar entre uma oferta variada de possibilidades de coisas interessantes. Em geral são comunicações (programas de TV, com os mais diferentes conteúdos e formatos). Mas não se trata daquela comunicação trivial, improvisada. É a comunicação feita de uma forma inteligente, criativa. É uma comunicação com conteúdo. Dessa forma, algumas pessoas aprenderam a transmitir para outras, coisas muito interessantes. Para que isso tudo seja possível existe uma relação, uma razão, entre o tempo que se usa para o preparo de uma obra e o tempo em que ela será transmitida para todos. Quem está preparando, criando, elaborando, precisa de muito mais tempo do que o tempo real. Tempo real aqui, é o tempo em que a comunicação acontecerá. O termo ´tempo real´ é hoje empregado ligado a tecnologias e coisas muito recentes, internet, transmissão de dados via satélite, mas esse fenômeno já acontecia desde a antiguidade.
Pode-se pegar como exemplo um teatro ou mesmo um humorista. Como era o teatro de antigamente, há séculos? Quando as pessoas faziam teatro, e apresentavam na rua, mesmo que não houvesse nenhum texto escrito, existia uma preparação. A preparação levava sempre mais tempo do que a apresentação. Mesmo que fosse uma coisa muito improvisada. A peça seria apresentada uma vez, e conforme a percepção de quem estivesse apresentando, a respeito do que foi agradável e o que não foi, iriam surgir novas idéias e esse espetáculo seria reformulado – ou re-elaborado. Numa segunda vez, ou numa quinta vez, vigésima vez, ele já estaria diferente em relação ao primeiro, e já estaria mais interessante. Nesse caso, pode-se observar dois aspectos importantes dessa dinâmica do espetáculo teatral de rua, mesmo em épocas em que não fosse usada a escrita. Um aspecto é a participatividade. A idéia de que grandes e interessantes coisas são elaboradas em conjunto. A construção de uma idéia começa com um autor solitário mas depois ela é re-elaborada coletivamente. Para isso pesam o resultado, o uso, e as pessoas que estão interagindo com aquela obra, aquele produto, com aquela idéia. A participatividade e a construção coletiva é o que garante a riqueza da elaboração. O coletivo neste exemplo é o olhar dos espectadores, são as falas, as gargalhadas, é a expressão de quem está assistindo que colabora na re-elaboração. Nem sempre é necessário que o coletivo seja com a pessoa dando palpite, analiticamente dizendo “Vamos fazer isso.”, ou “Tive uma idéia.”. Há outras formas mais sutis de se procurar a participação coletiva. E ela é importante.
O segundo aspecto a ser considerado, e que já acontecia desde a antiguidade como pode ser visto nesse exemplo do teatro de rua, é o tempo que se empenha para preparar uma obra. Ele é sempre bastante maior que o tempo que se leva para consumi-la, o tempo que acontece durante seu consumo. E não é só o tempo que importa mas também os recursos. Há várias pessoas participando, trabalhando, colaborando... É a somatória dos esforços de várias pessoas, ao longo do tempo, que irá culminar com aquele momento de apresentação.
Pode-se ver com esse exemplo que, desde os tempos antigos, a humanidade foi descobrindo que podia ser mais interessante, podia cativar os outros, elaborando e re-elaborando, construindo coletivamente, e usando um tempo de preparação para depois ter o momento do espetáculo, o momento da comunicação.
Olhando para as pessoas como espectadores, deixando de focalizar o artista e olhando para o espectador, pode ser visto que ele foi se acostumando, desde aqueles tempos, a receber a oferta de produtos de comunicação que tivessem uma qualidade, um conteúdo, uma possibilidade acima da possibilidade real. A possibilidade dita aqui como real é o banal, aquilo que uma pessoa consegue comunicar a uma outra pessoa no caso de estar criando ou elaborando durante o ato da transmissão.
Como aconteceria essa relação de tempos e recursos no caso de um humorista? O humorista é uma pessoa que sabe recolher no seu passado, na sua memória momentos interessantes vividos e sabe recolocar elementos daquela coleção e segmentos deles, articuladamente, num momento real. A pessoa vai ao longo do tempo colecionando na memória, situações, falas, que percebe que foram interessantes. Copia algumas que foram ouvidas de outras pessoas, é autor de outras que re-elabora a partir do que colheu. O humorista coleciona na memória, e no momento em que percebe que é propício, retoma. De qualquer modo é importante perceber que uma pessoa que é muito engraçada, muito interessante, tem por trás daquela possibilidade de comportamento, um banco de memória, um conjunto de coisas que foram elaboradas ao longo do tempo. Não se costuma parar para pensar nisso, mas as pessoas que são assim sabem selecionar, memorizar e articular esses artifícios.
Essa elaboração toda usou mais tempo e usou colaboração coletiva para poder acontecer. Mesmo quem faz alguma comunicação muito interessante e que aparenta improvisar, não deixa de estar reapresentando algo já pronto ou re-elaborando baseando-se em trabalhos anteriores.
Pode-se perceber essa semelhança entre o exemplo do humorista e o do teatro da antiguidade. Os exemplos antigos foram usados para citar os atuais meios de comunicação. O rádio, a televisão e outros. O ser humano, como espectador, vai criando expectativas em torno das comunicações, em função da possibilidade de consumo dessa oferta múltipla, rica e elaborada. Durante o último século as novas tecnologias permitiram que as obras de comunicação, principalmente as cine-áudio-visuais fossem disponibilizadas cada vez mais para qualquer pessoa da população. Anteriormente só as pessoas com maior poder aquisitivo podiam ir a um teatro ou pagar para ver uma apresentação. Com o advento da TV e popularização do cinema, hoje qualquer pessoa tem acesso a essas obras. Esse acesso geral a obras desse tipo é recente na história. Esse fator altera a formação da criança e de todos na sociedade. A escola ainda não tomou ciência, completamente, dessa novidade que interfere bastante e diretamente com seus alunos. Algumas das obras que são apresentadas diariamente na TV podem e devem ser consideradas obras de arte da atualidade. É uma arte diferente. Produzida coletivamente e com muitos recursos.
Desde criança nossas gerações são condicionadas a receber esses produtos da TV e rádio que podem ser comparados com uma droga. Droga no sentido que trazem até nós uma possibilidade acima da real, uma possibilidade fantasiosa. É real. Mas só é real às custas do esforço coletivo, e só é possível graças ao tempo de preparação que não é o mesmo do tempo real.
Por que as pessoas, mesmo as de baixa renda, têm televisor e rádio? Mesmo custando tão caro. O rádio é menos marcante. A televisão marca mais. Mesmo as antenas parabólicas, que são coisa cara. Quando visitamos uma vila, ou uma construção rural, onde não se consegue ver TV sem uma antena parabólica, elas estão presentes. Mesmo que o pessoal ganhe pouco. Isso mostra a prioridade que as pessoas dão para a TV. Há pessoas que criticam essa atitude. Dizem “O sujeito não tem a cabeça no lugar.” Ou “Onde já se viu dar prioridade para isso ao invés de melhorar sua casa ?!”, “O sujeito não tem bem nem o que comer e tem televisão.” . Deixando de lado as críticas, pode-se perceber que quando os sujeitos colocam a TV como prioridade sobre tantas outras coisas, estão mostrando a importância que essa coisa, a comunicação e a TV, e essas ofertas de possibilidades de comunicação que a TV traz, têm para a pessoa. Se as pessoas optam por isso é porque isso é importante para elas.
Como um império televisivo é uma coisa tão poderosa? Como é que o minuto da Rede Globo às 21h custa tão caro? Custa tão caro, tanto dinheiro gira em torno daquilo porque a sociedade como um todo dá muita importância para isso. Isso é muito importante na vida das pessoas.
E por ser uma coisa tão presente na vida atual, a escola, precisa dar mais importância para isso. Se isso é tão importante para a sociedade, a escola precisa lidar com isso.
Os conceitos mais importantes que podem ser destacados são:
Criação, Participação coletiva.
Tempo de preparação e tempo de apresentação.
Processo de re-elaboração e análise.
Quando o professor ou a escola se apresentam, na maioria das vezes, não conseguem ser tão interessantes quanto essas outras comunicações.
Olhando para isso tudo, percebe-se a importância da reprodução de situações como essas na escola. Deixar os alunos produzirem apresentações e deixa-los viverem os dois tempos: o da preparação de representações e re-elaborações delas, e o tempo da apresentação. Essa pode ser a maneira de ajuda-los a perceber que por trás de cada momento maravilhoso há muito trabalho e esforço. De perceberem que todos podem colaborar, mas ninguém é tão genial de improviso e sozinho.
Complementando esta idéia, a escola deve, em algumas situações, desenvolver propostas e atividades com LOGO, ou outro tipo de linguagem de programação de computadores. LOGO serve para o aluno produzir apresentações do tipo “jogo de computador”, ou “vídeo-game”. Com o uso do LOGO o aluno vai percebendo a montanha de esforço e raciocínio que existe por trás de cada “vídeo-game”. Seu uso pode facilitar para desmitificar este objeto tão presente na sociedade atual, e fazendo analogias, para que criar na idade adulta, um consumidor de programas de computador mais consciente e crítico, além de incentivar talentos para que venham a trabalhar nesta área.
Pode-se mostrar o quanto é importante para algumas pessoas aparecer na TV, relembrando um episódio da série “Brava gente”, da Rede Globo em 2000, no qual um porteiro queria muito aparecer na TV. Ele supunha que com isso poderia despertar a admiração da amada, uma moradora do prédio em que trabalhava. Depois de muitas tentativas sem sucesso, acabou se suicidando na frente das câmaras e, somente assim, conseguiu ir ao ar.
Como pode todo esse interesse em torno da TV ser usado em favor da educação?
Projetos de produção de vídeo.
Faço aqui um chamado para que a escola se abra para estas possibilidades e para esta necessidade, pensando na mais plena humanidade de cada ser. A proposta é lidar com a arte, na escola, mas com um conceito aberto e atual de arte. A arte como criação dos alunos, como forma de expressão pessoal, dentro do exercício da existência. Proponho um olhar atual e aberto sobre as expressões artísticas, com um pé no passado e outro no presente e futuro. Proponho o uso de meios de comunicação atuais – produções cine-áudio-visuais (de cinema, TV, computador, teatro ou instalações), sem pretender excluir ou deixar de lado as expressões menos abrangentes como a linguagem pura (poesia, rádio, literatura...), as imagens estáticas (pinturas, fotografias...), músicas e danças.
Um vídeo pode ser muita coisa, diferente. É importante que professor e alunos definam o que desejam. Um noticiário? Um programa de entrevistas? Um musical? Um romance? Uma novela em capítulos? Um documentário? Um debate? Uma campanha política? Um comercial? Uma vinheta? As possibilidades de vídeo não são todas a mesma coisa. Muitas coisas diferentes podem ser feitas.
É importante que se disponibilize os dois tempos – o das preparações e re-elaborações dessas representações e expressões e os momentos de apresentação. O papel do professor é ajudar a organizar esses espaços e essas atividades, de modo que as pessoas se encontrem, se descubram e sejam vistas.
Os jogos de computador, ou outras obras que sejam apoiadas por programação de computador, obras cine-áudio-visuais-participativas podem e devem ser tratadas da mesma maneira que as produções de obras de vídeo, as cine-áudio-visuais.
A proposta de se trabalhar com a arte na escola casa bem com a proposta de se trabalhar com projetos. O produto final de um projeto pode ser uma obra de arte, elaborada de forma conjunta e cooperativamente. Entenda-se como obra de arte tanto as tradicionalmente aceitas como as que dependem de novas tecnologias como os programas de vídeo e os programas de computador.
Embora os quatro pilares da educação (Educação, 2001) sejam interdependentes, o uso da arte como expressão na escola parece privilegiar o aprender a SER.
A arte e a expressão artística caberiam em sua disciplina? Sua aula teria espaço para essa visão de escola? Você conseguiria aprender a lidar com a arte, estudando e considerando o passado mas também deixando usarem as mais recentes possibilidades que a tecnologia oferece?
Dúvidas importantes? Certezas provisórias? Por onde começar?
1 “A vida imita a arte”, Oscar Wilde
2 www.mundodosfilosofos.com.br/escolastica.htm , 2000.
3 http://www.france.org.br/abr/label/label44/dernier/dernier.html - jan2002
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