sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018


UM OLHAR SOBRE A COLETA SELETIVA E A RECICLAGEM NO MUNICÍPIO DE NEPOMUCENO MG: A COOPERATIVA RECLICLANEP.


Para citar esse artigo:

LIBERATO, Vanderleia ; SILVA, Barbara ; SANTOS, Vladimir ; VALLIN, CELSO . Um olhar sobre a coleta seletiva e a reciclagem no município de Nepomuceno MG: a cooperativa Reciclanep. In: I Congresso Internacional e III Congresso Nacional Movimentos Sociais e Educação ? 20 a 22 de setembro. UESC, 2016, Ilhéus BA. I Congresso Internacional e III Congresso Nacional Movimentos Sociais e Educação ? 20 a 22 de setembro. UESC. Ilhéus BA: UESC, 2016. v. único


Resumo: Nos últimos anos, o debate sobre a preservação ambiental e os problemas ambientais tem sido alvos de discussões e o que mais se destacam entre eles é o acúmulo de resíduos sólidos. Nesse contexto, a coleta seletiva tem sido apontada como uma das alternativas promissoras no sentido de auxiliar na diminuição do volume de resíduo sólidos e também como uma forma de gerar renda para a população em condição de vulnerabilidade social e econômica. Este estudo é resultado de uma pesquisa feita na cidade de Nepomuceno MG e teve como objetivo conhecer o trabalho da cooperativa de catadores de materiais recicláveis do município de Nepomuceno (RECICLANEP) e os benefícios desta atividade. Para atingir tal objetivo, foi feita a observação do cotidiano dos trabalhadores cooperados e, também, entrevistou-se os cooperados e o administrador da cooperativa. Por meio dos resultados alcançados, foi possível conhecer a história de criação da cooperativa e como ocorre o processo de coleta seletiva no município. Foram encontrados muitos benefícios provenientes do trabalho na Cooperativa tanto para os antigos trabalhadores do lixão, para a cidade e para o meio ambiente.

17 páginas

Introdução
Ao longo dos anos, os problemas ambientais tem sido alvo de debate em vários campos de pesquisa. À medida que crescem os problemas, são propostas novas alternativas para minimizá-los.
A reciclagem é uma forma de destinar parte do resíduo sólido produzido de forma responsável e vários materiais podem ser reciclados, entre eles, o vidro, o metal, o alumínio, o papel, plástico entre outros. Assim, por meio da reciclagem, obtém-se a diminuição significativa da poluição do ambiente.
Neste cenário a coleta seletiva torna-se uma ferramenta importante na promoção da reciclagem e seus benefícios são vários e alguns deles são destacados por Rodrigues e Cavinatto (2000): redução do resíduo sólido na fonte geradora, reaproveitamento de matérias primas, geração de renda com a inclusão social, minimização do impacto ambiental causado pelo aterramento de resíduos no solo e da poluição das águas e do ar e aumento da vida útil dos aterros sanitários.
Na atualidade, boa parte das embalagens dos produtos consumidos pode ser separada e destinada ao processo de reciclagem. Por meio deste processo, novos materiais surgem dando origem a outros produtos que podem ser absorvidos pelo mercado. No entanto, para que o processo de reciclagem seja possível é preciso que ocorra, primeiramente, a coleta seletiva. Para tanto, a população precisa ter consciência de seu papel participativo.
O processo da reciclagem tem levado muitos desempregados a buscar trabalho neste setor e desse modo conseguir renda para manterem suas famílias. Associações e Cooperativas de catadores de materiais recicláveis já permeiam em grandes e pequenos centros urbanos por todo o Brasil trazendo benefícios a toda população.
Entendendo a importância da coleta seletiva e suas contribuições para o ambiente, o tema foi alvo de estudos por mestrandos do Programa de Pós Graduação em Educação da Universidade Federal de Lavras, durante a disciplina Ensino, Cultura e Meio Ambiente. O trabalho teve como objetivos conhecer o cotidiano da Cooperativa de materiais recicláveis de Nepomuceno (RECICLANEP), e perceber como os sujeitos da Cooperativa avaliam a participação da sociedade além da contribuição da mesma para que o trabalho da cooperativa aconteça de forma efetiva.


O lixo como problema social e ambiental
Durante a revolução industrial vários fenômenos aconteceram. Os modos de produção artesanal e familiares sofreram um declínio e as indústrias de produção em grande escala passaram a ser dominantes. Impulsionado por essa transformação houve uma grande migração dos povos das áreas rurais para as áreas urbanas. Nesse sentido cada vez mais temos o crescimento das cidades e a diminuição do meio rural. Segundo Mucelin (2008) essa crescente mudança do meio urbano tem causado muitos impactos ambientais como, por exemplo, a produção exacerbada de resíduo motivada pelo consumismo exagerado.
Atualmente os resíduos sólidos produzidos pelas cidades seguem uma classificação pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) NBR 10004 de 2004. O objetivo dessa normatização é classificar os resíduos sólidos quanto aos seus riscos potenciais ao meio ambiente e a saúde pública a fim de que tenham um gerenciamento adequado. Ainda segunda a NBR 10004/2004 resíduos sólidos tem a seguinte definição:
Resíduos nos estados sólidos e semi-sólido, que resultam de atividades de origem industrial, doméstica, hospitalar, comercial, agrícola, de serviços e de varrição. Ficam incluídos nesta definição os lodos provenientes de sistemas de tratamento de água, aqueles gerados em equipamentos e instalações de controle de poluição, bem como determinados líquidos cujas particularidades tornem inviável o seu lançamento na rede pública de esgotos ou corpos de água, ou exijam para isso soluções técnica e economicamente inviável em face à melhor tecnologia disponível. NBR 1004/2014.
A partir desta definição os resíduos sólidos seguem a seguinte classificação de acordo com a normatização:
  1. Resíduos Classe I – Perigosos
  2. Resíduos Classe II- Não Perigosos
3- Resíduos Classe II A- Não Inertes
4- Resíduos Classe II B- Inertes
De acordo com Costa e Fonseca (2009) os novos padrões de consumo resultantes dos avanços tecnológicos tem gerado uma produção de resíduos crescente em ritmo superior a capacidade de absorção da natureza. Além de grandes quantidades o descarte incorreto desses resíduos é capaz de colocar em risco e comprometer os recursos naturais.
Tendo em vista a crescente problemática do uso de recursos naturais e do descarte de resíduos sólidos, a partir dos anos 70 iniciou-se politicas objetivando o esclarecimento de normas referentes à forma mais adequada de coleta e, principalmente de disposição do material descartado. Em países industrializados a tendência é de estabelecimento de critérios e incentivos que permitam a implantação de programas de prevenção e redução de resíduos na fonte geradora além de programas de recuperação dos recursos dos resíduos (BROLLO e SILVA 200).
O grande avanço tecnológico e o processo de industrialização, em todo o mundo, tem gerado um grande acúmulo de resíduos sólidos. Em 2010 no Brasil, surge a Lei N. 12.305/2010, que instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos, tendo como meta resolver o problema da destinação final adequada no Brasil, com os princípios, os objetivos, as diretrizes e os instrumentos relativos à gestão integrada e ao gerenciamento de resíduos sólidos, estabelecendo, em seu art. 54, o prazo de 04 (quatro) anos para a extinção completa dos lixões e a disposição final dos resíduos sólidos em aterros sanitários.
No entanto, cinco anos após a lei instituída acima, prorroga mais uma vez o prazo para o fim dos lixões, que começa no ano de 2017, como prazo mínimo para a extinção do mesmo, sendo que este prazo varia de acordo com o númer de habitantes do município, se estendendo até 2021 e diante dos prazos definidos na legislação a coleta seletiva torna uma ferramenta que vem para contribuir uma boa parte com a extinção dos lixões. (BRASIL, 2015)
A coleta seletiva está amparada no decreto Nº 5.940, de 25 de outubro de 2006 onde há a separação dos resíduos recicláveis descartados pelos órgãos e entidades da administração pública federal direta e indireta, na fonte geradora, e a sua destinação às associações e cooperativas dos catadores de materiais recicláveis, e dá outras providências e segue em seus respectivos artigos:
Art. 1o  A separação dos resíduos recicláveis descartados pelos órgãos e entidades da administração pública federal direta e indireta, na fonte geradora, e a sua destinação às associações e cooperativas dos catadores de materiais recicláveis são reguladas pelas disposições deste Decreto. 
I  - coleta seletiva solidária: coleta dos resíduos recicláveis descartados, separados na fonte geradora, para destinação às associações e cooperativas de catadores de materiais recicláveis;
Art. 3o  Estarão habilitadas a coletar os resíduos recicláveis descartados pelos órgãos e entidades da administração pública federal direita e indireta as associações e cooperativas de catadores de materiais recicláveis que atenderem aos seguintes requisitos:
I - estejam formal e exclusivamente constituídas por catadores de materiais recicláveis que tenham a catação como única fonte de renda;
  II - não possuam fins lucrativos;
III - possuam infraestrutura para realizar a triagem e a classificação dos resíduos recicláveis descartados; IV - apresentem o sistema de rateio entre os associados e cooperados. 


Em relação a separação dos resíduos sólidos existem diferentes formas de descarte de resíduos como Aterros Sanitários, Lixões, Incineradores, Reciclagem e Usinas de compostagem. Dentre os destinos possíveis para o lixo, um dos mais agressivos é o descarte sobre o solo a céu aberto e sem critérios técnicos e ações de proteção ao meio ambiente conhecidos como lixões (AZEVEDO, 2015). Esse lixo acumulado libera um líquido de coloração escura e mal cheirosa chamado chorume, que contamina o solo e as águas subterrâneas (ARAUJO et. al. 2006).
Além disso, Pereira Neto (2007) ressaltam que esses ambientes são propícios para proliferação de vetores de doenças e para o crescimento da população de ratos baratas e moscas entre outros animais. A associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (ABRELPE, 2013) revela que 3.344 municípios ainda descartam os resíduos em locais impróprios sendo 1569 desses municípios em lixões, ainda que esse seja uma forma inadequada de disposição final.
Neste sentido a reciclagem feita de modo correto, no qual todos os resíduos sólidos são devidamente separados tem sido uma das opções mais adequada para o descarte do resíduo solido, porém, não pode desvincular da diminuição do consumismo, pois, não é pelo fato de ter um destino final das embalagens, que o consumo deve ser promovido.
Além dos problemas ambientais os lixões também são a fonte de grandes problemas sociais. Siqueira (2008), afirma que as condições de trabalho dos catadores de materiais recicláveis são precárias. As famílias improvisam barracos nas proximidades dos lixões e convivem com os resíduos diariamente, as crianças brincam sobre os resíduos sólidos enquanto os pais fazem a seleção de materiais recicláveis e de materiais que julgam em condições de uso. Muitas das vezes o contato direto com este ambiente podem causar problemas de saúde para os envolvidos pelo fato de conviver com transmissores de doenças e materiais cortantes. As cooperativas de catadores são importantes para a melhoria dessa sociedade exposta a tantos problemas.
Além do problema social de quem trabalha diretamente com o manuseio resíduo sólido, outros fatores podem ser considerados como efeitos negativos do excesso do mesmo para a sociedade como, por exemplo, contaminação, intoxicação e poluição. Segundo Ferreira (2001), a decomposição do lixo forma gases que podem provocar muitas doenças inclusive doenças respiratórias, causar explosões e poluição do ar.
Tendo em vista os problemas sociais e ambientais causados pelos resíduos sólidos, é necessário um esforço para que em primeiro lugar, o consumismo seja diminuído, o que exigiria menos matéria prima, em segundo lugar, para que o poder público se empenhe em dar o descarte correto ao resíduo sólido e propiciar condições para que a reciclagem possa se tornar fonte primaria de descarte em nosso país.


Associações e Cooperativas como uma das alternativas para o meio ambiente.
Ribeiro e Besen (2006) mostram que a organização dos catadores no Brasil iniciou-se em 1985, com a formação da Associação de Carroceiros no Município de Canoas, e em 1986, com a fundação da Associação de Catadores de Material de Porto Alegre, da Ilha Grande dos Marinheiros, na Região Metropolitana de Porto Alegre. Em São Paulo constituiu-se a organização dos Sofredores de Rua (1986), que se tornou a Cooperativa de Catadores Autônomos de Papel, Aparas e Materiais Reaproveitáveis – Coopamare (1989), e em Belo Horizonte (1990) formou-se a Associação de Catadores de Papel, Papelão e Material Reaproveitável – Asmare.
De acordo com Rodrigues e Cavinato (2000), o processo de reciclagem significa transformar produtos usados em matéria prima para novos produtos para o próprio consumo. Esta necessidade foi despertada pelos seres humanos a partir do momento em que se verificaram os benefícios que estes procedimentos trazem para o planeta terra. Por meio do processo de reciclagem, preserva-se o meio ambiente e também se geram condições de trabalho para muitas pessoas que se envolvem no processo.
O processo de reciclagem tem levado muitos desempregados em várias cidades a buscar trabalho neste setor e assim conseguir renda para manterem suas famílias. Associações e Cooperativas de catadores de materiais recicláveis já permeiam em grandes e pequenos centros urbanos por todo o Brasil trazendo benefícios a toda população. Muitos municípios já contam hoje com a coleta seletiva feita em alguns casos por parcerias com prefeituras para melhoria de condições de trabalho, na qual o material a ser reciclado já chega as fábricas pronto para ser organizado, evitando assim um árduo trabalho por meio de carrinhos manuais.
Diante deste fato, alternativas como a reciclagem tem causado uma grande mudança no atual cenário ambiental, uma vez que são destinados às cooperativas e associações de matérias recicláveis uma boa parte do resíduo sólido produzido pelas pessoas e também pelo processo de industrialização.
Pereira (2013) relata que o percentual de cidades que mantêm cooperativas e associações de catadores chegam a 65% do agregado. O apoio às cooperativas se baseia em maquinários, galpões, ajudam de custo com água e energia elétrica, capacitações e investimento em educação ambiental para que aconteça um trabalho de qualidade.
O trabalho é realizado por meio de uma separação de muitos produtos por meio de coleta seletiva, vindo de várias fontes do município, como casas residenciais, empresas de diferentes comércios, indústrias, escolas, entre outras e delas se destacam os principais objetos, vidro, alumínio, papel, metal, óleo de cozinha e o plástico, e por meio da reciclagem obtém-se a diminuição significativa da poluição do solo, da água e do ar.
Na atualidade, em boa parte dos produtos consumidos a embalagem pode ser separada e destinada ao processo de reciclagem, e por meio deste processo novas materiais surgem dando origem a outros produtos que podem ser absorvidos pelo mercado, e, além disso, podem gerar mais matérias-primas, reduzirem os gastos com os custos de produção.
A participação da população nos programas de coleta seletiva é voluntária na maioria das cidades. A mobilização para a separação dos materiais recicláveis na fonte geradora – papéis, vidros, plásticos e metais, entre outros – é realizada através de campanhas de sensibilização promovidas junto aos bairros, condomínios, escolas, comércio, empresas e indústrias (RIBEIRO; BESEN, 2006).
Diante das diferentes alternativas para o destino final dos resíduos sólidos produzido, nota-se que é possível verificar a grande importância do trabalho das cooperativas e associações dentro do município, considerando que uma das grandes preocupações do momento é a situação ambiental no mundo e tendo em vista que o resíduo sólido produzido tem causado sérios danos à natureza, a alternativa acima vem como meio de trabalho, inclusão social e também ferramenta de proteção ambiental. Cabe ressaltar que além das cooperativas e associações, existem também os catadores individuais que fazem seu trabalho de forma autônoma.
Braz et al. (2014) mostram que os catadores de resíduos recicláveis estão subdivididos em três categorias: os catadores de rua e dos lixões, os que trabalham de maneira autônoma e os organizados em associações e cooperativas. No Brasil, estima-se que o número de catadores de materiais recicláveis seja de aproximadamente 500.000(quinhentos mil), estando 2/3 no estado de São Paulo. Conforme dados da Companhia Municipal de Urbanização de Goiânia – COMURG, em Goiânia, no ano de 2004, foram identificados 506 catadores que coletam materiais recicláveis na cidade (MEDEIROS; MACEDO, 2006, p.65).
Percebe-se que o trabalho dos catadores é uma garantia de trabalho feito por eles mesmo, uma vez que tanto a decisão de ir para ruas, lixão, ou até mesmo a iniciativa de uma associação ou cooperativa, é uma tomada de decisão individual, e decisão muitas vezes forçada, porque muitos deles não conseguem empregos formais e veem na reciclagem de produtos uma única fonte de trabalho para tirar o seu sustento e da sua família.
No entanto, diante de todas as mazelas, precarização e dificuldades encontradas pelas associações e cooperativas, as mesmas estão crescendo de forma significativa por todo país além de se tornarem uma contribuição muito grande na prevenção do meio ambiente e na próxima seção será abordado os benefícios ambientais que são promovidos pelas mesmas.
A coleta seletiva e a reciclagem têm um papel fundamental para o meio ambiente, por meio delas diminuem a retirada de novas matérias-primas que seriam retiradas da natureza. Pode-se definir a coleta seletiva da seguinte forma “é um processo de recolhimento de materiais recicláveis: papéis, plásticos, vidros, metais e orgânicos, previamente separados na fonte geradora e que podem ser reutilizados ou reciclados.” A coleta seletiva funciona, também, como um processo de educação ambiental na medida em que se sensibiliza a comunidade sobre os problemas do desperdício de recursos naturais e da poluição causada pelo resíduo sólido.


Metodologia
O método de pesquisa foi observação e questionário semiestruturado, sendo que esta se trata de uma pesquisa qualitativa e descritiva. Os dados foram também coletados por meio de troca de informações com os cooperados e o administrador da cooperativa. Para atingir os objetivos da pesquisa, foram pesquisados dados sobre a estruturação da cooperativa, sobre a coleta seletiva, quantidade de material, escolaridade, salário e sobre as condições de trabalho dos cooperados.

Procedimentos
Na medida em que acontecia o processo de observação, as dúvidas iam surgindo e a partir delas, procurava-se fazer novas observações. Para analisar os dados, utilizou-se a técnica de análise de conteúdo das informações repassadas pelo administrador e a leitura das anotações que foram realizadas durante o período de observação.

Locus da pesquisa
O trabalho foi realizado em uma cooperativa de catadores de matérias recicláveis do município de Nepomuceno, no estado de Minas Gerais. A mesma se encontra a 3 km da cidade, e funciona próximo ao antigo lixão. O trabalho acontece em um galpão construído pela Prefeitura, que possui em torno de 500m², tendo apenas cobertura, possui uma copa e um banheiro.
A Cooperativa foi fundada em setembro de 2013 em parceria com a Prefeitura Municipal. O nome fantasia adotado foi Reciclanep. A cooperativa está formalmente regularizada, uma vez que possui alvará de funcionamento, paga seus tributos ao INSS, recolhe FGTS dos trabalhadores e paga todas as despesas junto da Receita Federal.
Atualmente, são 14 cooperados que vivem da renda da cooperativa e três funcionários que são pagos pela mesma. Os cooperados são oriundos do antigo lixão, sendo seis homens e oito mulheres. A cooperativa é administrada por um funcionário contratado pela cooperativa
A Prefeitura subsidia a Cooperativa repassando os valores referentes às despesas com o pagamento de Receita Federal.

Resultados e discussão

Entre os benefícios da cooperativa de catadores de materiais recicláveis do município de Nepomuceno podem ser destacados os seguintes: a coleta seletiva contribuiu para aumentar a consciência ecológica da sociedade, pelo fato de chegar até a cooperativa, vinte cinco por cento de material reciclável que antes eram todos destinados para o lixão; auxilia na geração de renda para os antigos trabalhadores do lixão; proporciona benefícios econômicos para o município uma vez que os cooperados contam com um salário mensal; diminuiu o trabalho feito com a limpeza urbana devido ao processo de coleta seletiva.
Uma descoberta que merece destaque é o fato de alguma residência não disponibilizar para o caminhão de coleta alguns tipos de materiais que são considerados de maior valor como pet, alumínio e metal. Isso ocorre porque o mesmo comprador que compra os materiais recicláveis da cooperativa compra também diretamente da população passando nas casas. Com isso, os moradores preferem ganhar algum dinheiro vendendo diretamente estes materiais do que fornecer para a cooperativa.
Segundo os cooperados a venda dos materiais é feita dentro do município devido ao fato que eles ainda não têm uma produção suficiente para que sejam vendidos na “REDE”
Aquino et al (2009) mostra que a mesma é formada pela união de varias associações e cooperativas que se tem como objetivo propor uma forma de organização logística para as associações de catadores de materiais recicláveis realizarem a comercialização direta de seus produtos às indústrias recicladoras, visando à agregação de valor e partir da organização das associações de catadores em rede, todas elas conseguem comercializar produtos diretamente com indústrias recicladoras, e, juntas, obteriam uma agregação de 32% no valor dos produtos comercializados.
Com isso nota-se que se a população contribuísse mais com a separação do material, a quantidade de produção aumentaria e com isso o ganho econômico dos cooperados da cooperativa também seria maior. Outro fator que chama a atenção foi um dos relatos de uma cooperada, que disse que existe uma grande procura de novas pessoas que querem se incorporar ao grupo, mas segundo a mesma isto não é possível devido à baixa produção, e que hoje eles contam com 25% de material reciclável e se chegasse a 40 % eles não daria conta, por causa do trabalho ser quase todo manual, e só assim seria necessário ter mais cooperados.
Embora a cooperativa tenha sido criada com o intuito de retirar os catadores de materiais recicláveis do lixão, esse objetivo não foi totalmente atingido. Isso ocorre porque há uma parcela significativa da população que ainda não contribui com o trabalho da cooperativa, ou seja, não separa o resíduo sólido reciclável do resíduo sólido descartável nas residências.
Assim, muitos cooperados ainda vão para o lixão – que fica próximo a usina de reciclagem – para buscar materiais que são recicláveis e que não deveriam estar no lixão. Nessa situação, mais uma vez, fica evidente a necessidade de promover ações de conscientização da população.
A coleta seletiva também é feita em parceria com a Prefeitura que fornece o motorista para fazer o trabalho do caminhão e os funcionários da cooperativa trabalham de forma alternada no recolhimento dos materiais recicláveis nas portas das residências e essa coleta é feita todos os dias, alternando a rota de passagem nos bairros.
A estimativa de quantidade de material coletado circula entre 3 a 4 toneladas por dia. No entanto, conforme informam os cooperados, chega-se a usina de reciclagem, todos os dias, juntamente com o material que é reciclável, uma quantidade significativa de material que é refugado como madeira, isopor, tecidos, e este material são retirados do local todos os dias e levado para o lixão.
No que se refere à venda do material reciclável, o principal comprador é do próprio município, sendo ele proprietário de uma usina de reciclagem autônoma e particular. Este, no entanto, também faz coleta seletiva nas ruas da cidade, comprando diretamente dos moradores os materiais de maior valor. Isso se configura como um empecilho aos cooperados que acabam não recebendo estes materiais de maior valor como pet, latas de alumínio, metais entre outros. Tendo em vista que a população vende diretamente a este coletor, eles não entregam estes materiais gratuitamente para a reciclagem preferindo ganhar com esta negociação.
Observa-se, portanto, que embora a coleta seletiva tenha sido implantada, não houve conscientização por parte da população de que o esforço em selecionar o material para destinar à usina é benéfico no sentido de gerar renda para cooperados em condições de vulnerabilidade econômica. Conforme discutem Rodrigues e Silva (2009, p.175), a educação ambiental poderia ser muito benéfica nesse sentido, uma vez que “a educação ambiental é um dos meios para se adquirir as atitudes, as técnicas e os conceitos necessários à construção de uma nova relação com o meio ambiente”.
A educação ambiental conscientizadora poderia ser de grande utilidade para ajudar a população a repensar suas ações uma vez que ao disponibilizar esses materiais para a coleta seletiva ela estaria contribuindo para a geração de renda dos cooperados que vivem em condições de vulnerabilidade social e econômica. Assim, deve-se mostrar como é importante que se tenha ações conjuntas quando se trata de coleta seletiva, ou seja, cooperativa e prática de educação ambiental apesar de encontrar diversos conflitos devem tentar unir-se com o poder público e com a sociedade para que aconteça um movimento realmente favorável de melhoria de qualidade de trabalho e vida para os trabalhadores.

O sistema de trabalho dos cooperados e funcionários

O trabalho dos cooperados é fazer a triagem e separação dos materiais, sendo que todo material é separado por qualidade, sendo: pet, por cores separadas, papelão liso, de cor, úmido, molhado, papel branco, entre outros, e segundo os cooperados cada um tem seu preço, dependendo de quais situações ele chega ate a usina. Esse processo não segue uma divisão formal do trabalho. Cada cooperado atua em forma de rodízio, ou seja, eles não possuem um posto de trabalho fixo. Um dia, atua separando plástico, no outro separando papel, no outro embalando para venda e assim por diante.
Apesar da criação da cooperativa em 2013, ainda hoje, as máquinas não estão funcionado porque o sistema de voltagem das mesmas é incompatível com o sistema da usina. A Prefeitura ainda não providenciou a adequação apesar de ser um pedido constante junto aos órgãos competentes. Por isso, praticamente todo o trabalho de triagem, prensagem e embalagem é feita manualmente.
A carga horária de trabalho dos cooperados é de 8 horas diárias, começando logo bem cedo e com termino às catorze horas. Permanece sempre um vigia no local, pois há relatos de roubo e vandalismo na cooperativa. Eles fazem suas refeições no próprio local. Os cooperados utilizam equipamento de segurança, como luvas, máscaras, botinas entre outros e reconhecem a importância do uso dos mesmos. Os cooperados relataram que há indagações a respeito do horário de trabalho dos mesmos, pois segundo eles muitas pessoas acham que o trabalho deveria acontecer o dia todo.
Diante dos relatos dos cooperados outro ponto importante a ser destacado quanto ao trabalho realizado, onde todas as decisões são tomadas em união do grupo, por meio de assembleias para que tudo seja votado. A convivência entre os cooperados criam apresenta relações de respeito e de cumplicidade. Em um dos relados a cooperada relatou a compreensão e o entendimento com aqueles trabalhadores de idade mais avançada que não tem uma produção elevada. A partir disto podemos perceber a satisfação dos cooperados em relatar um trabalho onde há espaços para descontração, brincadeiras e respeito mutuo.
O salário mensal que os cooperados recebem está entre R$800,00 e R$1.000,00. Esse salário é pago com a venda dos materiais recicláveis uma vez que a prefeitura subsidia apenas os gastos com Receita Federal, motorista e manutenção do caminhão usado na coleta seletiva.

5. Considerações gerais

Entre os benefícios da cooperativa de catadores de materiais recicláveis do município de Nepomuceno podem ser destacados os seguintes: a coleta seletiva contribui para aumentar a consciência ecológica da sociedade; auxilia na geração de renda para os antigos trabalhadores do lixão; proporciona benefícios econômicos para o município uma vez que os cooperados contam com um salário mensal; diminuiu o trabalho feito com a limpeza urbana devido ao processo de coleta seletiva.
Um dos benefícios que merece mais destaque é a mudança significativa da quantidade de resíduos sólidos que é retirado do meio ambiente e que se torna matéria-prima para novas embalagens diminuindo os impactos ambientais.
No caso da Reciclanep é notável que a parceria com a prefeitura local seja uma das condições que possibilitam o funcionamento da mesma, porque os ganhos pela produção não compensaria tributos com a receita, como também despesa com caminhão de coleta.
Outro ponto que merece destaque está relacionado com a forma de divisão do trabalho, percebemos que o regime de trabalho dos mesmos foge as bases do capitalismo, e o trabalho é baseado na cooperação com respeito, compreensão e divisão de trabalho de forma justa. Os associados relataram que gosta de trabalhar na cooperativa, e estão no local por opção.
Em relação ao que é resíduo sólido na atualidade é notável que a palavra conota a outras formas de entendimento, uma vez que para a grande maioria da sociedade descarta “resíduo sólido” para muitos não é resíduo sólido, e tomando como caso especifico da Cooperativa de Nepomuceno, o material reciclável que chega até a usina de separação, é preciso que tenha um vigia vinte quatro por dia, porque caso o contrário pessoas vão até o local para furtar o material já recolhido.
Pode-se, portanto, concluir este trabalho afirmando que a coleta seletiva e a organização dos trabalhadores catadores de resíduos sólidos em cooperativa se configuram como uma alternativa importante e viável para contribuir com os impactos ambientais na perspectiva de minimizar o problema do resíduo sólido e da falta de renda dos sujeitos envolvidos nesta atividade. Mas, se estes dois aspectos não foram implementados juntamente com ações sociais conjuntas que visam promover conscientização da população, como também buscar juntamente seus direitos ao poder publico, a necessidade de transformar se perde no meio do caminho.
Portanto, por meio dos resultados obtidos entende-se o município pesquisado precisa ser conscientizados em relação a sua participação junto ao meio ambiente, entendendo que o meio ambiente não é uma parte em si só, mas sim tudo que o cerca e que o homem faz parte de tudo que se relaciona com o meio ambiente. Os sujeitos devem ter condições de participar e agir sobre o problema encontrando meios para solucioná-los sustentavelmente.
Loureiro (2004) define participação da seguinte forma: participar é compartilhar poder, respeitar o outro, assegurar igualdade de decisão, propiciar acesso justo aos bens socialmente produzidos, de modo a garantir a todos a possiblidade de fazer sua história no planeta, de nos realizarmos em comunhão. Participação significa o exercício da autonomia, com responsabilidade, com a convicção de que a nossa individualidade se completa com a relação com o outro e o mundo e que a liberdade individual passa pela liberdade coletiva.
Portanto, conclui-se que uma Educação Ambiental critica transformadora, emancipatória e libertadora deve ser pautada em um conhecimento vivo e real, eles devem ser apropriados, construídos de forma coletiva, cooperativa, continua, interdisciplinar, democrática e participativa, com a intenção de se ter grupos ativos e participantes na melhoria do meio ambiente, a autonomia de grupos sociais na construção de alternativas sustentáveis, o amplo direito à informação como condição para a tomada decisão, mudanças de atitudes, aquisição de habilidades especificas, a problematização da realidade socioambiental (LOUREIRO, 2010).
É preciso defender a promoção de ações conjuntas para que se consiga realmente promover maior qualidade de vida para a população seja no sentido de retirar trabalhadores do lixão gerando renda para eles, como também retirar o resíduo sólido reciclável do meio ambiente. No caso de Nepomuceno em relação à educação ambiental, os resultados deste trabalho mostram que é preciso um trabalho voltado para esta área a fim de ter uma melhoria social significativa tanto para os cooperados, como também para todo o município e um trabalho que envolva ações educativas criticas e que desperte o olhar de futuros pesquisadores podem ser objetos de estudo para uma nova pesquisa.

REFERÊNCIAS
AQUINO, I. F. de; CASTILHO JUNIOR, A. B.; PIRES, T. S. de L. A organização em rede dos catadores de materiais recicláveis na cadeia produtiva reversa de pós-consumo da região da grande Florianópolis: uma alternativa de agregação de valor. Gestão e Produção, v. 16, n. 1, p. 15-24, jan-2016.

ARAÚJO, B. G. P.; OLIVEIRA JÚNIOR, E. F.; VIEIRA JUNIOR, A. S. Resíduos Sólidos Urbanos: análise sobre a situação do conjunto Albano Franco – Riachão do Dantas–SE. 2013. Disponível em: http://fjav.com.br/revista/Downloads/EdicaoEspecialdaPosLatoSensuemTerritorioDesenvolvimentoMeioAmbiente2013/Artigo45_58.pdf. Acessado em: 20 de Jan.de 2016.
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EMPRESAS DE LIMPEZA PÚBLICA E RESÍDUOS ESPECIAIS (ABRELP). Panorama dos resíduos sólidos no Brasil 2011. Disponível em: http://www.abrelpe.org.br/Panorama/panorama2011.pdf. Acesso em: 20 de jan.de 2016.
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ATINGIDOS PELA BARRAGEM DO FUNIL: ANALISANDO PROMESSAS, REALIDADE E POSSIBILIDADES. Jeferson Monteiro de ANDRADE; Maria Betânia de Castro Nunes SANTOS; Celso Vallin. 2016


Para citar esse artigo:
ANDRADE, Jeferson M. ; SANTOS, Maria Betânia C. N ; VALLIN, CELSO . Atingidos por Barragem do Funil: analisando promessas, realidade e possibilidades. In: I Congresso Internacional e III Congresso Nacional Movimentos Sociais e Educação ? 20 a 22 de setembro. UESC, 2016, Ilhéus BA. I Congresso Internacional e III Congresso Nacional Movimentos Sociais e Educação ? 20 a 22 de setembro. Ilhéus BA: UESC, 2016.


17 páginas

Resumo:O presente texto, resultado do trabalho final da disciplina “Ensino, Cultura e Meio Ambiente”, do Mestrado Profissional em Educação da Universidade Federal de Lavras (UFLA), versa sobre a construção da Usina Hidrelétrica do Funil, situada na divisa dos municípios de Lavras e Perdões, no sul de Minas Gerais, ocasionou para as populações atingidas pela barragem, uma nova realidade devido ao processo de desterritorialização. Trouxe também, um descaso com relação ao atendimento de suas demandas, ou seja, conflitos provenientes da divergência de interesses entre os atingidos pela construção da Usina e o consórcio responsável pelo empreendimento. Uma das comunidades atingidas por esse empreendimento é a Comunidade do Funil, situada no município de Lavras/MG. O presente estudo busca compreender o que a Associação dos Agropecuaristas da Ponte do Funil – Agrofunil representa para essa comunidade e no atendimento às suas demandas. Percebe-se a necessidade de melhor articulação dos moradores da comunidade com a Agrofunil, bem como a relação entre os próprios moradores, para que consigam transformar sua realidade que hoje é de total descaso tanto do poder público quanto do consórcio responsável pela Usina. A importância desse estudo reside na necessidade de melhor orientação por parte dos gestores da associação, bem como da própria comunidade, no sentido de se organizar coletivamente, visando às possibilidades de união e transformação.

Introdução:
O grande potencial para diferentes usos que o vasto território nacional propicia tem gerado tensões que, geralmente, produzem ações governamentais que beneficiam a classe empresarial e, às vezes, explodem em ações truculentas do poder público sobre as populações que estão à margem do sistema de produção/consumo.
Esse pressuposto estimulou a curiosidade com relação à população atingida pela construção da Usina Hidrelétrica do Funil, a Comunidade do Funil, consumada no final de 2002, onde se formou um lago artificial que inundou comunidades rurais tradicionais do município de Lavras e região.
Parte-se da afirmação de Loureiro (2011, p. 89) quando diz que
novos movimentos sociais” assumiram a luta pelo cotidiano e pela livre expressão e organização, mantendo uma posição autônoma diante do Estado, não o excluindo, porém, do diálogo na busca por soluções de problemas vivenciados.

Sabendo-se da existência de uma associação de produtores rurais naquela comunidade, chamada Agrofunil, a motivação que leva a esse estudo é saber o que a Agrofunil representa para a Comunidade do Funil, especificamente para os associados, no que diz respeito ao atendimento de suas demandas, buscando entender quais as consequências que as ações da associação trazem para a comunidade.
A importância desse estudo reside na necessidade de melhor orientação por parte dos gestores da associação, bem como da própria comunidade, no sentido de se organizar coletivamente, pois, conforme relatos, os moradores não têm suporte da Prefeitura, nem de órgãos de assistência técnica rural, nem do consórcio responsável pela Usina, que muitas vezes, cria mais barreiras para a organização autogestionária dos moradores da comunidade.
Ao final, serão oferecidas algumas sugestões no sentido de dinamizar os trabalhos da Agrofunil, o que irá requerer uma sequência de trabalhos posteriores e sob uma ótica interdisciplinar.

Metodologia:

O trabalho realizado trata-se de uma pesquisa qualitativa, sendo realizado um estudo de caso com o objetivo de descobrir “como” e “por quê” acontece a percepção dos moradores do Bairro da Comunidade do Funil sobre os problemas enfrentados, investigando as carências que o novo espaço proporciona aos moradores, e principalmente a Agrofunil, uma das associações criadas e que envolve a participação de algumas famílias dessa comunidade.
O presente trabalho foi desenvolvido em seis etapas assim distribuídas:
1ª: Revisão literária do tema em publicações especializadas e na rede mundial de computadores, no intuito de selecionar o maior número de informações pertinentes.
2º: Visita à comunidade do Funil para coleta de dados e entrevistas junto aos moradores associados da Agrofunil.
3ª: Consulta aos documentos para coleta de dados e informações a respeito da Agrofunil.
4ª: Análise dos dados obtidos nas etapas anteriores para formulação de resultados.
5º: Nova visita à comunidade do Funil para apresentação de resultados preliminares da pesquisa aos associados entrevistados.
6º: Proposta de conscientização sobre a importância e as potencialidades de uma associação, através de informativo e reunião com associados.

Referencial teórico:

A motivação para esse estudo se dá pela busca da conscientização da população Comunidade do Funil, vítimas da Usina Hidrelétrica do Funil, atualmente gerida pela Aliança Energia1, com relação ao processo de desterritorialização/territorialização, por entender que a retirada das famílias de forma arbitrária de seus locais de origem causa impactos marcantes em suas vidas, pois, constroem-se vínculos identitários com o lugar. Partindo da ideia de que “o sujeito pertence ao lugar como este a ele, pois a produção do lugar liga-se indissociavelmente à vida” (CARLOS, 2007, p. 22), infere-se que a conscientização visa a transformação do cotidiano buscando melhorias por meio da organização em movimentos sociais.
Essa necessidade é resultado da constatação dos problemas que surgiram após o reassentamento das populações atingidas pela barragem da Hidrelétrica do Funil.
A Constituição Federal em seu artigo 225, parágrafo 1º, inciso IV, traz a seguinte redação:
[...] todas as atividades efetiva ou potencialmente poluidoras e causadoras de degradação ambiental estão sujeitas ao licenciamento ambiental, sendo que as causadoras de significativa degradação ambiental devem por determinação constitucional, serem precedidas de estudo prévio de impacto ambiental.

O Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA), através da Resolução 001/86 tornou obrigatório o Estudo de Impacto Ambiental (EIA), onde se elabora o Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) que contém informações e conclusões de forma acessível sobre os impactos ambientais.
Acerca dos impactos ambientais, o CONAMA, através da Resolução 006/87, estabeleceu as várias etapas do processo de licenciamento e pela Resolução 009/87 garantiu a obrigatoriedade de audiência pública, em seu artigo 2º, sempre que se julgar necessário.
As construções de usinas hidrelétricas dependem de liberação das áreas que serão afetadas e acontece mediante o instrumento da Desapropriação Por Utilidade Pública que é regulamentado pelo Decreto-Lei Nº. 3.365/41. O artigo 2º do referido decreto traz o seguinte texto:
[...] Mediante declaração de utilidade pública, todos os bens poderão ser desapropriados pela União, pelos Estados, Municípios, Distrito Federal e Territórios. A exploração de serviços de energia elétrica é por força de lei de utilidade pública e exige para sua consecução, a necessária declaração, via ato administrativo (BRASIL, 2016).

Segundo Pereira (2014), muitos especialistas referem-se à desapropriação como sendo o divisor de águas entre os interesses individuais e coletivos, gerando conflitos. Pode-se agregar a essa ideia a definição de conflitos como sendo os fatos que “envolvem relações sociais de disputa ou tensões entre distintos grupos ou atores sociais pela apropriação ou gestão do patrimônio natural” (BRITO et al, 2011, p. 57), isto é, relaciona-se à diferença de interesses na territorialização num determinado ambiente.
De acordo com Souza (2009, p. 60), um dos efeitos negativos relevantes às comunidades atingidas por barragens se dá pela
Necessidade de abandonar um espaço já construído, com infra-estrutura básica já montada com moradias, produção, comércio, atividades comunitárias, atividades religiosas, educativas e lazer, e a desagregação social das famílias – vizinhança – que podem ser reassentadas juntas ou não.

Souza (2009) menciona que na relação entre as empresas do setor elétrico e as populações, sempre prevaleceu a estratégia do fato consumado, onde as populações representam um empecilho para o capital, que precisa ser removido.
Pereira (2014) relata a seguinte situação: para assegurar o andamento das obras muitos projetos escondem estes conflitos. As empresas responsáveis pelos estudos de EIA e RIMA, são contratadas pelo empreendedor e muitas não relatam as questões sociais de forma clara nos projetos. O foco é dado apenas na parte física (moradias), sem se preocupar com o lado social e econômico dos afetados.
Os atingidos por barragens passam a ter a necessidade de se organizar para a nova realidade que é o reassentamento, buscando novas maneiras de gerar renda para a sobrevivência e inclusão social. Empreendimentos solidários são necessários nessas novas comunidades, uma vez que as especificidades do local são totalmente diferentes e novas para essas famílias.
Como trata Curi Filho et al (2015, p. 38):
os empreendimentos econômicos solidários (...), que centralizam as suas atividades sob a lógica autogestionária e, ao mesmo tempo, estão inseridas no ambiente econômico capitalista, o que faz da solidariedade um movimento muitas vezes contraditório para os trabalhadores na busca de possibilidades para sua sobrevivência. Diferentemente de uma empresa capitalista tradicional, os gestores e membros desses empreendimentos são pessoas que, coletivamente, devem tomar decisões sobre todos os princípios que norteiam a economia solidária.

Na maioria das vezes, as decisões devem ser coletivas e efetivas para que ocorra uma nova organização dos trabalhos. Barbosa (2004) aponta que
Normalmente, o que motiva o ser humano a se organizar é a necessidade de enfrentar desafios.(...) Todos estes processos de organização social rural serviram como referência para que formas de organizações mais atuais se constituíssem, tais como Associações Rurais, Sindicatos de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais, Cooperativas Rurais e os movimentos de luta pela terra, dentre eles o MST.

De acordo com o SEBRAE2– SP (2015), o conceito de associação é:
Reunião ou o agrupamento de pessoas para a realização e consecução de objetivos comuns (ideais) sem a finalidade lucrativa. É dotada de personalidade jurídica. Assim, suas características são: reunião de diversas pessoas para a obtenção de um fim ideal, a ausência de finalidade lucrativa e o reconhecimento de sua personalidade por parte da autoridade competente.

Na criação de associações, baseada nos princípios da economia solidária, há organização coletiva em prol de objetivos sociais e em defesa de interesses de uma classe ou grupo, levando adiante uma atividade social que traga benefícios aos associados.
Araújo (2005) relata a percepção de que a educação ambiental não envolve apenas questões ecológicas, mas sim um universo muito mais amplo, que pressupõea participação social, por meio da qual é discutida a problemática ambiental local. O “verdadeiro” cidadão tem noção da posição que ocupa na sociedade e sabe dos seus conflitos. Sob este enfoque, a participação não consiste na recepção passiva dos benefícios da sociedade, mas na intervenção ativa na sua construção.
Por meio dessa participação, busca-se desenvolver técnicas e métodos que facilitem a tomada de consciência acerca da gravidade dos problemas ambientais.
Para Vainer (1993, p. 194 apud MENDES, 2005, p. 58).
[...] a evolução dos movimentos, a acumulação de experiências políticas e organizativas têm contribuindo, ao longo do tempo, para que diferentes, e muitas vezes contraditórias, representações da relação população meio ambiente coexistam, seja numa região, seja em movimentos de diferentes barragens.

Uma das formas para buscar soluções aos problemas e/ou conflitos ambientais é a organização coletiva para condução de ações pontuais, de emergências sociais e também de formação de lideranças conscientes,visando o fortalecimento da democracia e da cidadania. A criação de associações pode colaborar para alcançar tais objetivos.

Resultados:

Perdas relevantes para a Comunidade do Funil com a construção da Usina Hidrelétrica se mostram no âmbito cultural, histórico, social, econômico e ambiental. Analisando a história da Comunidade, da Usina e também da Agrofunil, podemos observar como essa construção interferiu diretamente no reordenamento e identificação na nova localidade. Falar da Comunidade sem falar da sua história, das pessoas dessa comunidade que se uniam através de uma ponte, chamada Ponte do Funil fica um pouco difícil, pois, a relação dessas pessoas com o seu “local” é uma relação muito forte. Foi feito então, um breve histórico da “Ponte do Funil”, da Usina Hidrelétrica do Funil e da Comunidade do Funil. Será relatado também o objeto principal de estudo que é a Agrofunil. E por fim, os relatos de dois membros dessa associação.

Sobre a Ponte do Funil3

Segundo Castro (2012) a Ponte do Funil de Lavras recebeu este nome por ter sido construída num trecho afunilado do Rio Grande, tendo sido encomendada pelo Comendador Jose Esteves de Andrade Botelho, natural de Lavras, no ano de 1844, vindo a ser concluída em 1869. A autora aponta relatos do professor, também lavrense, Firmino Costa afirmando que a estrutura serviu de rota para boiadeiros de diversas partes de Minas.
Fortes enchentes no ano de 1906 derrubaram a ponte. Entretanto, o estadista Francisco Sales contribuiu para a rápida reconstrução já no ano seguinte, utilizando na obra, operários ingleses. Conforme relato, “a ponte foi reconstruída em aço puro, com 125 metros de extensão, sendo sustentada por cinco pilares de pedra, feitos com argamassa à base de óleo de baleia”.
A referida ponte foi da maior relevância econômica para a cidade e região até a construção da BR-381 no final da década de 1960. Apesar disso, não perdeu importância turística, se constituindo como um dos cartões postais da cidade de Lavras.No ano de 2002 foi totalmente coberta pelas águas que formam o lago do Funil, resultado do represamento das águas do Rio Grande para o aproveitamento hidroelétrico.

Sobre a Usina Hidrelétrica e a Comunidade do Funil

Conforme breve histórico presente em um blog4 da cidade, a antiga comunidade da Ponte do Funil era localizada nos municípios de Perdões e Lavras e durante o processo de negociação/territorialização, optou-se por transferi-la para o município de Lavras/MG, pois após o enchimento da barragem, a ponte ficou submersa e dois lados do rio tornaram-se isolados, como se vê nas imagens 1 e 2. Diante desse fato, foi adquirido um terreno nas proximidades da antiga comunidade onde foi implantada toda a infraestrutura urbana com ruas asfaltadas, energia elétrica, sistema de esgoto e fornecimento de água potável, conforme podemos observar nas imagens a seguir.

Imagem 1: Ponte do Funil e comunidade adjacente
Fonte: <http://www.panoramio.com/photo/6198885>. Acesso em: 13 fev. 2016.


Imagem 2, Fonte: Google Earth Pro


Imagem 3: Organização espacial da Comunidade do Funil
Segundo Araújo (2005, p. 41),
a Usina Hidrelétrica Funil foi implantada pelo Consórcio empreendedor Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) e Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig) no Rio Grande, abrangendo áreas dos municípios de Lavras, Perdões, Bom Sucesso, Ijaci, Ibituruna, Itumirim e Ribeirão Vermelho, no sudoeste de Minas Gerais, além das comunidades de Pedra Negra, Paiol e Ponte do Funil.

A autora ainda coloca que as obras tiveram início em setembro de 2000, passando a operar em dezembro de 2002, com uma geração de 180 megawatts. Atualmente a usina é gerida pela Aliança Energia.
Para obter a licenças ambientais e implantar o projeto, o consórcio CEMIG/CVRD elaboraram
Um plano de controle ambiental que incluiu um elevador para a transposição de peixes, a recomposição de infraestrutura para as famílias que tiveram seus imóveis desapropriados, a relocação destas famílias e sua reativação econômica, a educação ambiental, a criação de unidades de conservação, o resgate da flora e fauna, etc. Para construir a represa do Aproveitamento Hidrelétrico Funil, diversas comunidades que se localizavam à margem do rio Grande, como Ponte do Funil, Pedra Negra e Paiol, além de 30% do distrito de Macaia, ficaram debaixo d´água. Houve a necessidade de relocar pessoas das comunidades rurais de Pedra Negra e Ponte do Funil e parte do distrito de Macaia (ARAÚJO, 2005, p. 42).

Conforme apontam os estudos, o distrito de Pedra Negra não se constitui mais por uma territorialidade rural, pois, passou a integrar a mancha urbana do município de Ijaci, fato semelhante ao ocorrido com a Comunidade da Ponte do Funil que após regularização dos imóveis junto à Secretaria de Obras da Prefeitura de Lavras, passou a pertencer oficialmente a este município na condição de bairro residencial com o nome de Comunidade do Funil, inclusive sendo cobrado dos moradores o IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano), conforme relato do entrevistado “B”. Curioso é que sua localização geográfica está a aproximadamente 10 km de distância do tecido urbano lavrense, conforme mostrado na imagem 4.


Imagem 4, fonte: Google Earth Pro

Esse fato evidencia uma das consequências da implantação da usina hidrelétrica: o processo forçado de desterritorialização/territorialização perverso causado por grandes empreendimentos. Araújo (2005) elencando algumas consequências da implantação da usina afirma que houve uma considerável mudança no modo de vida das pessoas, mudando seu estilo de vida rural para um estilo urbanizado, com estruturas urbanizadas. Conforme o blog Lavrasmg.wordpress (2012)
dentre as obras institucionais implantadas, foram construídos um campo de futebol, um centro cultural também utilizado como escola, um posto de saúde, duas praças, uma capela e uma Estação de Tratamento de Esgotos. Além destas obras, foi construída uma grande área de lazer na comunidade visando a utilização da orla, composta por toda uma infraestrutura com sanitários, chuveiros e churrasqueira e uma área destinada a camping.

Dialogando com Santos (1996), podemos perceber a relação entre as ações humanas alterando a configuração espacial e também, essa configuração espacial moldando as novas ações humanas. No caso específico da Comunidade do Funil, a alteração das ações daquelas famílias foi forçada, determinada de um lugar distante. Além disso, a nova infraestrutura é, muitas vezes, estranha ao próprio lugar, ou seja, estranha à dinâmica sociocultural construída pelos moradores ao longo de suas vidas.
É justamente essa situação que tem gerado conflitos de interesses entre os moradores da Comunidade e o consórcio que administra a usina, bem como entre os próprios moradores. Esses conflitos se tornam ainda mais evidentes quando se analisa a Associação dos Agropecuaristas da Ponte do Funil, a Agrofunil.

Sobre a Associação dos Agropecuaristas da Ponte do Funil -Agrofunil

De acordo com o Estatuto da Associação dos Agropecuaristas da Ponte do Funil, aprovado em Assembleia Geral em 19/11/2003, trata-se de uma sociedade civil, sem fins lucrativos, com prazo de duração indeterminado, com Sede no Povoado da Ponte do Funil, município de Lavras/MG. Dentre suas finalidades destaca-se “Contribuir para o fortalecimento econômico e social dos agropecuaristas associados, que foram realocados em função do empreendimento AHE Funil, estimulando o trabalho associativo e solidário”, o estímulo ao “aumento da produção e a melhoria da produtividade e da qualidade da produção de seus associados”. Para ambos se busca realizar compra de insumos e comercialização da produção, assistência técnica, financiamentos trabalhando coletivamente. Sua área de abrangência, para efeito de atuação, compreende os municípios de Lavras, Perdões, Ribeirão Vermelho, Bom Sucesso e Ijaci.
Com relação às receitas, despesas e patrimônio, a Associação terá seu capital formado por contribuições de seus associados, que poderão ser pagas de uma única vez ou em parcelas, com valor decidido em Assembleia. A receita da Associação deverá sair de percentuais a serem definidos previamente, por ocasião das vendas realizadas. Esses percentuais cobrados servirão para cobrir despesas gerais da sociedade. Os recursos financeiros da Associação serão depositados em conta a ser mantida em estabelecimento financeiro no município de Lavras – MG.
A associação poderá arrendar ou alugar, para terceiros, áreas e/ou equipamentos/implementos, desde que isso seja aprovado em Assembleia Geral e que não prejudique os interesses da entidade.
A seguir são apresentados alguns relatos importantes dos moradores da Comunidade entrevistados pelos autores deste trabalho e que compõem a Agrofunil.

Visita à Comunidade do Funil e à Agrofunil

No dia 15/01/2016 aconteceu a primeira visita à Comunidade do Funil com vistas a coletar informações sobre a Associação. Dois associados foram entrevistados e serão chamados a partir daqui de entrevistados “A” e “B”. Houve o cuidado de retornar à comunidade no dia 24 e 25/02/2016 e conversar novamente com esses entrevistados para mostrar-lhes os resultados preliminares da presente pesquisa uma vez que “a entrevista permite correções, esclarecimentos e adaptações que a tornam sobremaneira eficaz na obtenção das informações desejadas” (LUDKE; ANDRÉ, 1986, p. 34).

Conversa com o entrevistado “A”:

Indagado sobre a associação, “A” respondeu que “tem associação, mas não funciona. São dez famílias, aí individualmente funciona, mas em grupo não.” Com relação à comercialização de seus produtos (da Associação) “A” relatou que “tentou, mas não conseguiu não. Meu milho de 2015 e do “B” foi vendido na região, para um silo em Perdões e para um produtor em Lavras”.
Sobre a colaboração da usina, “A” respondeu: “a Usina ajudou com o insumo, muda, mourão, arame. Alugava terreno para trabalhar com maracujá e depois eles compraram o terreno no Paiol e agora plantaram eucalipto lá.” Lembrando que Paiol é uma comunidade rural próxima à comunidade do Funil.“A” afirma que utiliza a parte baixa do terreno para plantar milho. “O terreno não é bom para o cultivo do maracujá. O milho dá e o eucalipto também.” Sobre o terreno do Paiol, “A” respondeu que “são mais ou menos 15 hectares e está no nome da associação”. Sobre a participação da associação em feiras “A” responde: “não mexem com feira. Às vezes individualmente têm pretensão”.
Sobre a situação atual da Associação, “A” descreve a seguinte situação: “só têm alguns membros mexendo.” Completa ainda que “não existe benefício nenhum. Só temos prejuízo”.
Alguns membros são funcionários da Prefeitura Municipal de Lavras, e têm também a função de cuidar da comunidade: roçar, cuidar da bomba e da parte externa da escola também (grama e limpeza).
Na escola da comunidade existe um terreno onde se plantam verduras e legumes. O entrevistado foi questionado a respeito da horta e relatou o seguinte: “quando arrumamos serviço na Prefeitura o senhor “X” deu a ideia de fazer a horta. Quando sobra alguma coisa dá pra comunidade, mas é pra consumo da escola.” Nessa conversa, “A” informou que é feita uma campanha nos domicílios e nos ranchos próximos à comunidade para a coleta de latinhas de cerveja: “os ranchos ajudam com latinha” e completa: “com o dinheiro da latinha, os senhores “X” e “Y” compram as mudas e eu e “B” ajudamos a capinar e cuidar”. Nesse momento ele expõe a necessidade de maior articulação dos associados.
Questionado sobre a utilidade pedagógica da horta, “A” afirmou que “a escola andou levando os alunos pra plantar na horta. Um aluno da UFLA levou os alunos pra plantar na horta”.
Sobre parcerias “A” relatou que “A Prefeitura fornece só a Mão de Obra” e que “a usina não anda tendo interesse”.
Perguntou-se se houvesse parceria ou suporte para a associação, se ela poderia melhorar. “A” respondeu: “há dificuldade na parceria com a Usina no momento, mas há ganhos também”. E completa: “Existe vontade de mexer com um espaço maior para horta, mas a usina não quer liberar o terreno”.
Com relação às promessas feitas na época das negociações com a Usina, “A” afirmou que “a usina prometeu 2 hectares mais morada e até hoje isso não foi passado.”
Por fim, “A” foi indagado sobre a melhor forma de se poder ajudar a associação, ao que ele respondeu que “nós estamos fazendo o que pode, mas nós não temos tempo e precisaria da comunidade para ajudar.”

Conversa com o entrevistado “B”:

Sobre sua história “B” relata: “eu saí de onde eu morava com 27 anos de idade e não me deram o terreno.” Esse terreno que “B” cita nessa afirmação são os dois hectares que foram prometidos na época da negociação e do reassentamento. E reforça sua indignação: “nós temos objetivo e a usina trava, mas a gente quer o terreno que é de direito”.
B” ressalta o descaso da Usina com a comunidade quando afirma que “tem muita coisa pra arrumar na comunidade”. “Eu não acredito em mais nada. É só pro povo ouvir. Eles não vão pagar nada”.
Nesta mesma conversa, “B” faz uma afirmação inquietante: “depois vai apurar quem é o dono, é sempre político(grifo nosso). “B” informa ainda que “o contato com a usina é com uma funcionária administrativa que acompanha as associações”.
A respeito da associação “B” informa que “a ideia é continuar com a associação e desvincular da usina”,[pois], “o último convênio foi feito em 2008 e até hoje, mais nada.” Esse ‘desvincular da usina’ nos causa estranhamento, pois, no artigo 4º do estatuto da associação está dito que “A Associação dos Agropecuaristas da Ponte do Funil tem no seu gerenciamento independência de qualquer órgão oficial ou empresa particular”. Isso nos suscita a questionar se eles consideram os convênios como uma forma de elo entre a empresa que administra a usina e a Associação numa condição hierárquica ou se há alguma tentativa, mesmo que velada, de controle das atividades da Associação pela empresa.
Afirma ainda que “a Emater ajudava e depois parou”. Com relação ao funcionamento da associação, “B” é bem categórico ao dizer que “é muito difícil trabalhar coletivamente.” Questionado sobre a existência de outras associações, “B” responde que “tem duas associações: Agrofunil e Artfunil, e ainda, há uma Cooperativa, a “Cooperfunil da pesca e criatório.” Afirma também que “existe associação de moradores. O presidente é o senhor “W”, que mora aqui mesmo na comunidade”.
Sobre a horta, “B” declara que “dentro do estatuto não está incluída a horta. A gente acaba ajudando, mas não é da associação [Agrofunil], não.” Completa que a “a associação não tem nada a ver com a horta [mas] é uma horta comunitária que têm alguns responsáveis por cuidar dela”. “B” afirma ainda que “algumas pessoas dão dinheiro pra ajudar na horta. O povo dá as latinhas”. Esse povo o qual “B” se refere são os proprietários de casas de campo nas proximidades da comunidade e os donos de bares/restaurantes na própria comunidade. Essa ajuda permite que “na época do frio dá pra colher bastante”. Ele relaciona com o período de frio porque, segundo relata, é esse período o ideal para plantar. Apesar de diminuir um pouco a quantidade de latinhas de bebidas coletadas, o volume conseguido no período quente é suficiente para fazer uma pequena reserva de recursos e complementar a baixa coleta de latinhas no frio.

Considerações finais:

Conforme pode ser observado, há muita dificuldade de articulação da Agrofunil com a comunidade. Também há uma grande dificuldade de organização interna e união dos associados. Nesse sentido, aponta-se como sugestão inicial uma aproximação da Universidade Federal de Lavras com a comunidade, no sentido de auxiliá-los nos primeiros passos em direção a uma organização mais efetiva da associação.
Pode-se pensar essa aproximação com a oferta de cursos, palestras, informativos e outros meios de comunicação que sejam a ponte entre o conhecimento científico e o conhecimento dos moradores.
Como proposta de encerramento do trabalho foi elaborado um texto informativo com linguagem acessível e montagem de uma palestra (apresentação em telas) para os associados apontando a necessidade de organização coletiva, bem como as possibilidades para a dinamização dessa organização. Esse material ficará à disposição da Diretoria da Associação para divulgação.
Acredita-se que os referenciais da economia solidária sejam um interessante precursor dos trabalhos. Assim, se faz necessário que estudos continuem a ser realizados, espera-se que este abra as portas para novas formas de pensar aquele contexto socioespacial, preferencialmente de maneira interdisciplinar.

REFERÊNCIAS

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