Para citar esse artigo:
ANDRADE,
Jeferson M. ; SANTOS, Maria Betânia C. N ; VALLIN, CELSO . Atingidos
por Barragem do Funil: analisando promessas, realidade e
possibilidades. In: I Congresso Internacional e III Congresso
Nacional Movimentos Sociais e Educação ? 20 a 22 de setembro. UESC,
2016, Ilhéus BA. I Congresso Internacional e III Congresso Nacional
Movimentos Sociais e Educação ? 20 a 22 de setembro. Ilhéus BA:
UESC, 2016.
17 páginas
Resumo:O
presente texto, resultado do trabalho final da disciplina “Ensino,
Cultura e Meio Ambiente”, do Mestrado Profissional em Educação da
Universidade Federal de Lavras (UFLA), versa sobre a construção da
Usina Hidrelétrica do Funil, situada na divisa dos municípios de
Lavras e Perdões, no sul de Minas Gerais, ocasionou para as
populações atingidas pela barragem, uma nova realidade devido ao
processo de desterritorialização.
Trouxe também, um descaso com relação ao atendimento de suas
demandas, ou seja, conflitos provenientes da divergência de
interesses entre os atingidos pela construção da Usina e o
consórcio responsável pelo empreendimento. Uma das comunidades
atingidas por esse empreendimento é a Comunidade do Funil, situada
no município de Lavras/MG. O presente estudo busca compreender o
que a Associação dos Agropecuaristas da Ponte do Funil –
Agrofunil representa para essa comunidade e no atendimento às suas
demandas. Percebe-se a necessidade de melhor articulação dos
moradores da comunidade com a Agrofunil, bem como a relação entre
os próprios moradores, para que consigam transformar sua realidade
que hoje é de total descaso tanto do poder público quanto do
consórcio responsável pela Usina. A importância desse estudo
reside na necessidade de melhor orientação por parte dos gestores
da associação, bem como da própria comunidade, no sentido de se
organizar coletivamente, visando às possibilidades de união e
transformação.
Introdução:
O grande potencial
para diferentes usos que o vasto território nacional propicia tem
gerado tensões que, geralmente, produzem ações governamentais que
beneficiam a classe empresarial e, às vezes, explodem em ações
truculentas do poder público sobre as populações que estão à
margem do sistema de produção/consumo.
Esse pressuposto
estimulou a curiosidade com relação à população atingida pela
construção da Usina Hidrelétrica do Funil, a Comunidade do Funil,
consumada no final de 2002, onde se formou um lago artificial que
inundou comunidades rurais tradicionais do município de Lavras e
região.
Parte-se da
afirmação de Loureiro (2011, p. 89) quando diz que
“novos
movimentos sociais” assumiram a luta pelo cotidiano e pela livre
expressão e organização, mantendo uma posição autônoma diante
do Estado, não o excluindo, porém, do diálogo na busca por
soluções de problemas vivenciados.
Sabendo-se da
existência de uma associação de produtores rurais naquela
comunidade, chamada Agrofunil, a motivação que leva a esse estudo é
saber o que a Agrofunil representa para a Comunidade do Funil,
especificamente para os associados, no que diz respeito ao
atendimento de suas demandas, buscando entender quais as
consequências que as ações da associação trazem para a
comunidade.
A
importância desse estudo reside na necessidade de melhor orientação
por parte dos gestores da associação, bem como da própria
comunidade, no sentido de se organizar coletivamente, pois, conforme
relatos, os moradores não têm suporte da Prefeitura, nem de órgãos
de assistência técnica rural, nem do consórcio responsável pela
Usina, que muitas vezes, cria mais barreiras para a organização
autogestionária dos moradores da comunidade.
Ao
final, serão oferecidas algumas sugestões no sentido de dinamizar
os trabalhos da Agrofunil, o que irá requerer uma sequência de
trabalhos posteriores e sob uma ótica interdisciplinar.
Metodologia:
O trabalho realizado
trata-se de uma pesquisa qualitativa, sendo realizado um estudo de
caso com o objetivo de descobrir “como” e “por quê” acontece
a percepção dos moradores do Bairro da Comunidade do Funil sobre os
problemas enfrentados, investigando as carências que o novo espaço
proporciona aos moradores, e principalmente a Agrofunil, uma das
associações criadas e que envolve a participação de algumas
famílias dessa comunidade.
O presente trabalho
foi desenvolvido em seis etapas assim distribuídas:
1ª:
Revisão literária do tema em publicações especializadas e na rede
mundial de computadores, no intuito de selecionar o maior número de
informações pertinentes.
2º: Visita à comunidade do Funil para coleta de dados e entrevistas
junto aos moradores associados da Agrofunil.
3ª:
Consulta aos documentos para coleta de dados e informações a
respeito da Agrofunil.
4ª:
Análise dos dados obtidos nas etapas anteriores para formulação de
resultados.
5º:
Nova visita à comunidade do Funil para apresentação de resultados
preliminares da pesquisa aos associados entrevistados.
6º:
Proposta de conscientização sobre a importância e as
potencialidades de uma associação, através de informativo e
reunião com associados.
Referencial
teórico:
A motivação para
esse estudo se dá pela busca da conscientização da população
Comunidade do Funil, vítimas da Usina Hidrelétrica do Funil,
atualmente gerida pela Aliança Energia1,
com relação ao processo de desterritorialização/territorialização,
por entender que a retirada das famílias de forma arbitrária de
seus locais de origem causa impactos marcantes em suas vidas, pois,
constroem-se vínculos identitários com o lugar. Partindo da ideia
de que “o sujeito pertence ao lugar como este a ele, pois a
produção do lugar liga-se indissociavelmente à vida”
(CARLOS, 2007, p. 22), infere-se que a conscientização visa
a transformação do cotidiano buscando melhorias por meio da
organização em movimentos sociais.
Essa necessidade é
resultado da constatação dos problemas que surgiram após o
reassentamento das populações atingidas pela barragem da
Hidrelétrica do Funil.
A
Constituição Federal em seu artigo 225, parágrafo 1º, inciso IV,
traz a seguinte redação:
[...]
todas as atividades efetiva ou potencialmente poluidoras e causadoras
de degradação ambiental estão sujeitas ao licenciamento ambiental,
sendo que as causadoras de significativa degradação ambiental devem
por determinação constitucional, serem precedidas de estudo prévio
de impacto ambiental.
O Conselho Nacional
de Meio Ambiente (CONAMA), através da Resolução 001/86 tornou
obrigatório o Estudo de Impacto Ambiental (EIA), onde se elabora o
Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) que contém informações e
conclusões de forma acessível sobre os impactos ambientais.
Acerca dos impactos
ambientais, o CONAMA, através da Resolução 006/87, estabeleceu as
várias etapas do processo de licenciamento e pela Resolução 009/87
garantiu a obrigatoriedade de audiência pública, em seu artigo 2º,
sempre que se julgar necessário.
As construções de
usinas hidrelétricas dependem de liberação das áreas que serão
afetadas e acontece mediante o instrumento da Desapropriação Por
Utilidade Pública que é regulamentado pelo Decreto-Lei Nº.
3.365/41. O artigo 2º do referido decreto traz o seguinte texto:
[...]
Mediante declaração de utilidade pública, todos os bens poderão
ser desapropriados pela União, pelos Estados, Municípios, Distrito
Federal e Territórios. A exploração de serviços de energia
elétrica é por força de lei de utilidade pública e exige para sua
consecução, a necessária declaração, via ato administrativo
(BRASIL, 2016).
Segundo Pereira
(2014), muitos especialistas referem-se à desapropriação como
sendo o divisor de águas entre os interesses individuais e
coletivos, gerando conflitos. Pode-se agregar a essa ideia a
definição de conflitos como sendo os fatos que “envolvem
relações sociais de disputa ou tensões entre distintos grupos ou
atores sociais pela apropriação ou gestão do patrimônio natural”
(BRITO et al, 2011, p. 57), isto é, relaciona-se à diferença de
interesses na territorialização num determinado ambiente.
De acordo com Souza
(2009, p. 60), um dos efeitos negativos relevantes às comunidades
atingidas por barragens se dá pela
Necessidade
de abandonar um espaço já construído, com infra-estrutura básica
já montada com moradias, produção, comércio, atividades
comunitárias, atividades religiosas, educativas e lazer, e a
desagregação social das famílias – vizinhança – que podem ser
reassentadas juntas ou não.
Souza (2009)
menciona que na relação entre as empresas do setor elétrico e as
populações, sempre prevaleceu a estratégia do fato consumado, onde
as populações representam um empecilho para o capital, que precisa
ser removido.
Pereira (2014)
relata a seguinte situação: para assegurar o andamento das obras
muitos projetos escondem estes conflitos. As empresas responsáveis
pelos estudos de EIA e RIMA, são contratadas pelo empreendedor e
muitas não relatam as questões sociais de forma clara nos projetos.
O foco é dado apenas na parte física (moradias), sem se preocupar
com o lado social e econômico dos afetados.
Os atingidos por
barragens passam a ter a necessidade de se organizar para a nova
realidade que é o reassentamento, buscando novas maneiras de gerar
renda para a sobrevivência e inclusão social. Empreendimentos
solidários são necessários nessas novas comunidades, uma vez que
as especificidades do local são totalmente diferentes e novas para
essas famílias.
Como trata Curi
Filho et al (2015, p. 38):
os
empreendimentos econômicos solidários (...), que centralizam as
suas atividades sob a lógica autogestionária e, ao mesmo tempo,
estão inseridas no ambiente econômico capitalista, o que faz da
solidariedade um movimento muitas vezes contraditório para os
trabalhadores na busca de possibilidades para sua sobrevivência.
Diferentemente de uma empresa capitalista tradicional, os gestores e
membros desses empreendimentos são pessoas que, coletivamente, devem
tomar decisões sobre todos os princípios que norteiam a economia
solidária.
Na maioria das
vezes, as decisões devem ser coletivas e efetivas para que ocorra
uma nova organização dos trabalhos. Barbosa
(2004) aponta que
Normalmente,
o que motiva o ser humano a se organizar é a necessidade de
enfrentar desafios.(...) Todos estes processos de organização
social rural serviram como referência para que formas de
organizações mais atuais se constituíssem, tais como Associações
Rurais, Sindicatos de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais,
Cooperativas Rurais e os movimentos de luta pela terra, dentre eles o
MST.
Reunião
ou o agrupamento de pessoas para a realização e consecução de
objetivos comuns (ideais) sem a finalidade lucrativa. É dotada de
personalidade jurídica. Assim, suas características são: reunião
de diversas pessoas para a obtenção de um fim ideal, a ausência de
finalidade lucrativa e o reconhecimento de sua personalidade por
parte da autoridade competente.
Na criação de
associações, baseada nos princípios da economia solidária, há
organização coletiva em prol de objetivos sociais e em defesa de
interesses de uma classe ou grupo, levando adiante uma atividade
social que traga benefícios aos associados.
Araújo (2005)
relata a percepção de que a educação ambiental não envolve
apenas questões ecológicas, mas sim um universo muito mais amplo,
que pressupõea participação social, por meio da qual é discutida
a problemática ambiental local. O “verdadeiro” cidadão tem
noção da posição que ocupa na sociedade e sabe dos seus
conflitos. Sob este enfoque, a participação não consiste na
recepção passiva dos benefícios da sociedade, mas na intervenção
ativa na sua construção.
Por meio dessa
participação, busca-se desenvolver técnicas e métodos que
facilitem a tomada de consciência acerca da gravidade dos problemas
ambientais.
Para Vainer (1993,
p. 194 apud MENDES, 2005, p. 58).
[...] a evolução dos
movimentos, a acumulação de experiências políticas e
organizativas têm contribuindo, ao longo do tempo, para que
diferentes, e muitas vezes contraditórias, representações da
relação população meio ambiente coexistam, seja numa região,
seja em movimentos de diferentes barragens.
Uma das formas para
buscar soluções aos problemas e/ou conflitos ambientais é a
organização coletiva para condução de ações pontuais, de
emergências sociais e também de formação de lideranças
conscientes,visando o fortalecimento da democracia e da cidadania. A
criação de associações pode colaborar para alcançar tais
objetivos.
Resultados:
Perdas relevantes
para a Comunidade do Funil com a construção da Usina Hidrelétrica
se mostram no âmbito cultural, histórico, social, econômico e
ambiental. Analisando a história da Comunidade, da Usina e também
da Agrofunil, podemos observar como essa construção interferiu
diretamente no reordenamento e identificação na nova localidade.
Falar da Comunidade sem falar da sua história, das pessoas dessa
comunidade que se uniam através de uma ponte, chamada Ponte do Funil
fica um pouco difícil, pois, a relação dessas pessoas com o seu
“local” é uma relação muito forte. Foi feito então, um breve
histórico da “Ponte do Funil”, da Usina Hidrelétrica do Funil e
da Comunidade do Funil. Será relatado também o objeto principal de
estudo que é a Agrofunil. E por fim, os relatos de dois membros
dessa associação.
Sobre
a Ponte do Funil3
Segundo Castro
(2012) a Ponte do Funil de Lavras recebeu este nome por ter sido
construída num trecho afunilado do Rio Grande, tendo sido
encomendada pelo Comendador Jose Esteves de Andrade Botelho, natural
de Lavras, no ano de 1844, vindo a ser concluída em 1869. A autora
aponta relatos do professor, também lavrense, Firmino Costa
afirmando que a estrutura serviu de rota para boiadeiros de diversas
partes de Minas.
Fortes enchentes no
ano de 1906 derrubaram a ponte. Entretanto, o estadista Francisco
Sales contribuiu para a rápida reconstrução já no ano seguinte,
utilizando na obra, operários ingleses. Conforme relato, “a ponte
foi reconstruída em aço puro, com 125 metros de extensão, sendo
sustentada por cinco pilares de pedra, feitos com argamassa à base
de óleo de baleia”.
A referida ponte foi
da maior relevância econômica para a cidade e região até a
construção da BR-381 no final da década de 1960. Apesar disso, não
perdeu importância turística, se constituindo como um dos cartões
postais da cidade de Lavras.No ano de 2002 foi totalmente coberta
pelas águas que formam o lago do Funil, resultado do represamento
das águas do Rio Grande para o aproveitamento hidroelétrico.
Sobre
a Usina Hidrelétrica e a Comunidade do Funil
Conforme breve
histórico presente em um blog4
da cidade, a antiga comunidade da Ponte do Funil era localizada nos
municípios de Perdões e Lavras e durante o processo de
negociação/territorialização, optou-se por transferi-la para o
município de Lavras/MG, pois após o enchimento da barragem, a ponte
ficou submersa e dois lados do rio tornaram-se isolados, como se vê
nas imagens 1 e 2. Diante desse fato, foi adquirido um terreno nas
proximidades da antiga comunidade onde foi implantada toda a
infraestrutura urbana com ruas asfaltadas, energia elétrica, sistema
de esgoto e fornecimento de água potável, conforme podemos observar
nas imagens a seguir.
Imagem
1: Ponte do Funil e comunidade adjacente
Imagem 2, Fonte:
Google Earth Pro
Imagem 3:
Organização espacial da Comunidade do Funil
Fonte:
<http://www.panoramio.com/photo/6172881?source=wapi&referrer=kh.google.com>.
Acesso em: 13 fev. 2016.
Segundo Araújo
(2005, p. 41),
a
Usina Hidrelétrica Funil foi implantada pelo Consórcio empreendedor
Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) e Companhia Energética de Minas
Gerais (Cemig) no Rio Grande, abrangendo áreas dos municípios de
Lavras, Perdões, Bom Sucesso, Ijaci, Ibituruna, Itumirim e Ribeirão
Vermelho, no sudoeste de Minas Gerais, além das comunidades de Pedra
Negra, Paiol e Ponte do Funil.
A autora ainda
coloca que as obras tiveram início em setembro de 2000, passando a
operar em dezembro de 2002, com uma geração de 180 megawatts.
Atualmente a usina é gerida pela Aliança Energia.
Para obter a
licenças ambientais e implantar o projeto, o consórcio CEMIG/CVRD
elaboraram
Um
plano de controle ambiental que incluiu um elevador para a
transposição de peixes, a recomposição de infraestrutura para as
famílias que tiveram seus imóveis desapropriados, a relocação
destas famílias e sua reativação econômica, a educação
ambiental, a criação de unidades de conservação, o resgate da
flora e fauna, etc. Para construir a represa do Aproveitamento
Hidrelétrico Funil, diversas comunidades que se localizavam à
margem do rio Grande, como Ponte do Funil, Pedra Negra e Paiol, além
de 30% do distrito de Macaia, ficaram debaixo d´água. Houve a
necessidade de relocar pessoas das comunidades rurais de Pedra Negra
e Ponte do Funil e parte do distrito de Macaia (ARAÚJO, 2005, p. 42).
Conforme apontam os
estudos, o distrito de Pedra Negra não se constitui mais por uma
territorialidade rural, pois, passou a integrar a mancha urbana do
município de Ijaci, fato semelhante ao ocorrido com a Comunidade da
Ponte do Funil que após regularização dos imóveis junto à
Secretaria de Obras da Prefeitura de Lavras, passou a pertencer
oficialmente a este município na condição de bairro residencial
com o nome de Comunidade do Funil, inclusive sendo cobrado dos
moradores o IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano), conforme
relato do entrevistado “B”. Curioso é que sua localização
geográfica está a aproximadamente 10 km de distância do tecido
urbano lavrense, conforme mostrado na imagem 4.
Imagem
4, fonte: Google Earth Pro
Esse
fato evidencia uma das consequências da implantação da usina
hidrelétrica: o processo forçado de
desterritorialização/territorialização perverso causado por
grandes empreendimentos. Araújo (2005) elencando algumas
consequências da implantação da usina afirma que houve uma
considerável mudança no modo de vida das pessoas, mudando seu
estilo de vida rural para um estilo urbanizado, com estruturas
urbanizadas. Conforme o blog Lavrasmg.wordpress (2012)
dentre
as obras institucionais implantadas, foram construídos um campo de
futebol, um centro cultural também utilizado como escola, um posto
de saúde, duas praças, uma capela e uma Estação de Tratamento de
Esgotos. Além destas obras, foi construída uma grande área de
lazer na comunidade visando a utilização da orla, composta por toda
uma infraestrutura com sanitários, chuveiros e churrasqueira e uma
área destinada a camping.
Dialogando com
Santos (1996), podemos perceber a relação entre as ações humanas
alterando a configuração espacial e também, essa configuração
espacial moldando as novas ações humanas. No caso específico da
Comunidade do Funil, a alteração das ações daquelas famílias foi
forçada, determinada de um lugar distante. Além disso, a nova
infraestrutura é, muitas vezes, estranha ao próprio lugar, ou seja,
estranha à dinâmica sociocultural construída pelos moradores ao
longo de suas vidas.
É justamente essa
situação que tem gerado conflitos de interesses entre os moradores
da Comunidade e o consórcio que administra a usina, bem como entre
os próprios moradores. Esses conflitos se tornam ainda mais
evidentes quando se analisa a Associação dos Agropecuaristas da
Ponte do Funil, a Agrofunil.
Sobre
a Associação dos Agropecuaristas da Ponte do Funil -Agrofunil
De
acordo com o Estatuto da Associação dos Agropecuaristas da Ponte do
Funil, aprovado em Assembleia Geral em 19/11/2003, trata-se de uma
sociedade civil, sem fins lucrativos, com prazo de duração
indeterminado, com Sede no Povoado da Ponte do Funil, município de
Lavras/MG. Dentre suas finalidades destaca-se “Contribuir para o
fortalecimento econômico e social dos agropecuaristas associados,
que foram realocados em função do empreendimento AHE Funil,
estimulando o trabalho associativo e solidário”, o estímulo ao
“aumento da produção e a melhoria da produtividade e da qualidade
da produção de seus associados”. Para ambos se busca realizar
compra de insumos e comercialização da produção, assistência
técnica, financiamentos trabalhando coletivamente. Sua área de
abrangência, para efeito de atuação, compreende os municípios de
Lavras, Perdões, Ribeirão Vermelho, Bom Sucesso e Ijaci.
Com
relação às receitas, despesas e patrimônio, a Associação terá
seu capital formado por contribuições de seus associados, que
poderão ser pagas de uma única vez ou em parcelas, com valor
decidido em Assembleia. A receita da Associação deverá sair de
percentuais a serem definidos previamente, por ocasião das vendas
realizadas. Esses percentuais cobrados servirão para cobrir despesas
gerais da sociedade. Os recursos financeiros da Associação serão
depositados em conta a ser mantida em estabelecimento financeiro no
município de Lavras – MG.
A
associação poderá arrendar ou alugar, para terceiros, áreas e/ou
equipamentos/implementos, desde que isso seja aprovado em Assembleia
Geral e que não prejudique os interesses da entidade.
A
seguir são apresentados alguns relatos importantes dos moradores da
Comunidade entrevistados pelos autores deste trabalho e que compõem
a Agrofunil.
Visita
à Comunidade do Funil e à Agrofunil
No dia 15/01/2016
aconteceu a primeira visita à Comunidade do Funil com vistas a
coletar informações sobre a Associação. Dois associados foram
entrevistados e serão chamados a partir daqui de entrevistados “A”
e “B”. Houve o cuidado de retornar à comunidade no dia 24 e
25/02/2016 e conversar novamente com esses entrevistados para
mostrar-lhes os resultados preliminares da presente pesquisa uma vez
que “a entrevista permite correções, esclarecimentos e
adaptações que a tornam sobremaneira eficaz na obtenção das
informações desejadas” (LUDKE; ANDRÉ, 1986, p. 34).
Conversa
com o entrevistado “A”:
Indagado
sobre a associação, “A” respondeu que “tem associação,
mas não funciona. São dez famílias, aí individualmente funciona,
mas em grupo não.” Com relação à comercialização de seus
produtos (da Associação) “A” relatou que “tentou, mas não
conseguiu não. Meu milho de 2015 e do “B” foi vendido na região,
para um silo em Perdões e para um produtor em Lavras”.
Sobre a colaboração
da usina, “A” respondeu: “a Usina ajudou com o insumo, muda,
mourão, arame. Alugava terreno para trabalhar com maracujá e depois
eles compraram o terreno no Paiol e agora plantaram eucalipto lá.”
Lembrando que Paiol é uma comunidade rural próxima à
comunidade do Funil.“A” afirma que utiliza a parte baixa do
terreno para plantar milho. “O terreno não é bom para o
cultivo do maracujá. O milho dá e o eucalipto também.” Sobre
o terreno do Paiol, “A” respondeu que “são mais ou menos 15
hectares e está no nome da associação”. Sobre a participação
da associação em feiras “A” responde: “não mexem com
feira. Às vezes individualmente têm pretensão”.
Sobre a situação
atual da Associação, “A” descreve a seguinte situação: “só
têm alguns membros mexendo.” Completa ainda que “não
existe benefício nenhum. Só temos prejuízo”.
Alguns membros são
funcionários da Prefeitura Municipal de Lavras, e têm também a
função de cuidar da comunidade: roçar, cuidar da bomba e da parte
externa da escola também (grama e limpeza).
Na escola da
comunidade existe um terreno onde se plantam verduras e legumes. O
entrevistado foi questionado a respeito da horta e relatou o
seguinte: “quando arrumamos serviço na Prefeitura o senhor “X”
deu a ideia de fazer a horta. Quando sobra alguma coisa dá pra
comunidade, mas é pra consumo da escola.” Nessa conversa, “A”
informou que é feita uma campanha nos domicílios e nos ranchos
próximos à comunidade para a coleta de latinhas de cerveja: “os
ranchos ajudam com latinha” e completa: “com o dinheiro da
latinha, os senhores “X” e “Y” compram as mudas e eu e “B”
ajudamos a capinar e cuidar”. Nesse momento ele expõe a
necessidade de maior articulação dos associados.
Questionado sobre a
utilidade pedagógica da horta, “A” afirmou que “a escola
andou levando os alunos pra plantar na horta. Um aluno da UFLA levou
os alunos pra plantar na horta”.
Sobre parcerias “A”
relatou que “A Prefeitura fornece só a Mão de Obra” e
que “a usina não anda tendo interesse”.
Perguntou-se se
houvesse parceria ou suporte para a associação, se ela poderia
melhorar. “A” respondeu: “há dificuldade na parceria com a
Usina no momento, mas há ganhos também”. E completa: “Existe
vontade de mexer com um espaço maior para horta, mas a usina não
quer liberar o terreno”.
Com relação às
promessas feitas na época das negociações com a Usina, “A”
afirmou que “a usina prometeu 2 hectares mais morada e até hoje
isso não foi passado.”
Por fim, “A” foi
indagado sobre a melhor forma de se poder ajudar a associação, ao
que ele respondeu que “nós estamos fazendo o que pode, mas nós
não temos tempo e precisaria da comunidade para ajudar.”
Conversa
com o entrevistado “B”:
Sobre sua história
“B” relata: “eu saí de onde eu morava com 27 anos de idade
e não me deram o terreno.” Esse terreno que “B” cita nessa
afirmação são os dois hectares que foram prometidos na época da
negociação e do reassentamento. E reforça sua indignação: “nós
temos objetivo e a usina trava, mas a gente quer o terreno que é de
direito”.
“B” ressalta o
descaso da Usina com a comunidade quando afirma que “tem muita
coisa pra arrumar na comunidade”. “Eu não acredito em mais nada.
É só pro povo ouvir. Eles não vão pagar nada”.
Nesta mesma
conversa, “B” faz uma afirmação inquietante: “depois vai
apurar quem é o dono, é sempre político”
(grifo nosso). “B” informa ainda que “o contato com a usina
é com uma funcionária administrativa que acompanha as associações”.
A respeito da
associação “B” informa que “a ideia é continuar com a
associação e desvincular da usina”,[pois], “o último
convênio foi feito em 2008 e até hoje, mais nada.” Esse
‘desvincular da usina’ nos causa estranhamento, pois, no artigo
4º do estatuto da associação está dito que “A Associação dos
Agropecuaristas da Ponte do Funil tem no seu gerenciamento
independência de qualquer órgão oficial ou empresa particular”.
Isso nos suscita a questionar se eles consideram os convênios como
uma forma de elo entre a empresa que administra a usina e a
Associação numa condição hierárquica ou se há alguma tentativa,
mesmo que velada, de controle das atividades da Associação pela
empresa.
Afirma ainda que “a
Emater ajudava e depois parou”. Com relação ao funcionamento
da associação, “B” é bem categórico ao dizer que “é
muito difícil trabalhar coletivamente.” Questionado sobre a
existência de outras associações, “B” responde que “tem
duas associações: Agrofunil e Artfunil, e ainda, há uma
Cooperativa, a “Cooperfunil da pesca e criatório.” Afirma
também que “existe associação de moradores. O presidente é o
senhor “W”, que mora aqui mesmo na comunidade”.
Sobre a horta, “B”
declara que “dentro do estatuto não está incluída a horta. A
gente acaba ajudando, mas não é da associação [Agrofunil],
não.” Completa que a “a associação não tem nada a ver
com a horta [mas] é uma horta comunitária que têm alguns
responsáveis por cuidar dela”. “B” afirma ainda que
“algumas pessoas dão dinheiro pra ajudar na horta. O povo dá
as latinhas”. Esse povo o qual “B” se refere são os
proprietários de casas de campo nas proximidades da comunidade e os
donos de bares/restaurantes na própria comunidade. Essa ajuda
permite que “na época do frio dá pra colher bastante”.
Ele relaciona com o período de frio porque, segundo relata, é esse
período o ideal para plantar. Apesar de diminuir um pouco a
quantidade de latinhas de bebidas coletadas, o volume conseguido no
período quente é suficiente para fazer uma pequena reserva de
recursos e complementar a baixa coleta de latinhas no frio.
Considerações
finais:
Conforme
pode ser observado, há muita dificuldade de articulação da
Agrofunil com a comunidade. Também há uma grande dificuldade de
organização interna e união dos associados. Nesse sentido,
aponta-se como sugestão inicial uma aproximação da Universidade
Federal de Lavras com a comunidade, no sentido de auxiliá-los nos
primeiros passos em direção a uma organização mais efetiva da
associação.
Pode-se
pensar essa aproximação com a oferta de cursos, palestras,
informativos e outros meios de comunicação que sejam a ponte entre
o conhecimento científico e o conhecimento dos moradores.
Como
proposta de encerramento do trabalho foi elaborado um texto
informativo com linguagem acessível e montagem de uma palestra
(apresentação em telas) para os associados apontando a necessidade
de organização coletiva, bem como as possibilidades para a
dinamização dessa organização. Esse material ficará à
disposição da Diretoria da Associação para divulgação.
Acredita-se que os
referenciais da economia solidária sejam um interessante precursor
dos trabalhos. Assim, se faz necessário que estudos continuem a ser
realizados, espera-se que este abra as portas para novas formas de
pensar aquele contexto socioespacial, preferencialmente de maneira
interdisciplinar.
REFERÊNCIAS
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