sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018

ATINGIDOS PELA BARRAGEM DO FUNIL: ANALISANDO PROMESSAS, REALIDADE E POSSIBILIDADES. Jeferson Monteiro de ANDRADE; Maria Betânia de Castro Nunes SANTOS; Celso Vallin. 2016


Para citar esse artigo:
ANDRADE, Jeferson M. ; SANTOS, Maria Betânia C. N ; VALLIN, CELSO . Atingidos por Barragem do Funil: analisando promessas, realidade e possibilidades. In: I Congresso Internacional e III Congresso Nacional Movimentos Sociais e Educação ? 20 a 22 de setembro. UESC, 2016, Ilhéus BA. I Congresso Internacional e III Congresso Nacional Movimentos Sociais e Educação ? 20 a 22 de setembro. Ilhéus BA: UESC, 2016.


17 páginas

Resumo:O presente texto, resultado do trabalho final da disciplina “Ensino, Cultura e Meio Ambiente”, do Mestrado Profissional em Educação da Universidade Federal de Lavras (UFLA), versa sobre a construção da Usina Hidrelétrica do Funil, situada na divisa dos municípios de Lavras e Perdões, no sul de Minas Gerais, ocasionou para as populações atingidas pela barragem, uma nova realidade devido ao processo de desterritorialização. Trouxe também, um descaso com relação ao atendimento de suas demandas, ou seja, conflitos provenientes da divergência de interesses entre os atingidos pela construção da Usina e o consórcio responsável pelo empreendimento. Uma das comunidades atingidas por esse empreendimento é a Comunidade do Funil, situada no município de Lavras/MG. O presente estudo busca compreender o que a Associação dos Agropecuaristas da Ponte do Funil – Agrofunil representa para essa comunidade e no atendimento às suas demandas. Percebe-se a necessidade de melhor articulação dos moradores da comunidade com a Agrofunil, bem como a relação entre os próprios moradores, para que consigam transformar sua realidade que hoje é de total descaso tanto do poder público quanto do consórcio responsável pela Usina. A importância desse estudo reside na necessidade de melhor orientação por parte dos gestores da associação, bem como da própria comunidade, no sentido de se organizar coletivamente, visando às possibilidades de união e transformação.

Introdução:
O grande potencial para diferentes usos que o vasto território nacional propicia tem gerado tensões que, geralmente, produzem ações governamentais que beneficiam a classe empresarial e, às vezes, explodem em ações truculentas do poder público sobre as populações que estão à margem do sistema de produção/consumo.
Esse pressuposto estimulou a curiosidade com relação à população atingida pela construção da Usina Hidrelétrica do Funil, a Comunidade do Funil, consumada no final de 2002, onde se formou um lago artificial que inundou comunidades rurais tradicionais do município de Lavras e região.
Parte-se da afirmação de Loureiro (2011, p. 89) quando diz que
novos movimentos sociais” assumiram a luta pelo cotidiano e pela livre expressão e organização, mantendo uma posição autônoma diante do Estado, não o excluindo, porém, do diálogo na busca por soluções de problemas vivenciados.

Sabendo-se da existência de uma associação de produtores rurais naquela comunidade, chamada Agrofunil, a motivação que leva a esse estudo é saber o que a Agrofunil representa para a Comunidade do Funil, especificamente para os associados, no que diz respeito ao atendimento de suas demandas, buscando entender quais as consequências que as ações da associação trazem para a comunidade.
A importância desse estudo reside na necessidade de melhor orientação por parte dos gestores da associação, bem como da própria comunidade, no sentido de se organizar coletivamente, pois, conforme relatos, os moradores não têm suporte da Prefeitura, nem de órgãos de assistência técnica rural, nem do consórcio responsável pela Usina, que muitas vezes, cria mais barreiras para a organização autogestionária dos moradores da comunidade.
Ao final, serão oferecidas algumas sugestões no sentido de dinamizar os trabalhos da Agrofunil, o que irá requerer uma sequência de trabalhos posteriores e sob uma ótica interdisciplinar.

Metodologia:

O trabalho realizado trata-se de uma pesquisa qualitativa, sendo realizado um estudo de caso com o objetivo de descobrir “como” e “por quê” acontece a percepção dos moradores do Bairro da Comunidade do Funil sobre os problemas enfrentados, investigando as carências que o novo espaço proporciona aos moradores, e principalmente a Agrofunil, uma das associações criadas e que envolve a participação de algumas famílias dessa comunidade.
O presente trabalho foi desenvolvido em seis etapas assim distribuídas:
1ª: Revisão literária do tema em publicações especializadas e na rede mundial de computadores, no intuito de selecionar o maior número de informações pertinentes.
2º: Visita à comunidade do Funil para coleta de dados e entrevistas junto aos moradores associados da Agrofunil.
3ª: Consulta aos documentos para coleta de dados e informações a respeito da Agrofunil.
4ª: Análise dos dados obtidos nas etapas anteriores para formulação de resultados.
5º: Nova visita à comunidade do Funil para apresentação de resultados preliminares da pesquisa aos associados entrevistados.
6º: Proposta de conscientização sobre a importância e as potencialidades de uma associação, através de informativo e reunião com associados.

Referencial teórico:

A motivação para esse estudo se dá pela busca da conscientização da população Comunidade do Funil, vítimas da Usina Hidrelétrica do Funil, atualmente gerida pela Aliança Energia1, com relação ao processo de desterritorialização/territorialização, por entender que a retirada das famílias de forma arbitrária de seus locais de origem causa impactos marcantes em suas vidas, pois, constroem-se vínculos identitários com o lugar. Partindo da ideia de que “o sujeito pertence ao lugar como este a ele, pois a produção do lugar liga-se indissociavelmente à vida” (CARLOS, 2007, p. 22), infere-se que a conscientização visa a transformação do cotidiano buscando melhorias por meio da organização em movimentos sociais.
Essa necessidade é resultado da constatação dos problemas que surgiram após o reassentamento das populações atingidas pela barragem da Hidrelétrica do Funil.
A Constituição Federal em seu artigo 225, parágrafo 1º, inciso IV, traz a seguinte redação:
[...] todas as atividades efetiva ou potencialmente poluidoras e causadoras de degradação ambiental estão sujeitas ao licenciamento ambiental, sendo que as causadoras de significativa degradação ambiental devem por determinação constitucional, serem precedidas de estudo prévio de impacto ambiental.

O Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA), através da Resolução 001/86 tornou obrigatório o Estudo de Impacto Ambiental (EIA), onde se elabora o Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) que contém informações e conclusões de forma acessível sobre os impactos ambientais.
Acerca dos impactos ambientais, o CONAMA, através da Resolução 006/87, estabeleceu as várias etapas do processo de licenciamento e pela Resolução 009/87 garantiu a obrigatoriedade de audiência pública, em seu artigo 2º, sempre que se julgar necessário.
As construções de usinas hidrelétricas dependem de liberação das áreas que serão afetadas e acontece mediante o instrumento da Desapropriação Por Utilidade Pública que é regulamentado pelo Decreto-Lei Nº. 3.365/41. O artigo 2º do referido decreto traz o seguinte texto:
[...] Mediante declaração de utilidade pública, todos os bens poderão ser desapropriados pela União, pelos Estados, Municípios, Distrito Federal e Territórios. A exploração de serviços de energia elétrica é por força de lei de utilidade pública e exige para sua consecução, a necessária declaração, via ato administrativo (BRASIL, 2016).

Segundo Pereira (2014), muitos especialistas referem-se à desapropriação como sendo o divisor de águas entre os interesses individuais e coletivos, gerando conflitos. Pode-se agregar a essa ideia a definição de conflitos como sendo os fatos que “envolvem relações sociais de disputa ou tensões entre distintos grupos ou atores sociais pela apropriação ou gestão do patrimônio natural” (BRITO et al, 2011, p. 57), isto é, relaciona-se à diferença de interesses na territorialização num determinado ambiente.
De acordo com Souza (2009, p. 60), um dos efeitos negativos relevantes às comunidades atingidas por barragens se dá pela
Necessidade de abandonar um espaço já construído, com infra-estrutura básica já montada com moradias, produção, comércio, atividades comunitárias, atividades religiosas, educativas e lazer, e a desagregação social das famílias – vizinhança – que podem ser reassentadas juntas ou não.

Souza (2009) menciona que na relação entre as empresas do setor elétrico e as populações, sempre prevaleceu a estratégia do fato consumado, onde as populações representam um empecilho para o capital, que precisa ser removido.
Pereira (2014) relata a seguinte situação: para assegurar o andamento das obras muitos projetos escondem estes conflitos. As empresas responsáveis pelos estudos de EIA e RIMA, são contratadas pelo empreendedor e muitas não relatam as questões sociais de forma clara nos projetos. O foco é dado apenas na parte física (moradias), sem se preocupar com o lado social e econômico dos afetados.
Os atingidos por barragens passam a ter a necessidade de se organizar para a nova realidade que é o reassentamento, buscando novas maneiras de gerar renda para a sobrevivência e inclusão social. Empreendimentos solidários são necessários nessas novas comunidades, uma vez que as especificidades do local são totalmente diferentes e novas para essas famílias.
Como trata Curi Filho et al (2015, p. 38):
os empreendimentos econômicos solidários (...), que centralizam as suas atividades sob a lógica autogestionária e, ao mesmo tempo, estão inseridas no ambiente econômico capitalista, o que faz da solidariedade um movimento muitas vezes contraditório para os trabalhadores na busca de possibilidades para sua sobrevivência. Diferentemente de uma empresa capitalista tradicional, os gestores e membros desses empreendimentos são pessoas que, coletivamente, devem tomar decisões sobre todos os princípios que norteiam a economia solidária.

Na maioria das vezes, as decisões devem ser coletivas e efetivas para que ocorra uma nova organização dos trabalhos. Barbosa (2004) aponta que
Normalmente, o que motiva o ser humano a se organizar é a necessidade de enfrentar desafios.(...) Todos estes processos de organização social rural serviram como referência para que formas de organizações mais atuais se constituíssem, tais como Associações Rurais, Sindicatos de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais, Cooperativas Rurais e os movimentos de luta pela terra, dentre eles o MST.

De acordo com o SEBRAE2– SP (2015), o conceito de associação é:
Reunião ou o agrupamento de pessoas para a realização e consecução de objetivos comuns (ideais) sem a finalidade lucrativa. É dotada de personalidade jurídica. Assim, suas características são: reunião de diversas pessoas para a obtenção de um fim ideal, a ausência de finalidade lucrativa e o reconhecimento de sua personalidade por parte da autoridade competente.

Na criação de associações, baseada nos princípios da economia solidária, há organização coletiva em prol de objetivos sociais e em defesa de interesses de uma classe ou grupo, levando adiante uma atividade social que traga benefícios aos associados.
Araújo (2005) relata a percepção de que a educação ambiental não envolve apenas questões ecológicas, mas sim um universo muito mais amplo, que pressupõea participação social, por meio da qual é discutida a problemática ambiental local. O “verdadeiro” cidadão tem noção da posição que ocupa na sociedade e sabe dos seus conflitos. Sob este enfoque, a participação não consiste na recepção passiva dos benefícios da sociedade, mas na intervenção ativa na sua construção.
Por meio dessa participação, busca-se desenvolver técnicas e métodos que facilitem a tomada de consciência acerca da gravidade dos problemas ambientais.
Para Vainer (1993, p. 194 apud MENDES, 2005, p. 58).
[...] a evolução dos movimentos, a acumulação de experiências políticas e organizativas têm contribuindo, ao longo do tempo, para que diferentes, e muitas vezes contraditórias, representações da relação população meio ambiente coexistam, seja numa região, seja em movimentos de diferentes barragens.

Uma das formas para buscar soluções aos problemas e/ou conflitos ambientais é a organização coletiva para condução de ações pontuais, de emergências sociais e também de formação de lideranças conscientes,visando o fortalecimento da democracia e da cidadania. A criação de associações pode colaborar para alcançar tais objetivos.

Resultados:

Perdas relevantes para a Comunidade do Funil com a construção da Usina Hidrelétrica se mostram no âmbito cultural, histórico, social, econômico e ambiental. Analisando a história da Comunidade, da Usina e também da Agrofunil, podemos observar como essa construção interferiu diretamente no reordenamento e identificação na nova localidade. Falar da Comunidade sem falar da sua história, das pessoas dessa comunidade que se uniam através de uma ponte, chamada Ponte do Funil fica um pouco difícil, pois, a relação dessas pessoas com o seu “local” é uma relação muito forte. Foi feito então, um breve histórico da “Ponte do Funil”, da Usina Hidrelétrica do Funil e da Comunidade do Funil. Será relatado também o objeto principal de estudo que é a Agrofunil. E por fim, os relatos de dois membros dessa associação.

Sobre a Ponte do Funil3

Segundo Castro (2012) a Ponte do Funil de Lavras recebeu este nome por ter sido construída num trecho afunilado do Rio Grande, tendo sido encomendada pelo Comendador Jose Esteves de Andrade Botelho, natural de Lavras, no ano de 1844, vindo a ser concluída em 1869. A autora aponta relatos do professor, também lavrense, Firmino Costa afirmando que a estrutura serviu de rota para boiadeiros de diversas partes de Minas.
Fortes enchentes no ano de 1906 derrubaram a ponte. Entretanto, o estadista Francisco Sales contribuiu para a rápida reconstrução já no ano seguinte, utilizando na obra, operários ingleses. Conforme relato, “a ponte foi reconstruída em aço puro, com 125 metros de extensão, sendo sustentada por cinco pilares de pedra, feitos com argamassa à base de óleo de baleia”.
A referida ponte foi da maior relevância econômica para a cidade e região até a construção da BR-381 no final da década de 1960. Apesar disso, não perdeu importância turística, se constituindo como um dos cartões postais da cidade de Lavras.No ano de 2002 foi totalmente coberta pelas águas que formam o lago do Funil, resultado do represamento das águas do Rio Grande para o aproveitamento hidroelétrico.

Sobre a Usina Hidrelétrica e a Comunidade do Funil

Conforme breve histórico presente em um blog4 da cidade, a antiga comunidade da Ponte do Funil era localizada nos municípios de Perdões e Lavras e durante o processo de negociação/territorialização, optou-se por transferi-la para o município de Lavras/MG, pois após o enchimento da barragem, a ponte ficou submersa e dois lados do rio tornaram-se isolados, como se vê nas imagens 1 e 2. Diante desse fato, foi adquirido um terreno nas proximidades da antiga comunidade onde foi implantada toda a infraestrutura urbana com ruas asfaltadas, energia elétrica, sistema de esgoto e fornecimento de água potável, conforme podemos observar nas imagens a seguir.

Imagem 1: Ponte do Funil e comunidade adjacente
Fonte: <http://www.panoramio.com/photo/6198885>. Acesso em: 13 fev. 2016.


Imagem 2, Fonte: Google Earth Pro


Imagem 3: Organização espacial da Comunidade do Funil
Segundo Araújo (2005, p. 41),
a Usina Hidrelétrica Funil foi implantada pelo Consórcio empreendedor Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) e Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig) no Rio Grande, abrangendo áreas dos municípios de Lavras, Perdões, Bom Sucesso, Ijaci, Ibituruna, Itumirim e Ribeirão Vermelho, no sudoeste de Minas Gerais, além das comunidades de Pedra Negra, Paiol e Ponte do Funil.

A autora ainda coloca que as obras tiveram início em setembro de 2000, passando a operar em dezembro de 2002, com uma geração de 180 megawatts. Atualmente a usina é gerida pela Aliança Energia.
Para obter a licenças ambientais e implantar o projeto, o consórcio CEMIG/CVRD elaboraram
Um plano de controle ambiental que incluiu um elevador para a transposição de peixes, a recomposição de infraestrutura para as famílias que tiveram seus imóveis desapropriados, a relocação destas famílias e sua reativação econômica, a educação ambiental, a criação de unidades de conservação, o resgate da flora e fauna, etc. Para construir a represa do Aproveitamento Hidrelétrico Funil, diversas comunidades que se localizavam à margem do rio Grande, como Ponte do Funil, Pedra Negra e Paiol, além de 30% do distrito de Macaia, ficaram debaixo d´água. Houve a necessidade de relocar pessoas das comunidades rurais de Pedra Negra e Ponte do Funil e parte do distrito de Macaia (ARAÚJO, 2005, p. 42).

Conforme apontam os estudos, o distrito de Pedra Negra não se constitui mais por uma territorialidade rural, pois, passou a integrar a mancha urbana do município de Ijaci, fato semelhante ao ocorrido com a Comunidade da Ponte do Funil que após regularização dos imóveis junto à Secretaria de Obras da Prefeitura de Lavras, passou a pertencer oficialmente a este município na condição de bairro residencial com o nome de Comunidade do Funil, inclusive sendo cobrado dos moradores o IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano), conforme relato do entrevistado “B”. Curioso é que sua localização geográfica está a aproximadamente 10 km de distância do tecido urbano lavrense, conforme mostrado na imagem 4.


Imagem 4, fonte: Google Earth Pro

Esse fato evidencia uma das consequências da implantação da usina hidrelétrica: o processo forçado de desterritorialização/territorialização perverso causado por grandes empreendimentos. Araújo (2005) elencando algumas consequências da implantação da usina afirma que houve uma considerável mudança no modo de vida das pessoas, mudando seu estilo de vida rural para um estilo urbanizado, com estruturas urbanizadas. Conforme o blog Lavrasmg.wordpress (2012)
dentre as obras institucionais implantadas, foram construídos um campo de futebol, um centro cultural também utilizado como escola, um posto de saúde, duas praças, uma capela e uma Estação de Tratamento de Esgotos. Além destas obras, foi construída uma grande área de lazer na comunidade visando a utilização da orla, composta por toda uma infraestrutura com sanitários, chuveiros e churrasqueira e uma área destinada a camping.

Dialogando com Santos (1996), podemos perceber a relação entre as ações humanas alterando a configuração espacial e também, essa configuração espacial moldando as novas ações humanas. No caso específico da Comunidade do Funil, a alteração das ações daquelas famílias foi forçada, determinada de um lugar distante. Além disso, a nova infraestrutura é, muitas vezes, estranha ao próprio lugar, ou seja, estranha à dinâmica sociocultural construída pelos moradores ao longo de suas vidas.
É justamente essa situação que tem gerado conflitos de interesses entre os moradores da Comunidade e o consórcio que administra a usina, bem como entre os próprios moradores. Esses conflitos se tornam ainda mais evidentes quando se analisa a Associação dos Agropecuaristas da Ponte do Funil, a Agrofunil.

Sobre a Associação dos Agropecuaristas da Ponte do Funil -Agrofunil

De acordo com o Estatuto da Associação dos Agropecuaristas da Ponte do Funil, aprovado em Assembleia Geral em 19/11/2003, trata-se de uma sociedade civil, sem fins lucrativos, com prazo de duração indeterminado, com Sede no Povoado da Ponte do Funil, município de Lavras/MG. Dentre suas finalidades destaca-se “Contribuir para o fortalecimento econômico e social dos agropecuaristas associados, que foram realocados em função do empreendimento AHE Funil, estimulando o trabalho associativo e solidário”, o estímulo ao “aumento da produção e a melhoria da produtividade e da qualidade da produção de seus associados”. Para ambos se busca realizar compra de insumos e comercialização da produção, assistência técnica, financiamentos trabalhando coletivamente. Sua área de abrangência, para efeito de atuação, compreende os municípios de Lavras, Perdões, Ribeirão Vermelho, Bom Sucesso e Ijaci.
Com relação às receitas, despesas e patrimônio, a Associação terá seu capital formado por contribuições de seus associados, que poderão ser pagas de uma única vez ou em parcelas, com valor decidido em Assembleia. A receita da Associação deverá sair de percentuais a serem definidos previamente, por ocasião das vendas realizadas. Esses percentuais cobrados servirão para cobrir despesas gerais da sociedade. Os recursos financeiros da Associação serão depositados em conta a ser mantida em estabelecimento financeiro no município de Lavras – MG.
A associação poderá arrendar ou alugar, para terceiros, áreas e/ou equipamentos/implementos, desde que isso seja aprovado em Assembleia Geral e que não prejudique os interesses da entidade.
A seguir são apresentados alguns relatos importantes dos moradores da Comunidade entrevistados pelos autores deste trabalho e que compõem a Agrofunil.

Visita à Comunidade do Funil e à Agrofunil

No dia 15/01/2016 aconteceu a primeira visita à Comunidade do Funil com vistas a coletar informações sobre a Associação. Dois associados foram entrevistados e serão chamados a partir daqui de entrevistados “A” e “B”. Houve o cuidado de retornar à comunidade no dia 24 e 25/02/2016 e conversar novamente com esses entrevistados para mostrar-lhes os resultados preliminares da presente pesquisa uma vez que “a entrevista permite correções, esclarecimentos e adaptações que a tornam sobremaneira eficaz na obtenção das informações desejadas” (LUDKE; ANDRÉ, 1986, p. 34).

Conversa com o entrevistado “A”:

Indagado sobre a associação, “A” respondeu que “tem associação, mas não funciona. São dez famílias, aí individualmente funciona, mas em grupo não.” Com relação à comercialização de seus produtos (da Associação) “A” relatou que “tentou, mas não conseguiu não. Meu milho de 2015 e do “B” foi vendido na região, para um silo em Perdões e para um produtor em Lavras”.
Sobre a colaboração da usina, “A” respondeu: “a Usina ajudou com o insumo, muda, mourão, arame. Alugava terreno para trabalhar com maracujá e depois eles compraram o terreno no Paiol e agora plantaram eucalipto lá.” Lembrando que Paiol é uma comunidade rural próxima à comunidade do Funil.“A” afirma que utiliza a parte baixa do terreno para plantar milho. “O terreno não é bom para o cultivo do maracujá. O milho dá e o eucalipto também.” Sobre o terreno do Paiol, “A” respondeu que “são mais ou menos 15 hectares e está no nome da associação”. Sobre a participação da associação em feiras “A” responde: “não mexem com feira. Às vezes individualmente têm pretensão”.
Sobre a situação atual da Associação, “A” descreve a seguinte situação: “só têm alguns membros mexendo.” Completa ainda que “não existe benefício nenhum. Só temos prejuízo”.
Alguns membros são funcionários da Prefeitura Municipal de Lavras, e têm também a função de cuidar da comunidade: roçar, cuidar da bomba e da parte externa da escola também (grama e limpeza).
Na escola da comunidade existe um terreno onde se plantam verduras e legumes. O entrevistado foi questionado a respeito da horta e relatou o seguinte: “quando arrumamos serviço na Prefeitura o senhor “X” deu a ideia de fazer a horta. Quando sobra alguma coisa dá pra comunidade, mas é pra consumo da escola.” Nessa conversa, “A” informou que é feita uma campanha nos domicílios e nos ranchos próximos à comunidade para a coleta de latinhas de cerveja: “os ranchos ajudam com latinha” e completa: “com o dinheiro da latinha, os senhores “X” e “Y” compram as mudas e eu e “B” ajudamos a capinar e cuidar”. Nesse momento ele expõe a necessidade de maior articulação dos associados.
Questionado sobre a utilidade pedagógica da horta, “A” afirmou que “a escola andou levando os alunos pra plantar na horta. Um aluno da UFLA levou os alunos pra plantar na horta”.
Sobre parcerias “A” relatou que “A Prefeitura fornece só a Mão de Obra” e que “a usina não anda tendo interesse”.
Perguntou-se se houvesse parceria ou suporte para a associação, se ela poderia melhorar. “A” respondeu: “há dificuldade na parceria com a Usina no momento, mas há ganhos também”. E completa: “Existe vontade de mexer com um espaço maior para horta, mas a usina não quer liberar o terreno”.
Com relação às promessas feitas na época das negociações com a Usina, “A” afirmou que “a usina prometeu 2 hectares mais morada e até hoje isso não foi passado.”
Por fim, “A” foi indagado sobre a melhor forma de se poder ajudar a associação, ao que ele respondeu que “nós estamos fazendo o que pode, mas nós não temos tempo e precisaria da comunidade para ajudar.”

Conversa com o entrevistado “B”:

Sobre sua história “B” relata: “eu saí de onde eu morava com 27 anos de idade e não me deram o terreno.” Esse terreno que “B” cita nessa afirmação são os dois hectares que foram prometidos na época da negociação e do reassentamento. E reforça sua indignação: “nós temos objetivo e a usina trava, mas a gente quer o terreno que é de direito”.
B” ressalta o descaso da Usina com a comunidade quando afirma que “tem muita coisa pra arrumar na comunidade”. “Eu não acredito em mais nada. É só pro povo ouvir. Eles não vão pagar nada”.
Nesta mesma conversa, “B” faz uma afirmação inquietante: “depois vai apurar quem é o dono, é sempre político(grifo nosso). “B” informa ainda que “o contato com a usina é com uma funcionária administrativa que acompanha as associações”.
A respeito da associação “B” informa que “a ideia é continuar com a associação e desvincular da usina”,[pois], “o último convênio foi feito em 2008 e até hoje, mais nada.” Esse ‘desvincular da usina’ nos causa estranhamento, pois, no artigo 4º do estatuto da associação está dito que “A Associação dos Agropecuaristas da Ponte do Funil tem no seu gerenciamento independência de qualquer órgão oficial ou empresa particular”. Isso nos suscita a questionar se eles consideram os convênios como uma forma de elo entre a empresa que administra a usina e a Associação numa condição hierárquica ou se há alguma tentativa, mesmo que velada, de controle das atividades da Associação pela empresa.
Afirma ainda que “a Emater ajudava e depois parou”. Com relação ao funcionamento da associação, “B” é bem categórico ao dizer que “é muito difícil trabalhar coletivamente.” Questionado sobre a existência de outras associações, “B” responde que “tem duas associações: Agrofunil e Artfunil, e ainda, há uma Cooperativa, a “Cooperfunil da pesca e criatório.” Afirma também que “existe associação de moradores. O presidente é o senhor “W”, que mora aqui mesmo na comunidade”.
Sobre a horta, “B” declara que “dentro do estatuto não está incluída a horta. A gente acaba ajudando, mas não é da associação [Agrofunil], não.” Completa que a “a associação não tem nada a ver com a horta [mas] é uma horta comunitária que têm alguns responsáveis por cuidar dela”. “B” afirma ainda que “algumas pessoas dão dinheiro pra ajudar na horta. O povo dá as latinhas”. Esse povo o qual “B” se refere são os proprietários de casas de campo nas proximidades da comunidade e os donos de bares/restaurantes na própria comunidade. Essa ajuda permite que “na época do frio dá pra colher bastante”. Ele relaciona com o período de frio porque, segundo relata, é esse período o ideal para plantar. Apesar de diminuir um pouco a quantidade de latinhas de bebidas coletadas, o volume conseguido no período quente é suficiente para fazer uma pequena reserva de recursos e complementar a baixa coleta de latinhas no frio.

Considerações finais:

Conforme pode ser observado, há muita dificuldade de articulação da Agrofunil com a comunidade. Também há uma grande dificuldade de organização interna e união dos associados. Nesse sentido, aponta-se como sugestão inicial uma aproximação da Universidade Federal de Lavras com a comunidade, no sentido de auxiliá-los nos primeiros passos em direção a uma organização mais efetiva da associação.
Pode-se pensar essa aproximação com a oferta de cursos, palestras, informativos e outros meios de comunicação que sejam a ponte entre o conhecimento científico e o conhecimento dos moradores.
Como proposta de encerramento do trabalho foi elaborado um texto informativo com linguagem acessível e montagem de uma palestra (apresentação em telas) para os associados apontando a necessidade de organização coletiva, bem como as possibilidades para a dinamização dessa organização. Esse material ficará à disposição da Diretoria da Associação para divulgação.
Acredita-se que os referenciais da economia solidária sejam um interessante precursor dos trabalhos. Assim, se faz necessário que estudos continuem a ser realizados, espera-se que este abra as portas para novas formas de pensar aquele contexto socioespacial, preferencialmente de maneira interdisciplinar.

REFERÊNCIAS

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