terça-feira, 29 de dezembro de 2020

Política : princípios ou alianças?

Dez 2020 (escrita em revisão) - Celso Vallin


Será possível atuar na política de uma forma neutra?

Para responder isso, é preciso pensar: o que estão chamando de neutro?

As pessoas entendem neutralidade de diversas formas. Poderia ser o equilíbrio, ponderação, e justiça social? Mesmo que seja, isso não é algo simples. Algumas pessoas entendem que ninguém é neutro, porque sempre existem preferências e interesses e, mesmo que não se perceba, nossas decisões são afetadas. Nesse modo de pensar, as pessoas que se dizem neutras estariam enganadas, enganando, ou sem perceber que há interesses.

Por outro lado, quando temos a intenção de usar a justiça social para orientar certa decisão, dependeremos do entendimento de cada situação, e da interpretação das relações sociais. A justiça social pode ser um bom parâmetro, mas não existe um modo único de ver o que é justo, ou injusto, socialmente.

Princípios são ideias e ideais que orientam nossa ação, nossas decisões. Mesmo uma instituição tem princípios. Para analisar melhor uma dada situação, podemos usar princípios ou ideias que foram construídas ao longo da vida, ou da história, e que se basearam em acontecimentos e análises anteriores. Um princípio pode ser uma construção coletiva, e algo muito sólido. Nesse caso, ser neutro pode ganhar a conotação de agir conforme princípios, e não conforme nossos impulsos ou interesses mais imediatos, que podem estar escondidos, serem muito particulares, ou mesmo desconhecidos.

O problema da tomada de decisões, de forma socialmente justa, fica mais complicado quando lembramos que existem alianças. Estabelecemos alianças com pessoas, com instituições, e das instituições das quais participamos com outras instituições. Quando se tem alianças, em geral, é porque muitos princípios, ideias e ideais são coincidentes. Mas é quase impossível que duas pessoas, ou duas instituições tenham os mesmos princípios para tudo, e os mesmos entendimentos. Sempre haverá situações em que a vontade ou necessidade de um aliado nos pedirá para agir contra algum princípio que temos.

Num caso assim, uma primeira possível providência é verificar se aquela pessoa, ou instituição, tem seus princípios declarados e conhecidos. Se tiver, analisamos se a decisão desejada está de acordo, ou se contraria algum, ou alguns, dos princípios que temos, e que a outra tem. Se houver contrariedade, podemos tentar esclarecer, com questionamentos, discussões e reflexões, e procurar chegar a acordos que respeitem tais princípios.

Certamente outro caminho possível é contrariar a aliança e fazer valer o princípio, e nesse caso será bom se pudermos mostrar a razão para isso. Mas alianças são importantes e não é bom ignorar, desfazer. Algumas vezes, certa aliança é tomada como muito importante, e nesse caso os princípios são deixados de lado, ou despercebidos. Se tomarmos uma decisão para privilegiar uma aliança, seja com pessoa ou instituição, não teremos como justificar tal decisão por meio dos princípios. Acabamos por decidir algo que vai contra certas ideias que defendíamos, em função algum pedido, ou para agradar ou favorecer alguém ou alguma instituição.

A quem deveríamos dar primazia: às alianças ou aos princípios? Por que favorecer uma aliança, mesmo quando a situação contraria nossos princípios?

Algumas vezes nossos princípios não estão muito claros, nem para nós. Não ter clareza de quais são nossos princípios, é quase o mesmo que não ter princípios. Mas agir a favor de alguma situação que contraria nossos princípios também é quase o mesmo que não ter princípios. Ainda vale perguntar: por que os princípios são contrariados?

Algumas vezes as contrariedades não são tão claras. Não é fácil decidir, pois os princípios costumam ser isolados, enquanto que a realidade da sociedade e da vida, nos apresenta situações e condições com necessidades da natureza, e ciência, que não são simples, mas complexas, por envolver muitos e até desconhecidos fatores que se interpõe e interagem. Dai, muitas vezes vale ampliar a discussão, vale demorar a decidir, em função de pedir que mais gente possa refletir, trazer informações e análises que nos ajudarão na decisão. Vale deixar mais claro onde estão as contrariedades e quais princípios estão envolvidos.

Por que valorizamos as alianças?

Alianças envolvem confiança e poder. A confiança é uma construção histórica. Pode ser comparada uma uma pilha de peças que vão sendo colocadas umas sobre as outras, e que vai subindo e crescendo. Cada ato histórico que temos a nosso favor é uma peça dessa pilha, que constitui a confiança. Só confiamos em pessoas que, ao longo do tempo, tiveram posicionamentos que são coerentes, e que nos levam a crer que, por trás dos posicionamentos,  existem princípios. Não adianta a pessoa declarar seus princípios. É preciso que o tempo mostre que as ações de realidade seguem aqueles princípios,  para que possamos ter confiança que são considerados importantes. Essa sequência temporal concretiza os princípios. Mas, como as peças empilhadas, basta que uma só ação seja incoerente, e contrarie o que vinha sendo feito, para que a confiança seja perdida, e destruída. Uma ação contrária é suficiente para gerar insegurança na relação.

Do mesmo modo que dissemos de alianças com pessoas, valem as ideias para alianças com instituições. A história vai gerando confiança, pela sequência de fatos coerentes com princípios, mas a incoerência derruba a segurança.

As alianças são importantes? Por que?

Quando construímos alianças, temos mais força. Sem força, não conseguimos fazer quase nada. As alianças podem ser condição para certas realizações. De que adianta ter boas ideias, princípios firmes, se nada podemos? De que adianta se somos fracos, socialmente, e quase nada realizamos?

Para construir alianças, nós também precisamos do tempo histórico, para demonstrar nossa respeitabilidade. Sim, porque as pessoas e instituições não confiarão em nós, ou em nossa instituição, se não dermos motivos. Precisamos que as pessoas e instituições confiem em nós, ou em nossa instituição. Portanto, é preciso tempo, e coerência nas ações.

Nesse campo de alianças existe, muitas vezes, uma política de favorecimentos mútuos. Apoiamos alguém, e quando for preciso teremos seu apoio. Nessa lógica, os princípios não ficam em primeiro plano.

Como pessoa, quando apoiamos outras pessoas, ganhamos amizade. Quando existe amizade, tudo o que a outra pessoa faz é visto com certa condescendência, certa boa vontade. Por exemplo, quando uma pessoa amiga nos dá um tapa no ombro. Logo supomos que se trata de uma brincadeira. Mas se alguém, que não gostamos, nos dá um tapa no ombro, nossa reação pode ser imediata, dizendo coisas horríveis, ou revidando. Nossa reação negativa pode ser mais grave do que o próprio tapa inicial. O pior, é que aquela pessoa, que não gostamos, poderia ter dado o tapa por acidente, sem querer. Outro exemplo de boa e má vontade, poderia ser o caso de quando ouvimos dizerem que uma pessoa amiga cometeu um assassinato. Logo tentaremos encontrar justificativas, ou imaginamos quais seriam as condições extremas que teriam levado a pessoa a tal ato. Mas ao contrário, se dizem que uma pessoa, da qual não gostamos, cometeu um assassinato, podemos até não nos envolver, mas ficaremos imaginando, e querendo informações sobre a sordidez do ato. Enfim, nosso olhar, e nossos posicionamentos dependem bastante de nossa relação com a outra pessoa. A boa vontade pode gerar protecionismo. A má vontade cria obstáculos. O mesmo pode acontecer entre instituições: reações boas com algumas, e reações não tão boas com outras. Com isso queremos mostrar que a troca de apoios não é algo tão inesperado. Vimos que o julgamento que fazemos dos atos de outras instituições, ou pessoas, pode ser tendencioso, e pode levar a ações não tão ponderadas. Tentamos mostrar que a ação com justiça, e equilibrada, pode não ser tão imediata, ou simples.

Cultivar a boa vontade dos outros em relação a nós, ou à nossa instituição, é importante. Sempre gostamos de contar com o apoio de outras pessoas ou instituições, porque a boa vontade nos fará bem, nos ajudará. Por isso pessoas e instituições cuidam de sua imagem.

 Para concluir, podemos dizer que não existe dilema entre princípios e alianças. Mas é preciso equilibrar alianças e princípios porque ambos são positivos. Queremos os dois. O problema é que tantas vezes um contraria o outro, é diante dessa contrariedade é preciso clareza para se fazer uma boa escolha.

Assim é a política: de um lado podemos estar soberanos em nossos princípios mas fracos em alianças; de outro podemos ter grande potência devido à construção de uma teia de alianças, e com mais dificuldades para manter um respeito absoluto aos princípios.

A solução não é simples, ou mágica, mas com esta reflexão queremos chamar a atenção para o tensionamento entre esses dois lados: alianças e princípios, pois sabendo disso, é mais fácil buscar ter mais clareza sobre o que está por trás de cada decisão, quais são os princípios envolvidos, e o que está em jogo em cada aliança.

Finalizamos lembrando que pessoas e instituições mudam; mesmo os princípios podem, e devem, ser reconstruídos ao longo do tempo. A consciência da transitoriedade nos dará ainda maior paciência com algumas pequenas incoerências.



 

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