quarta-feira, 17 de junho de 2020


PANORAMA DA EDUCAÇÃO NO BRASIL HOJE

Celso Vallin - Dep. Educação UFLA - 2020


O Brasil precisa muito melhorar sua educação. Para quem faz um curso superior em licenciatura, é interessante perceber que, por meio de sua profissão poderá colaborar num problema de grande relevância social. Mas é preciso compreender onde e como são os problemas, e também perceber avanços que tivemos mais recentemente, para valorizar o que já conquistamos. Atuar de forma crítica significa perceber as duas coisas: os problemas, e as conquistas.


ANALFABETISMO

O analfabetismo de jovens e adultos no Brasil passou de 12% em 2004 para 9% em 2012 considerando pessoas com 15 anos ou mais (http://portal.mec.gov.br/component/tags/tag/32962). Dados de 2019 mostram que o Brasil ainda tem uma quantidade muito grande de analfabetos. São 11 milhões de pessoas (Jornal BRASIL DE FATO, 2019 - https://www.brasildefato.com.br/2019/09/10/chance-de-acabar-com-analfabetismo-no-brasil-ate-2024-e-zero-afirma-especialista). É muita gente, quase 7% da população. É considerada analfabeta a pessoa que não consegue ler e escrever um recado simples como “Maria: fui ao mercado”. Imagine, o que consegue fazer em sua vida uma pessoa assim, hoje? Que oportunidades terá? São pessoas que têm dificuldade para conseguir trabalho e renda e se integrar à sociedade. O problema tem solução: a Bolívia conseguiu estar livre de analfabetismo; foi uma conquista dos anos de governo indígena (Evo Morales). No Brasil, em 1964 Paulo Freire encabeçava um programa nacional de alfabetização, mas por causa do golpe militar foi preso e depois exilado.

Em 2009 no estado de Minas Gerais tivemos o Proalfa (Programa de Avaliação da Alfabetização) que diagnósticou lacunas da alfabetização. Programas como esse demoram anos e conseguem sua efetividade na medida em que são feitas correções de rumo baseadas na praxis do cotidiano das formações, no modo de atuar de quem faz a formação e, da ação pedagógica (alfabetização nesse caso). Infelizmente o programa não teve sustentabilidade política suficiente. Sofreu interrupções e descontinuidades.

No nível nacional tivemos o Pnaic (Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa). Em 2011 houve uma avaliação que mostrou que quase metade dos/das estudantes do terceiro ano fundamental não estavam bem alfabetizados. Em 2013 começa uma formação de professores, mas de forma incremental e meio improvisada. O programa funcionou por poucos anos e foi interrompido.

Em 2014, foi estabelecida uma lei, o PNE (Plano Nacional de Educação), para se acabar com o analfabetismo no Brasil até 2024. Já estamos em 2020 e é fácil notar que isso não está acontecendo. Ainda mais porque no governo Temer foi aprovada a mudança da Constituição (Emenda Constitucional 95/16) que congelou gastos com educação por 20 anos, e também pela crise econômica que começou em 2014 e se agrava até hoje, e agora pela pandemia de covid-19.

Muitos dos problemas encontrados em anos mais avançados de estudo estão ligados ao fracasso na alfabetização, ou a uma alfabetização incompleta. Encontramos estudantes com dificuldades na leitura e escrita mesmo nos cursos superiores. Dai a importância de se ter e reforçar políticas de EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS.



CONQUISTAS RECENTES

Por outro lado é possível apontar algumas ações positivas nas últimas décadas. A educação era obrigatória somente dos 7 aos 14 anos e agora esse direito vai dos 4 aos 17 anos (Emenda Constitucional nº 59/2009). Com isso a educação infantil e o ensino médio passaram a ser obrigatórios. Antes, somente o ensino fundamental era obrigatório, e essa etapa tinha duração de apenas 8 anos. A partir de 2006 passou para 9 anos (lei 11.274). Na realidade observa-se claramente um aumento das crianças e jovens que frequentam a escola. Até bem pouco tempo grande parte da população mais pobre só começava a ir para a escola com 7 anos. E já entrava de modo defasado aos demais, que tinham começado mais cedo. Não se pode imaginar que o problema da oferta de educação pública de qualidade esteja atendido, mas a frequência escolar a partir dos 4 anos já é uma realidade: a média para o Brasil, em 2018 é de 92% na escola (IBGE - Informativo Pnad Contínua - Educação, 2019 - https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101657_informativo.pdf). A criança que começa a escolaridade aos 4 anos ou antes, terá um potencial melhor para se alfabetizar entre 6 e 8 anos, que é considerada como a "idade certa". As crianças menores, mesmo não sendo alfabetizadas, estarão mais preparadas para frequentar uma escola, usar caderno e lápis, mexerem com livros de história, ver números e palavras, e outras capacidades. É uma realidade que trará frutos nos anos seguintes. As crianças que igressaram na educação infantil com 4 anos em 2017 estarão concluindo o ensino médio em 2031, se forem sempre aprovadas.

Por meio do programa (Proinfância) entre 2007 e 2015 foram construídas 2.533 escolas de educação infantil. Isso foi, e ainda é, importante para o Brasil. Ainda mais quando se compara com alguns países ricos, que não precisam construir nem 1 escola, pois já atendem a demanda. Ao mesmo tempo esse programa avançou menos da metade do previsto e há problemas de muitas ordens, inclusive corrupção (https://www.cartacapital.com.br/educacao/o-proinfancia-e-a-dificuldade-de-construir-creches-no-brasil/).

No âmbito do ensino médio tivemos um grande programa de re-formação de docentes que já estavam em serviço, o “Pacto Nacional pelo Fortalecimento do Ensino Médio” que aconteceu, mas foi interrompido quando estava apenas começando, embora tenha custado muitas energias de universidades, escolas e professore/as do ensino médio, e também dinheiro público. Esse programa foi sucedido pela lei do “novo ensino médio”, e pela BNCC, que vão na direção contrária.

Foram criados muitos cursos de licenciatura em universidades públicas. Na UFLA até 2008 não havia cursos noturnos. Hoje temos licenciaturas que acontecem no diurno e no noturno, permitindo o acolhimento de pessoas que trabalham e não conseguiriam estudar de dia. A UFLA atende estudantes de toda a região e alguns que vêm até de outros estados. A chegada de ônibus cheios de estudantes que vêm de Nepomuceno, Luminárias, Nazareno, e outros municípios vizinhos, todas as noites, e sua presença marcante nos cursos de licenciaturas, é um sinal forte de uso social da universidade pública. A abertura de novas vagas de licenciatura foi uma política do programa Reuni em todo o país e ajudou a diminuir a necessidade de contratação de professores leigos, que atuavam em grande porcentagem nas escolas brasileiras. Antes disso aconteceram projetos como o Veredas em Minas Gerais que permitiram a formação inicial para professores leigos que estavam em serviço em escolas públicas. Para se construir um país que seja de todos, em que a população possa viver com dignidade, é preciso erradicar o analfabetismo e avançar na escolarização. Mas não só isso. É preciso conseguir fazer uma educação que vá além da reprodução de operações, que não seja tecnicista e somente memorizadora. Queremos uma escola que desenvolva a autonomia de estudo e a crítica social.

A UFLA possui hoje 8 licenciaturas: Matemática, Educação Física, Filosofia, Física, Química, Biologia, Letras e Pedagogia. Isso é muito importante para alimentar a região com professores bem formados. Porque hoje ainda é observado que grande parte dos/das professores/as contratados para escolas básicas são temporários, e não concursados, e não vêm de uma formação que se possa considerar de bom nível, infelizmente. É desagradável falar isso, mas ainda temos muita gente formada em cursos aligeirados, muitos deles por meio da educação a distância barateada.

Outro avanço que tivemos nos últimos anos foi o sistema de ingresso por cotas. A nossa universidade há 10 anos era quase toda povoada só por pessoas de pele branca, destoando da diversidade que se via na própria cidade, a poucos metros de distância. Hoje já temos grupos internos que trabalham a valorização da diversidade, do movimento negro, e de lutas contra opressões sociais históricas que muitas vezes se reproduzem nas relações de aula e na universidade. Estudos mostram que já temos MAIORIA de negros frequentando as universidades, em média, para o Brasil inteiro. E em relação a professores negros/as, também vem aumentando a quantidade, embora seja um processo mais lento e posterior.

Já tivemos também na UFLA a oferta de cursos de especialização de professores, como foi o caso do GDE (Especialização em Gênero e Diversidade na Escola), que realizou formação continuada para centenas de docentes da região. Esse e outros cursos fizeram parte de uma política pública de formação para a diversidade, desenvolvida pelo MEC e que depois foi descontinuada.

Destacamos ainda as disciplinas de valorização da pessoa do campo, dos negros, dos indígenas, das mulheres, da diversidade gênero, que fazem parte do currículo padrão do curso de pedagogia da UFLA.

Outro avanço importante para a educação foi a criação do Fundeb. Os recursos aplicados em educação no Brasil eram tradicionalmente de 5% ou menos, e passaram para algo próximo a 6% em 2012. No PNE (Plano Nacional de Educação) conseguiu-se aprovar no Congresso Nacional, em lei, o aumento para 7%, com previsão para aumentar depois para 10%, mas o que vem acontecendo é o inverso. Diminuem os recursos aplicados em educação nos últimos anos. Além do que, temos visto uma política governamental de ataque às universidades públicas.

Apontamos ainda a importância da lei do Piso Salarial Nacional para o magistério público, aprovada em 2008 (lei 11.738) que, além de assegurar um salário mínimo, também contribui para a valorização docente ao estabelecer o tempo extra-aula como um terço da jornada de trabalho.

Diante dos problemas todos apontados aqui para o desenvolvimento da educação, é coerente perceber que são poucas as pessoas que concluiram um curso superior no Brasil. Mesmo assim, é positivo ver os avanços. Entre 2000 e 2010 a porcentagem da população que possuia curso superior avançou de 4% para 8% (https://guiadoestudante.abril.com.br/universidades/censo-do-ibge-mostra-crescimento-no-numero-de-brasileiros-com-ensino-superior/). Em 2018 já eram 16% ( https://educa.ibge.gov.br/jovens/conheca-o-brasil/populacao/18317-educacao.html ).

Mas se observarmos somente os mais novos (entre 25 e 34 anos), um estudo da OCDE aponta 21% com curso superior completo. Entre esses, embora se saiba que muitos têm uma formação ruim, e/ou não atuam em trabalhos que reconheça seu diploma, os avanços são significativos e importantes. Os mais velhos não foram incluidos por esse estudo, porque passaram por uma realidade de formação diferente, menos intensa ou abrangente.

Essa informação também nos coloca, professores e estudantes da UFLA, com grande responsabilidade, visto que estamos entre os poucos que tiveram acesso aos estudos e temos a possibilidade de atuar para a mudança social no país, apesar das precárias condições.


Para finalizar podemos ainda observar a evolução da escolaridade em todos os níveis


Nível de instrução das pessoas com 25 anos ou mais (Brasil - 2018)
Analfabetos - 6,9% ( https://educa.ibge.gov.br/jovens/conheca-o-brasil/populacao/18317-educacao.html )
Fundamental incompleto
33,1
Médio completo
26,9
Fundamental completo
8,1
Superior incompleto
4,0
Médio incompleto
4,5
Superior completo
16,5

A tabela acima representa 100% da população, mostrando quantos porcento de pessoas tem cada faixa de escolaridade (ou instrução). Somando-se as porcentagens vemos que os que NÃO COMPLETARAM O ENSINO MÉDIO são 52,6%. Isso é muito ruim. São pessoas com dificuldades grandes para se inserirem na vida social e laboral.


Taxa de escolarização

Esse número representa a proporção entre estudantes e a população total para um grupo etário.
A taxa ajustada de frequência líquida = é a proporção entre estudantes que estão na etapa esperada e população total para uma faixa de idade

Boletim PNAD Contínua Educação - publicado em 2019, relativo aos dados de 2018
Taxas de Escolarização (https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101657_informativo.pdf)

0 a 3 anos
34,2%

15 a 17 anos
88,2%
4 e 5 anos
92,4%

18 a 24 anos
32,7%
6 a 14 anos
99,3%

25 ou mais anos
4,6%

As taxas mostram a quase totalidade (mais de 90%) das crianças frequentam escolas na idade de 4 a 14 anos. Entre 0 e 3 anos a taxa é menor, mas a educação é opcional. Já na faixa do ensino médio, 15 a 17 anos, temos uma pequena baixa: 88%. Depois vemos uma queda expressiva em relação à faixa de 18 a 24: 32,7%.


Estudam na Rede Pública (https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101657_informativo.pdf)

Educ. Infantil
74,3%

Ensino Médio
87,0%
Ensino Fundamental
82,3%

Superior - Graduação
25,8%

Vemos da tabela acima que a grande maioria do povo brasileiro frequenta escola pública. Esse é um motivo de orgulho, visto que muitos em países é preciso pagar tem acesso à escola.

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