A_DOCÊNCIA_NA_CONTEMPORANEIDADE.
Celso
Vallin - fev2015
É com orgulho que
participo dessa mesa redonda, inaugural do curso de Pedagogia da
Universidade Federal de Lavras.
Em geral, quem trabalha
na escola ou estuda para ser professor/a se queixa do salário
que é pouco, da falta de
condições de trabalho, mas quando aprofundamos a conversa
percebemos que é dada grande importância para o modo como a
sociedade, em geral, atribui valor e importância a essa profissão e
posição social. Ao
analisar essa questão Vivemos dias em que ser professora, ou
professor é visto como algo sem prestígio. Mas isso não é
completamente verdade. A sociedade comporta-se como um doente com
esquizofrenia ou bipolaridade. Ora valoriza e ora desvaloriza a
posição docente. Aqui mesmo na Universidade Federal de Lavras,
entre nós do Departamento de Educação, como também já vi
acontecer em outros lugares, percebi que em certas conversas, em que
estão presentes vários professores, usa-se chamar de professor
fulano, ou cicrana, como forma de demarcar que aquela pessoa tem
maior importância. Isso acontece quando, por exemplo, a pessoa se
refere a um colega e ao reitor. Essa pessoa diria “Estarão
presentes o professor Celso e a Aparecida”, sendo que ela também é
uma professora, mas não recebeu o título. Além disso, pela vida
afora percebemos que isso também acontece. Em filmes como “Deus é
brasileiro” (dirigido por Cacá Diegues em 2003), não podendo
revelar que aquele personagem do Antonio Fagundes era Deus, e o
pescador espertalhão vivido por Wagner Moura, passa a chamá-lo de
“professor” para demarcar que o outro merece ser visto com
destaque, com grande respeito. E funciona. Todos passam a respeitá-lo
porque é conhecido como “professor”. Quando queremos dizer que
alguém é grande conhecedor de certo assunto ou que tem grande
habilidade em certas tarefas dizemos algo como: “Mas o cara é um
professor em fotografia!”.
Talvez essa
bipolaridade venha do confronto entre o que a cultura nos ensina e o
que a realidade apresenta. Culturalmente sabemos que aquele/a que
ensina é alguém que sabe mais, sabe das coisas, que merece respeito
por isso. E quando chegamos à realidade das escolas e das aulas
vemos as dificuldades que são enfrentadas para trabalhar na
docência.
Convido nesse momento
para vermos esse filme/charge do Maurício Ricardo. Quando o vejo
sempre lembro-me de alguém que afirmava que um péssimo filme pode
resultar num ótimo material didático. Vamos ao filme: Cotidiano -
Questão pedagógica Charges (.com.br)1min26 (05/09/2011).Disponível
em
<http://charges.uol.com.br/2011/09/05/cotidiano-questao-pedagogica/>.
Acesso em 2015.0.25
Viram como um minuto de
vídeo pode ser muito provocador? Agora convido vocês a fazerem
comentários que reflitam o que vimos, ou seja, dois que mostrem
qualidades e possibilidades do trabalho docente, e dois que mostrem
dificuldades de problemas.
Quanto ao salário
quero lembrar que em 2008 foi aprovada a lei do Piso. Houve uma luta
judicial que durou até 2011, a partir de quando deveria estar sendo
cumprida. Esse valor é reajustado anualmente e em 2015 foi para R$
1.917,78. Esse deve ser o salário inicial
dos professores de escola pública, com formação de nível
médio, leva em conta uma jornada de trabalho de 40
horas semanais.
Junto veio a ideia de
um terço da jornada para trabalhos sem alunos, que deve ser vista
como um ganho, já que estar em aulas o tempo todo resultaria em ter
que levar trabalho para casa, ou trabalhar como se a docência não
requeresse planejamento e estudos no individual e no coletivo.
Existe uma Cartilha do
Sindiute-MG (SIDIUTE-MG, 2012) que eu recomendo que leiam, que fala
sobre a importância de nos apropriarmos adequadamente dessa ideia de
que para cada tempo de aula teremos metade desse tempo para
preparações.
Quanto às condições
de trabalho, eu percebo que nossa sociedade cuida melhor dos
banheiros de um chopincenter do que daqueles da escola e isso se dá,
em grande parte, porque na escola não são colocados funcionários
suficientes para termos o mesmo padrão de atendimento. Há ainda que
se observar que qualquer agência bancária usa prédios com
finíssimos acabamentos e mobiliário, sendo que se valorizássemos
mais as escolas, estaríamos, como sociedade, investindo mais na
materialidade do prédio, mobiliário e equipamento. Valorizar o
comércio e os bancos mais do que as escolas faz parte da sociedade
do capitalismo, na qual o lucro está acima de tudo, todos são
educados para a competitividade, as propagandas de radio, TV e outras
instituem a ordem do dia e tudo, em geral, nos incita ao consumo
desnecessário. É uma organização social que não cria espaços
para se cultivar a solidariedade, nem para coisas coletivas, comuns a
todos.
Falando nisso lembro-me
que falar mal dos impostos faz parte do senso comum, como vemos nas
piadinhas que seguem.
As
pessoas falam como se qualquer pagamento de imposto fosse
indesejável. Não percebemos que para a classe trabalhadora, os
impostos são a forma possível para implementar as políticas
públicas tão necessárias à justiça social. Ou na dura luta de
combate às injustiças sociais que são berrantes no Brasil.
Por isso considero que
deveríamos ser contra os empresários e políticos que sonegam
impostos (esses que estão no escândalo do HSBC suisso nas últimas
semanas), e os que roubam os impostos recolhidos (como os da Operação
Lava a Jato), ou desviam para interesses deles e não do povo em
geral. Mas não vejo motivo para sermos contra os impostos. Lembro
que existem campanhas muito inteligentes e até dispendiosas para nos
convencer de que devemos ser contra os impostos, como é o caso do
Impostômetro da Associação Comercial de São Paulo. Devemos pensar
que mais impostos nos levam a mais escolas, e a melhores salários e
condições de trabalho. Melhor para o Brasil é enxergar o
Sonegômetro (ver reportagem em
http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2014/08/1494365-video-sonegacao-deve-atingir-r-500-bilhoes-em-2014-indica-sonegometro.shtml).
E será que, nós e
qualquer docente, deveríamos ensinar que é bom termos impostos? Por
que a escola não nos ensinou isso, em contraposição ao senso
comum? Talvez porque ela vem sendo um instrumento de reprodução do
que ai está e não tem conseguido se reinventar.
Entramos num círculo
vicioso. Para combater a injustiça social em que vivemos deveríamos
ter uma escola crítica. Para isso precisaríamos de boas condições
de trabalho, e de professores/as capazes de pensar criticamente. Para
isso, dependemos das escolas que formariam esses docentes críticos.
Por onde começamos? Como ensinar o que não sabemos?
Podemos ver e refletir
sobre que é ser um/a bom/boa professor/a? Pense nisso e depois,
compare suas ideias com algumas que aparecem na pesquisa publicada
pela CNTE
<http://www.cnte.org.br/index.php/cnte-informa/1295-cnte-informa-569-30-de-marco-de-2011/6651-sobre-ser-um-bom-professor-no-brasil.html>.
Mas
ser docente hoje envolve ainda muitas questões complicadas com as
quais teremos que lidar. Lembro das mídias, computadores e
comunicadores digitais. Hoje, uma criança de 9 anos pode aprender a
tecer pulseiras, ou fazer pratos culinários requintados, assistindo
aulas em um tábleti. Um smartfone permite consultas e comunicações
silenciosas dentro de qualquer espaço, até em minhas aulas, ou
hoje, nesse lugar e momento. E como são esses conteúdos a que
estudantes tem acesso pela internet? O que fazem com o Uatizapi? O
que podemos conseguir de bom usando um Faicibuqui? Será que
emburrece? Cria dependência? Ou é fonte de renovação didática?
Para
finalizar lembro das pessoas que vivem no campo e são do campo. Se
eu não falasse talvez muita gente aqui nem lembrasse dessas pessoas.
Entre vocês aqui, tem alguém que já estudou em uma escola, ou em
uma turma em que as pessoas viviam no campo?
Quando
terminarem os estudos e forem trabalhar, estou certo que muit@s de
vocês serão docentes de pessoas que vivem no campo. Isso porque
estamos longe dos grande centros metropolitanos. No curso que iniciam
tem uma disciplina que é chamada Educação do Campo. Em outras
universidades pelo Brasil existem licenciaturas que são totalmente
voltadas para a Educação do Campo. Hoje, os movimentos sociais como
o MST acreditam que é possível construir um projeto de vida social
diferente, com mais solidariedade, com plantações agroecológicas,
mais respeito à natureza e às pessoas. Apoiados em Florestan
Fernandes, Paulo Freire e outros autores o movimento pela Educação
do Campo trabalha para criar escolas diferentes. Mas não vou
conseguir falar disso hoje. Fica só a provocação para despertar a
curiosidade.
Obrigado
pela atenção. Por favor, não façam só perguntas para nós, mas
falem por vocês e conosco.
REFERÊNCIAS
SINDIUTE-MG
Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais.
Cartilha 1/3 da jornada do/a professor/a para hora-atividade é legal
é essencial para uma educação de qualidade. Belo Horizonte,
Sindiute-mg, Março/2012. Disponível em
<http://www.sindutemg.org.br/novosite/files/cartilha-hora-atividade.pdf>.
Acesso em 2015.02.25
Belo filme para reflexão: Os escritores da liberdade
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