sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

A_DOCÊNCIA_NA_CONTEMPORANEIDADE.

Celso Vallin - fev2015

É com orgulho que participo dessa mesa redonda, inaugural do curso de Pedagogia da Universidade Federal de Lavras.

Em geral, quem trabalha na escola ou estuda para ser professor/a se queixa do salário que é pouco, da falta de condições de trabalho, mas quando aprofundamos a conversa percebemos que é dada grande importância para o modo como a sociedade, em geral, atribui valor e importância a essa profissão e posição social. Ao analisar essa questão Vivemos dias em que ser professora, ou professor é visto como algo sem prestígio. Mas isso não é completamente verdade. A sociedade comporta-se como um doente com esquizofrenia ou bipolaridade. Ora valoriza e ora desvaloriza a posição docente. Aqui mesmo na Universidade Federal de Lavras, entre nós do Departamento de Educação, como também já vi acontecer em outros lugares, percebi que em certas conversas, em que estão presentes vários professores, usa-se chamar de professor fulano, ou cicrana, como forma de demarcar que aquela pessoa tem maior importância. Isso acontece quando, por exemplo, a pessoa se refere a um colega e ao reitor. Essa pessoa diria “Estarão presentes o professor Celso e a Aparecida”, sendo que ela também é uma professora, mas não recebeu o título. Além disso, pela vida afora percebemos que isso também acontece. Em filmes como “Deus é brasileiro” (dirigido por Cacá Diegues em 2003), não podendo revelar que aquele personagem do Antonio Fagundes era Deus, e o pescador espertalhão vivido por Wagner Moura, passa a chamá-lo de “professor” para demarcar que o outro merece ser visto com destaque, com grande respeito. E funciona. Todos passam a respeitá-lo porque é conhecido como “professor”. Quando queremos dizer que alguém é grande conhecedor de certo assunto ou que tem grande habilidade em certas tarefas dizemos algo como: “Mas o cara é um professor em fotografia!”.

Talvez essa bipolaridade venha do confronto entre o que a cultura nos ensina e o que a realidade apresenta. Culturalmente sabemos que aquele/a que ensina é alguém que sabe mais, sabe das coisas, que merece respeito por isso. E quando chegamos à realidade das escolas e das aulas vemos as dificuldades que são enfrentadas para trabalhar na docência.

Convido nesse momento para vermos esse filme/charge do Maurício Ricardo. Quando o vejo sempre lembro-me de alguém que afirmava que um péssimo filme pode resultar num ótimo material didático. Vamos ao filme: Cotidiano - Questão pedagógica Charges (.com.br)1min26 (05/09/2011).Disponível em <http://charges.uol.com.br/2011/09/05/cotidiano-questao-pedagogica/>. Acesso em 2015.0.25

Viram como um minuto de vídeo pode ser muito provocador? Agora convido vocês a fazerem comentários que reflitam o que vimos, ou seja, dois que mostrem qualidades e possibilidades do trabalho docente, e dois que mostrem dificuldades de problemas.

Quanto ao salário quero lembrar que em 2008 foi aprovada a lei do Piso. Houve uma luta judicial que durou até 2011, a partir de quando deveria estar sendo cumprida. Esse valor é reajustado anualmente e em 2015 foi para R$ 1.917,78. Esse deve ser o salário inicial dos professores de escola pública, com formação de nível médio, leva em conta uma jornada de trabalho de 40 horas semanais.

Junto veio a ideia de um terço da jornada para trabalhos sem alunos, que deve ser vista como um ganho, já que estar em aulas o tempo todo resultaria em ter que levar trabalho para casa, ou trabalhar como se a docência não requeresse planejamento e estudos no individual e no coletivo.
Existe uma Cartilha do Sindiute-MG (SIDIUTE-MG, 2012) que eu recomendo que leiam, que fala sobre a importância de nos apropriarmos adequadamente dessa ideia de que para cada tempo de aula teremos metade desse tempo para preparações.

Quanto às condições de trabalho, eu percebo que nossa sociedade cuida melhor dos banheiros de um chopincenter do que daqueles da escola e isso se dá, em grande parte, porque na escola não são colocados funcionários suficientes para termos o mesmo padrão de atendimento. Há ainda que se observar que qualquer agência bancária usa prédios com finíssimos acabamentos e mobiliário, sendo que se valorizássemos mais as escolas, estaríamos, como sociedade, investindo mais na materialidade do prédio, mobiliário e equipamento. Valorizar o comércio e os bancos mais do que as escolas faz parte da sociedade do capitalismo, na qual o lucro está acima de tudo, todos são educados para a competitividade, as propagandas de radio, TV e outras instituem a ordem do dia e tudo, em geral, nos incita ao consumo desnecessário. É uma organização social que não cria espaços para se cultivar a solidariedade, nem para coisas coletivas, comuns a todos.

Falando nisso lembro-me que falar mal dos impostos faz parte do senso comum, como vemos nas piadinhas que seguem.
As pessoas falam como se qualquer pagamento de imposto fosse indesejável. Não percebemos que para a classe trabalhadora, os impostos são a forma possível para implementar as políticas públicas tão necessárias à justiça social. Ou na dura luta de combate às injustiças sociais que são berrantes no Brasil.

Por isso considero que deveríamos ser contra os empresários e políticos que sonegam impostos (esses que estão no escândalo do HSBC suisso nas últimas semanas), e os que roubam os impostos recolhidos (como os da Operação Lava a Jato), ou desviam para interesses deles e não do povo em geral. Mas não vejo motivo para sermos contra os impostos. Lembro que existem campanhas muito inteligentes e até dispendiosas para nos convencer de que devemos ser contra os impostos, como é o caso do Impostômetro da Associação Comercial de São Paulo. Devemos pensar que mais impostos nos levam a mais escolas, e a melhores salários e condições de trabalho. Melhor para o Brasil é enxergar o Sonegômetro (ver reportagem em http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2014/08/1494365-video-sonegacao-deve-atingir-r-500-bilhoes-em-2014-indica-sonegometro.shtml).

E será que, nós e qualquer docente, deveríamos ensinar que é bom termos impostos? Por que a escola não nos ensinou isso, em contraposição ao senso comum? Talvez porque ela vem sendo um instrumento de reprodução do que ai está e não tem conseguido se reinventar.

Entramos num círculo vicioso. Para combater a injustiça social em que vivemos deveríamos ter uma escola crítica. Para isso precisaríamos de boas condições de trabalho, e de professores/as capazes de pensar criticamente. Para isso, dependemos das escolas que formariam esses docentes críticos. Por onde começamos? Como ensinar o que não sabemos?

Podemos ver e refletir sobre que é ser um/a bom/boa professor/a? Pense nisso e depois, compare suas ideias com algumas que aparecem na pesquisa publicada pela CNTE <http://www.cnte.org.br/index.php/cnte-informa/1295-cnte-informa-569-30-de-marco-de-2011/6651-sobre-ser-um-bom-professor-no-brasil.html>.

Mas ser docente hoje envolve ainda muitas questões complicadas com as quais teremos que lidar. Lembro das mídias, computadores e comunicadores digitais. Hoje, uma criança de 9 anos pode aprender a tecer pulseiras, ou fazer pratos culinários requintados, assistindo aulas em um tábleti. Um smartfone permite consultas e comunicações silenciosas dentro de qualquer espaço, até em minhas aulas, ou hoje, nesse lugar e momento. E como são esses conteúdos a que estudantes tem acesso pela internet? O que fazem com o Uatizapi? O que podemos conseguir de bom usando um Faicibuqui? Será que emburrece? Cria dependência? Ou é fonte de renovação didática?

Para finalizar lembro das pessoas que vivem no campo e são do campo. Se eu não falasse talvez muita gente aqui nem lembrasse dessas pessoas. Entre vocês aqui, tem alguém que já estudou em uma escola, ou em uma turma em que as pessoas viviam no campo?

Quando terminarem os estudos e forem trabalhar, estou certo que muit@s de vocês serão docentes de pessoas que vivem no campo. Isso porque estamos longe dos grande centros metropolitanos. No curso que iniciam tem uma disciplina que é chamada Educação do Campo. Em outras universidades pelo Brasil existem licenciaturas que são totalmente voltadas para a Educação do Campo. Hoje, os movimentos sociais como o MST acreditam que é possível construir um projeto de vida social diferente, com mais solidariedade, com plantações agroecológicas, mais respeito à natureza e às pessoas. Apoiados em Florestan Fernandes, Paulo Freire e outros autores o movimento pela Educação do Campo trabalha para criar escolas diferentes. Mas não vou conseguir falar disso hoje. Fica só a provocação para despertar a curiosidade.

Obrigado pela atenção. Por favor, não façam só perguntas para nós, mas falem por vocês e conosco.

REFERÊNCIAS
SINDIUTE-MG Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais. Cartilha 1/3 da jornada do/a professor/a para hora-atividade é legal é essencial para uma educação de qualidade. Belo Horizonte, Sindiute-mg, Março/2012. Disponível em

<http://www.sindutemg.org.br/novosite/files/cartilha-hora-atividade.pdf>. Acesso em 2015.02.25

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