segunda-feira, 23 de julho de 2018


TREVA SOCIAL VERSUS ESPERANÇA

Celso Vallin, 2018,07

Você já notou que em certas épocas as pessoas têm mais boa vontade? E, em outras não? Parece que é geral: por todo lado há gente de má vontade. Quero falar de um sentimento e comportamento que não é só de uma pessoa, mas um estado social. Algo que afeta a sociedade em geral. Considero que nesse momento estamos num desses períodos sociais de má vontade. Não se trata de analisarmos uma ou outra pessoa, mas sim de se colocar um olhar para o momento social que estamos vivendo: um período de má vontade geral! Por isso questionamos: o que isso pode provocar?

Ter boa ou má vontade relaciona-se com a nossa expectativa em relação às situações, e ao comportamento das pessoas. Estar de boa vontade é trabalhar com a expectativa de que as coisas vão dar certo, ou de que as pessoas querem ajudar, serão honestas e razoáveis. Estar de má vontade é pressupor que haverá problemas, ter expectativa de que as pessoas irão ter maus comportamentos, farão traições e coisas assim.

Para iniciar a reflexão é interessante notar, que em certas situações muito difíceis, parte do mérito da solução é a esperança. Quando nos damos a resolver problemas muito difíceis, grande parte do mérito dessa empreitada de trabalho de construção ou conquista da solução está, não simplesmente em nosso esforço ou capacidade, mas também no fato de não termos antes julgado que fosse tão difícil. Se julgamos que será quase impossível já desistimos antes, ou pelo meio do caminho. Mas se não sabemos que é impossível, vamos em frente e algumas vezes conseguimos resolver. Há uma frase muito citada nos meios sociais: “não sabendo que era impossível foi lá e fez”. Muitos a atribuem a Jean Cocteau (escritor e cineasta francês – 1889/1963 <https://educacao.uol.com.br/biografias/jean-cocteau.htm>). Então, resolver ou atuar em situações que são muito difíceis, e que parecem quase impossíveis, depende bastante de acreditarmos na solução, ou num final positivo, de acreditarmos que conseguiremos atuar na melhoria da situação.

Por isso certa boa vontade não é somente algo abstrato. Na medida em que esse estado positivo nos levará a ter bons resultados podemos dizer que a boa vontade se concretiza pelas ações que ela desencadeia em nós. Quando acreditamos em bons resultados temos esperança. Esperamos ou esperançamos porque supomos que é possível melhorar uma situação, como diz Paulo Freire. E passamos a mobilizar nossas forças, e às vezes até forças conjuntas, em grupos. As forças das pessoas de um grupo, quando se mobilizam em torno de um objetivo comum, acabam conseguindo chegar num resultado positivo. Mas essas forças todas, muitas vezes são desperdiçadas.

A não efetivação do poder das forças, tanto as nossas, como as de um grupo, se dá porque no momento em que uma pessoa está com boa vontade as demais podem não estar. Vale a analogia do que acontece quando um grupo de pessoas se coloca para empurrar um automóvel que está com problemas. Se cada um empurrar em um momento diferente, o veículo não sairá do lugar. E depois de fazer uma força enorme, quando nos pedem para fazer força de novo, já não acreditamos, e não colocaremos a mesma força, ou estaremos cansados e não teremos a mesma força disponível para colocar. Se toda gente fizer força na mesma hora, o resultado vem. Isso acontece também em relação ao social. Quando se consegue uma sinergia, mobilizando as pessoas é mais fácil e mais possível conseguir um resultado positivo.

Empurrar o carro em conjunto é fácil, mas será que é bom ir para aquele lado?

Podemos pensar no resultado de forma mais ampla. Não se trata somente de empurrar, ou fazer alguma coisa prática e direta, mas também nos colocarmos a pensar soluções e colaborar na construção de projetos sociais. Certas ideias, como uma lei nacional por exemplo, precisam do esforço de construção coletiva, com muita gente ajudando a pensar e colaborando na construção da ideia que depois poderá dar consequência a ações práticas.

Ao contrário, às vezes o que temos é a má vontade. Considero que hoje estamos vivendo um momento de trevas. E esse estado da sociedade eu considero que é causado porque grande parte da sociedade se polarizou. O que vemos são dois pólos que se opõem. Dois grupos grandes foram idealizados. Alguns chamam esses pólos de esquerda e direita. Cada pólo tem se identificado muito mais pela oposição ao que entende ser o outro pólo do que propriamente por um ideário seu, uma identidade de grupo que esteja bem definida e que seja compartilhada por seus pares.

Quero dizer que a esquerda não é uma, mas são muitas. E entre elas há contraposições, incoerências e oposições. Quem é contra as esquerdas as vê como se fossem uma coisa única. O mesmo vale para a direita. As pessoas que são vistas como de direita, não são iguais, não possuem uma identidade comum. São vários grupos e esses também têm ideias que se contrapõe. Mas quem está de fora vê a direita como se fosse um bloco, uma identidade.

Boa parte das pessoas de esquerda considera que a culpa de todos os problemas sociais atuais é das pessoas da direita. O contrário também é verdade. As pessoas de direita consideram que a culpa de tudo é dos esquerdistas. E assim se instalou uma grande má vontade que é geral.

Muitas vezes essa atribuição de culpa ou responsabilidade é indevida. Muitas pessoas não chegam a ter argumentação suficiente para explicar porque o outro lado está errado, e assim, baseiam-se numa suposição que é falsa, vazia, ou inconsistente. Isso acontece por ignorância. Atribui-se, ao grupo opositor, muitas características que são supostas, mas não são constatadas.

Nesse estado de mútua oposição, as pessoas simplificam mais do que é possível a situação social. Passam a supor que tudo é culpa do grupo opositor. Tanto um lado quando o outro tende a simplificar mais do que é possível, e a fazer atribuições não constatadas, e vão se acomodando nesse falso e fácil entendimento.

Claro que isso não é geral ou absoluto. É certo que existem pessoas que percebem as incoerências e colocam-se mais precavidas. Certo também que há pessoas que investigam melhor os fatos e opiniões antes de firmar análises. Mas penso que estamos num período ruim, sob esse ponto de vista, em que existe uma tendência geral de oposições fáceis e levianas. Um momento de polarização nesses dois extremos que nem são tão bem conhecidos, mas que são identificados como os responsáveis, e os focos da causa dos problemas.

Assim, as pessoas passam a cultivar o ódio (ao lado oposto imaginário), cultiva-se a responsabilização externa, e isso é o que estou considerando como época de trevas.

Agora vamos colocar em consideração o que foi refletido antes. Vimos que em alguns momentos a boa vontade, e esperança, são parte da solução, ou da construção de melhoria. Assim, podemos pensar num momento oposto ao que estamos vivendo. Imaginemos um momento social de boa vontade geral, um momento de esperança social.

Quando não percebemos muito bem que outras pessoas podem ser contra nós, ou que tenham pensamentos contrários, somos capazes até de fazer alianças, de trabalhar juntos, e de construir alguma coisa em conjunto. E as discordâncias ideológicas que teremos passam a ser localizadas. Discordamos em algumas coisas, mas concordamos em outras. Com isso, como as discordâncias não são tão polarizadas, as pessoas conseguem ter mais respeito pelas ideias e posições das outras pessoas, que abrem possibilidades de alianças, e de construção conjunta.

Então existem duas situações sociais possíveis. Uma em que a sociedade se coloca de forma bipolarizada e com má vontade e até certo ódio, praticando uma simplificação indevida ao analisar as situações sociais, e por causa disso deixa de empenhar-se em maiores esforços de construção de soluções e melhoria. E outros momentos em que o exagero pode ser inverso, em que existe boa vontade até em situações que não mereceriam. Em que, até quando estamos com pessoas que irão nos atacar e nos destruir, entramos com boa vontade.

Junto com tudo isso é preciso considerar que quando temos amor a alguém, tratamos a pessoa diferente. Mesmo que ela se posicione com ideias frontalmente contra as nossas, mesmo que existam discordâncias graves, nós buscaremos uma forma de conversar com essa pessoa, de trabalhar tais discordâncias, de tratá-la com respeito. Mesmo discordando. Assim, dentro da abordagem da boa vontade, conseguimos ânimo e estratégias até para lidar com oposições ideológicas.

Ao contrário, quando estamos com má vontade, até as pessoas que têm ideias semelhantes às nossas, quando fogem um pouco do que queremos, ou quando parecem fugir, já respondemos de forma ruim, e acabamos por criar outra má vontade também na outra pessoa, e tendemos a criar ambientes em que nada é capaz de florescer.

Dai, tentando concluir, mesmo sabendo que não há como resolver ou fechar as reflexões. Talvez possamos pensar que, diante de confrontos e dilemas podemos ter certa boa vontade, com certo cuidado e até amorosidade com as pessoas e grupos.

Não será preciso abrir mão de nossos ideais, ou de nossos princípios de vida para tratarmos as pessoas e situações com amor e boa vontade. Mas não podemos ser ingênuos, acreditando na boa vontade de quem nos ataca, ou de quem se traveste para nos atacar. Então é preciso buscar a boa vontade sem ser bobo ou ingênuo.

Vivemos um tempo de trevas. A lógica da polarização é ruim para todos. Vemos que um pouco de boa vontade e cuidado ajudam a resolver muitas questões.

6 comentários:

  1. Lutar contra a má vontade em meio à amigos ...

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  2. Infelizmente concordo com você,gostaria de dizer que estamos enganados, mas a treva social está imperando. A boa vontade é um combustível somente, a gente tem que fazer o bom uso dela.

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  3. Realmente... o Brasil estagnou-se na má vontade, na desilusão, na culpa ao outro. Sempre foi mais fácil apontar o dedo do que sair do lugar. E certamente vivemos num momento de trevas, da desconfiança antes do entendimento...Cerquemo-nos da boa vontade...

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  4. Parabéns meu amigo... bela reflexão

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