TREVA
SOCIAL VERSUS ESPERANÇA
Celso
Vallin, 2018,07
Você
já notou que em certas épocas as pessoas têm mais boa vontade? E,
em outras não? Parece que é geral: por todo lado há gente de má
vontade. Quero falar de um sentimento e comportamento que não é só
de uma pessoa, mas um estado social. Algo que afeta a sociedade em
geral. Considero que nesse momento estamos num desses períodos
sociais de má vontade. Não se trata de analisarmos uma ou outra
pessoa, mas sim de se colocar um olhar para o momento social que
estamos vivendo: um período de má vontade geral! Por isso
questionamos: o que isso pode provocar?
Ter
boa ou má vontade relaciona-se com a nossa expectativa em relação
às situações, e ao comportamento das pessoas. Estar de boa vontade
é trabalhar com a expectativa de que as coisas vão dar certo, ou de
que as pessoas querem ajudar, serão honestas e razoáveis. Estar de
má vontade é pressupor que haverá problemas, ter expectativa de
que as pessoas irão ter maus comportamentos, farão traições e
coisas assim.
Para
iniciar a reflexão é interessante notar, que em certas situações
muito difíceis, parte do mérito da solução é a esperança.
Quando nos damos a resolver problemas muito difíceis, grande parte
do mérito dessa empreitada de trabalho de construção ou conquista
da solução está, não simplesmente em nosso esforço ou
capacidade, mas também no fato de não termos antes julgado que
fosse tão difícil. Se julgamos que será quase impossível já
desistimos antes, ou pelo meio do caminho. Mas se não sabemos que é
impossível, vamos em frente e algumas vezes conseguimos resolver. Há
uma frase muito citada nos meios sociais: “não sabendo que era
impossível foi lá e fez”. Muitos a atribuem a Jean Cocteau
(escritor e cineasta francês – 1889/1963
<https://educacao.uol.com.br/biografias/jean-cocteau.htm>).
Então, resolver ou atuar em situações que são muito difíceis, e
que parecem quase impossíveis, depende bastante de acreditarmos na
solução, ou num final positivo, de acreditarmos que conseguiremos
atuar na melhoria da situação.
Por
isso certa boa vontade não é somente algo abstrato. Na medida em
que esse estado positivo nos levará a ter bons resultados podemos
dizer que a boa vontade se concretiza pelas ações que ela
desencadeia em nós. Quando acreditamos em bons resultados temos
esperança. Esperamos ou esperançamos porque supomos que é possível
melhorar uma situação, como diz Paulo Freire. E passamos a
mobilizar nossas forças, e às vezes até forças conjuntas, em
grupos. As forças das pessoas de um grupo, quando se mobilizam em
torno de um objetivo comum, acabam conseguindo chegar num resultado
positivo. Mas essas forças todas, muitas vezes são desperdiçadas.
A
não efetivação do poder das forças, tanto as nossas, como as de
um grupo, se dá porque no momento em que uma pessoa está com boa
vontade as demais podem não estar. Vale a analogia do que acontece
quando um grupo de pessoas se coloca para empurrar um automóvel que
está com problemas. Se cada um empurrar em um momento diferente, o
veículo não sairá do lugar. E depois de fazer uma força enorme,
quando nos pedem para fazer força de novo, já não acreditamos, e
não colocaremos a mesma força, ou estaremos cansados e não teremos
a mesma força disponível para colocar. Se toda gente fizer força
na mesma hora, o resultado vem. Isso acontece também em relação ao
social. Quando se consegue uma sinergia, mobilizando as pessoas é
mais fácil e mais possível conseguir um resultado positivo.
Empurrar
o carro em conjunto é fácil, mas será que é bom ir para aquele
lado?
Podemos
pensar no resultado de forma mais ampla. Não se trata somente de
empurrar, ou fazer alguma coisa prática e direta, mas também nos
colocarmos a pensar soluções e colaborar na construção de
projetos sociais. Certas ideias, como uma lei nacional por exemplo,
precisam do esforço de construção coletiva, com muita gente
ajudando a pensar e colaborando na construção da ideia que depois
poderá dar consequência a ações práticas.
Ao
contrário, às vezes o que temos é a má vontade. Considero que
hoje estamos vivendo um momento de trevas. E esse estado da sociedade
eu considero que é causado porque grande parte da sociedade se
polarizou. O que vemos são dois pólos que se opõem. Dois grupos
grandes foram idealizados. Alguns chamam esses pólos de esquerda e
direita. Cada pólo tem se identificado muito mais pela oposição ao
que entende ser o outro pólo do que propriamente por um ideário
seu, uma identidade de grupo que esteja bem definida e que seja
compartilhada por seus pares.
Quero
dizer que a esquerda não é uma, mas são muitas. E entre elas há
contraposições, incoerências e oposições. Quem é contra as
esquerdas as vê como se fossem uma coisa única. O mesmo vale para a
direita. As pessoas que são vistas como de direita, não são
iguais, não possuem uma identidade comum. São vários grupos e
esses também têm ideias que se contrapõe. Mas quem está de fora
vê a direita como se fosse um bloco, uma identidade.
Boa
parte das pessoas de esquerda considera que a culpa de todos os
problemas sociais atuais é das pessoas da direita. O contrário
também é verdade. As pessoas de direita consideram que a culpa de
tudo é dos esquerdistas. E assim se instalou uma grande má vontade
que é geral.
Muitas
vezes essa atribuição de culpa ou responsabilidade é indevida.
Muitas pessoas não chegam a ter argumentação suficiente para
explicar porque o outro lado está errado, e assim, baseiam-se numa
suposição que é falsa, vazia, ou inconsistente. Isso acontece por
ignorância. Atribui-se, ao grupo opositor, muitas características
que são supostas, mas não são constatadas.
Nesse
estado de mútua oposição, as pessoas simplificam mais do que é
possível a situação social. Passam a supor que tudo é culpa do
grupo opositor. Tanto um lado quando o outro tende a simplificar mais
do que é possível, e a fazer atribuições não constatadas, e vão
se acomodando nesse falso e fácil entendimento.
Claro
que isso não é geral ou absoluto. É certo que existem pessoas que
percebem as incoerências e colocam-se mais precavidas. Certo também
que há pessoas que investigam melhor os fatos e opiniões antes de
firmar análises. Mas penso que estamos num período ruim, sob esse
ponto de vista, em que existe uma tendência geral de oposições
fáceis e levianas. Um momento de polarização nesses dois extremos
que nem são tão bem conhecidos, mas que são identificados como os
responsáveis, e os focos da causa dos problemas.
Assim,
as pessoas passam a cultivar o ódio (ao lado oposto imaginário),
cultiva-se a responsabilização externa, e isso é o que estou
considerando como época de trevas.
Agora
vamos colocar em consideração o que foi refletido antes. Vimos que
em alguns momentos a boa vontade, e esperança, são parte da
solução, ou da construção de melhoria. Assim, podemos pensar num
momento oposto ao que estamos vivendo. Imaginemos um momento social
de boa vontade geral, um momento de esperança social.
Quando
não percebemos muito bem que outras pessoas podem ser contra nós,
ou que tenham pensamentos contrários, somos capazes até de fazer
alianças, de trabalhar juntos, e de construir alguma coisa em
conjunto. E as discordâncias ideológicas que teremos passam a ser
localizadas. Discordamos em algumas coisas, mas concordamos em
outras. Com isso, como as discordâncias não são tão polarizadas,
as pessoas conseguem ter mais respeito pelas ideias e posições das
outras pessoas, que abrem possibilidades de alianças, e de
construção conjunta.
Então
existem duas situações sociais possíveis. Uma em que a sociedade
se coloca de forma bipolarizada e com má vontade e até certo ódio,
praticando uma simplificação indevida ao analisar as situações
sociais, e por causa disso deixa de empenhar-se em maiores esforços
de construção de soluções e melhoria. E outros momentos em que o
exagero pode ser inverso, em que existe boa vontade até em situações
que não mereceriam. Em que, até quando estamos com pessoas que irão
nos atacar e nos destruir, entramos com boa vontade.
Junto
com tudo isso é preciso considerar que quando temos amor a alguém,
tratamos a pessoa diferente. Mesmo que ela se posicione com ideias
frontalmente contra as nossas, mesmo que existam discordâncias
graves, nós buscaremos uma forma de conversar com essa pessoa, de
trabalhar tais discordâncias, de tratá-la com respeito. Mesmo
discordando. Assim, dentro da abordagem da boa vontade, conseguimos
ânimo e estratégias até para lidar com oposições ideológicas.
Ao
contrário, quando estamos com má vontade, até as pessoas que têm
ideias semelhantes às nossas, quando fogem um pouco do que queremos,
ou quando parecem fugir, já respondemos de forma ruim, e acabamos
por criar outra má vontade também na outra pessoa, e tendemos a
criar ambientes em que nada é capaz de florescer.
Dai,
tentando concluir, mesmo sabendo que não há como resolver ou fechar
as reflexões. Talvez possamos pensar que, diante de confrontos e
dilemas podemos ter certa boa vontade, com certo cuidado e até
amorosidade com as pessoas e grupos.
Não
será preciso abrir mão de nossos ideais, ou de nossos princípios
de vida para tratarmos as pessoas e situações com amor e boa
vontade. Mas não podemos ser ingênuos, acreditando na boa vontade
de quem nos ataca, ou de quem se traveste para nos atacar. Então é
preciso buscar a boa vontade sem ser bobo ou ingênuo.
Vivemos
um tempo de trevas. A lógica da polarização é ruim para todos.
Vemos que um pouco de boa vontade e cuidado ajudam a resolver muitas
questões.
Lutar contra a má vontade em meio à amigos ...
ResponderExcluirExcelente reflexão!
ResponderExcluirMuito bom!
ResponderExcluirInfelizmente concordo com você,gostaria de dizer que estamos enganados, mas a treva social está imperando. A boa vontade é um combustível somente, a gente tem que fazer o bom uso dela.
ResponderExcluirRealmente... o Brasil estagnou-se na má vontade, na desilusão, na culpa ao outro. Sempre foi mais fácil apontar o dedo do que sair do lugar. E certamente vivemos num momento de trevas, da desconfiança antes do entendimento...Cerquemo-nos da boa vontade...
ResponderExcluirParabéns meu amigo... bela reflexão
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