terça-feira, 29 de dezembro de 2020

Política : princípios ou alianças?

Dez 2020 (escrita em revisão) - Celso Vallin


Será possível atuar na política de uma forma neutra?

Para responder isso, é preciso pensar: o que estão chamando de neutro?

As pessoas entendem neutralidade de diversas formas. Poderia ser o equilíbrio, ponderação, e justiça social? Mesmo que seja, isso não é algo simples. Algumas pessoas entendem que ninguém é neutro, porque sempre existem preferências e interesses e, mesmo que não se perceba, nossas decisões são afetadas. Nesse modo de pensar, as pessoas que se dizem neutras estariam enganadas, enganando, ou sem perceber que há interesses.

Por outro lado, quando temos a intenção de usar a justiça social para orientar certa decisão, dependeremos do entendimento de cada situação, e da interpretação das relações sociais. A justiça social pode ser um bom parâmetro, mas não existe um modo único de ver o que é justo, ou injusto, socialmente.

Princípios são ideias e ideais que orientam nossa ação, nossas decisões. Mesmo uma instituição tem princípios. Para analisar melhor uma dada situação, podemos usar princípios ou ideias que foram construídas ao longo da vida, ou da história, e que se basearam em acontecimentos e análises anteriores. Um princípio pode ser uma construção coletiva, e algo muito sólido. Nesse caso, ser neutro pode ganhar a conotação de agir conforme princípios, e não conforme nossos impulsos ou interesses mais imediatos, que podem estar escondidos, serem muito particulares, ou mesmo desconhecidos.

O problema da tomada de decisões, de forma socialmente justa, fica mais complicado quando lembramos que existem alianças. Estabelecemos alianças com pessoas, com instituições, e das instituições das quais participamos com outras instituições. Quando se tem alianças, em geral, é porque muitos princípios, ideias e ideais são coincidentes. Mas é quase impossível que duas pessoas, ou duas instituições tenham os mesmos princípios para tudo, e os mesmos entendimentos. Sempre haverá situações em que a vontade ou necessidade de um aliado nos pedirá para agir contra algum princípio que temos.

Num caso assim, uma primeira possível providência é verificar se aquela pessoa, ou instituição, tem seus princípios declarados e conhecidos. Se tiver, analisamos se a decisão desejada está de acordo, ou se contraria algum, ou alguns, dos princípios que temos, e que a outra tem. Se houver contrariedade, podemos tentar esclarecer, com questionamentos, discussões e reflexões, e procurar chegar a acordos que respeitem tais princípios.

Certamente outro caminho possível é contrariar a aliança e fazer valer o princípio, e nesse caso será bom se pudermos mostrar a razão para isso. Mas alianças são importantes e não é bom ignorar, desfazer. Algumas vezes, certa aliança é tomada como muito importante, e nesse caso os princípios são deixados de lado, ou despercebidos. Se tomarmos uma decisão para privilegiar uma aliança, seja com pessoa ou instituição, não teremos como justificar tal decisão por meio dos princípios. Acabamos por decidir algo que vai contra certas ideias que defendíamos, em função algum pedido, ou para agradar ou favorecer alguém ou alguma instituição.

A quem deveríamos dar primazia: às alianças ou aos princípios? Por que favorecer uma aliança, mesmo quando a situação contraria nossos princípios?

Algumas vezes nossos princípios não estão muito claros, nem para nós. Não ter clareza de quais são nossos princípios, é quase o mesmo que não ter princípios. Mas agir a favor de alguma situação que contraria nossos princípios também é quase o mesmo que não ter princípios. Ainda vale perguntar: por que os princípios são contrariados?

Algumas vezes as contrariedades não são tão claras. Não é fácil decidir, pois os princípios costumam ser isolados, enquanto que a realidade da sociedade e da vida, nos apresenta situações e condições com necessidades da natureza, e ciência, que não são simples, mas complexas, por envolver muitos e até desconhecidos fatores que se interpõe e interagem. Dai, muitas vezes vale ampliar a discussão, vale demorar a decidir, em função de pedir que mais gente possa refletir, trazer informações e análises que nos ajudarão na decisão. Vale deixar mais claro onde estão as contrariedades e quais princípios estão envolvidos.

Por que valorizamos as alianças?

Alianças envolvem confiança e poder. A confiança é uma construção histórica. Pode ser comparada uma uma pilha de peças que vão sendo colocadas umas sobre as outras, e que vai subindo e crescendo. Cada ato histórico que temos a nosso favor é uma peça dessa pilha, que constitui a confiança. Só confiamos em pessoas que, ao longo do tempo, tiveram posicionamentos que são coerentes, e que nos levam a crer que, por trás dos posicionamentos,  existem princípios. Não adianta a pessoa declarar seus princípios. É preciso que o tempo mostre que as ações de realidade seguem aqueles princípios,  para que possamos ter confiança que são considerados importantes. Essa sequência temporal concretiza os princípios. Mas, como as peças empilhadas, basta que uma só ação seja incoerente, e contrarie o que vinha sendo feito, para que a confiança seja perdida, e destruída. Uma ação contrária é suficiente para gerar insegurança na relação.

Do mesmo modo que dissemos de alianças com pessoas, valem as ideias para alianças com instituições. A história vai gerando confiança, pela sequência de fatos coerentes com princípios, mas a incoerência derruba a segurança.

As alianças são importantes? Por que?

Quando construímos alianças, temos mais força. Sem força, não conseguimos fazer quase nada. As alianças podem ser condição para certas realizações. De que adianta ter boas ideias, princípios firmes, se nada podemos? De que adianta se somos fracos, socialmente, e quase nada realizamos?

Para construir alianças, nós também precisamos do tempo histórico, para demonstrar nossa respeitabilidade. Sim, porque as pessoas e instituições não confiarão em nós, ou em nossa instituição, se não dermos motivos. Precisamos que as pessoas e instituições confiem em nós, ou em nossa instituição. Portanto, é preciso tempo, e coerência nas ações.

Nesse campo de alianças existe, muitas vezes, uma política de favorecimentos mútuos. Apoiamos alguém, e quando for preciso teremos seu apoio. Nessa lógica, os princípios não ficam em primeiro plano.

Como pessoa, quando apoiamos outras pessoas, ganhamos amizade. Quando existe amizade, tudo o que a outra pessoa faz é visto com certa condescendência, certa boa vontade. Por exemplo, quando uma pessoa amiga nos dá um tapa no ombro. Logo supomos que se trata de uma brincadeira. Mas se alguém, que não gostamos, nos dá um tapa no ombro, nossa reação pode ser imediata, dizendo coisas horríveis, ou revidando. Nossa reação negativa pode ser mais grave do que o próprio tapa inicial. O pior, é que aquela pessoa, que não gostamos, poderia ter dado o tapa por acidente, sem querer. Outro exemplo de boa e má vontade, poderia ser o caso de quando ouvimos dizerem que uma pessoa amiga cometeu um assassinato. Logo tentaremos encontrar justificativas, ou imaginamos quais seriam as condições extremas que teriam levado a pessoa a tal ato. Mas ao contrário, se dizem que uma pessoa, da qual não gostamos, cometeu um assassinato, podemos até não nos envolver, mas ficaremos imaginando, e querendo informações sobre a sordidez do ato. Enfim, nosso olhar, e nossos posicionamentos dependem bastante de nossa relação com a outra pessoa. A boa vontade pode gerar protecionismo. A má vontade cria obstáculos. O mesmo pode acontecer entre instituições: reações boas com algumas, e reações não tão boas com outras. Com isso queremos mostrar que a troca de apoios não é algo tão inesperado. Vimos que o julgamento que fazemos dos atos de outras instituições, ou pessoas, pode ser tendencioso, e pode levar a ações não tão ponderadas. Tentamos mostrar que a ação com justiça, e equilibrada, pode não ser tão imediata, ou simples.

Cultivar a boa vontade dos outros em relação a nós, ou à nossa instituição, é importante. Sempre gostamos de contar com o apoio de outras pessoas ou instituições, porque a boa vontade nos fará bem, nos ajudará. Por isso pessoas e instituições cuidam de sua imagem.

 Para concluir, podemos dizer que não existe dilema entre princípios e alianças. Mas é preciso equilibrar alianças e princípios porque ambos são positivos. Queremos os dois. O problema é que tantas vezes um contraria o outro, é diante dessa contrariedade é preciso clareza para se fazer uma boa escolha.

Assim é a política: de um lado podemos estar soberanos em nossos princípios mas fracos em alianças; de outro podemos ter grande potência devido à construção de uma teia de alianças, e com mais dificuldades para manter um respeito absoluto aos princípios.

A solução não é simples, ou mágica, mas com esta reflexão queremos chamar a atenção para o tensionamento entre esses dois lados: alianças e princípios, pois sabendo disso, é mais fácil buscar ter mais clareza sobre o que está por trás de cada decisão, quais são os princípios envolvidos, e o que está em jogo em cada aliança.

Finalizamos lembrando que pessoas e instituições mudam; mesmo os princípios podem, e devem, ser reconstruídos ao longo do tempo. A consciência da transitoriedade nos dará ainda maior paciência com algumas pequenas incoerências.



 

quarta-feira, 17 de junho de 2020


PANORAMA DA EDUCAÇÃO NO BRASIL HOJE

Celso Vallin - Dep. Educação UFLA - 2020


O Brasil precisa muito melhorar sua educação. Para quem faz um curso superior em licenciatura, é interessante perceber que, por meio de sua profissão poderá colaborar num problema de grande relevância social. Mas é preciso compreender onde e como são os problemas, e também perceber avanços que tivemos mais recentemente, para valorizar o que já conquistamos. Atuar de forma crítica significa perceber as duas coisas: os problemas, e as conquistas.


ANALFABETISMO

O analfabetismo de jovens e adultos no Brasil passou de 12% em 2004 para 9% em 2012 considerando pessoas com 15 anos ou mais (http://portal.mec.gov.br/component/tags/tag/32962). Dados de 2019 mostram que o Brasil ainda tem uma quantidade muito grande de analfabetos. São 11 milhões de pessoas (Jornal BRASIL DE FATO, 2019 - https://www.brasildefato.com.br/2019/09/10/chance-de-acabar-com-analfabetismo-no-brasil-ate-2024-e-zero-afirma-especialista). É muita gente, quase 7% da população. É considerada analfabeta a pessoa que não consegue ler e escrever um recado simples como “Maria: fui ao mercado”. Imagine, o que consegue fazer em sua vida uma pessoa assim, hoje? Que oportunidades terá? São pessoas que têm dificuldade para conseguir trabalho e renda e se integrar à sociedade. O problema tem solução: a Bolívia conseguiu estar livre de analfabetismo; foi uma conquista dos anos de governo indígena (Evo Morales). No Brasil, em 1964 Paulo Freire encabeçava um programa nacional de alfabetização, mas por causa do golpe militar foi preso e depois exilado.

Em 2009 no estado de Minas Gerais tivemos o Proalfa (Programa de Avaliação da Alfabetização) que diagnósticou lacunas da alfabetização. Programas como esse demoram anos e conseguem sua efetividade na medida em que são feitas correções de rumo baseadas na praxis do cotidiano das formações, no modo de atuar de quem faz a formação e, da ação pedagógica (alfabetização nesse caso). Infelizmente o programa não teve sustentabilidade política suficiente. Sofreu interrupções e descontinuidades.

No nível nacional tivemos o Pnaic (Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa). Em 2011 houve uma avaliação que mostrou que quase metade dos/das estudantes do terceiro ano fundamental não estavam bem alfabetizados. Em 2013 começa uma formação de professores, mas de forma incremental e meio improvisada. O programa funcionou por poucos anos e foi interrompido.

Em 2014, foi estabelecida uma lei, o PNE (Plano Nacional de Educação), para se acabar com o analfabetismo no Brasil até 2024. Já estamos em 2020 e é fácil notar que isso não está acontecendo. Ainda mais porque no governo Temer foi aprovada a mudança da Constituição (Emenda Constitucional 95/16) que congelou gastos com educação por 20 anos, e também pela crise econômica que começou em 2014 e se agrava até hoje, e agora pela pandemia de covid-19.

Muitos dos problemas encontrados em anos mais avançados de estudo estão ligados ao fracasso na alfabetização, ou a uma alfabetização incompleta. Encontramos estudantes com dificuldades na leitura e escrita mesmo nos cursos superiores. Dai a importância de se ter e reforçar políticas de EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS.



CONQUISTAS RECENTES

Por outro lado é possível apontar algumas ações positivas nas últimas décadas. A educação era obrigatória somente dos 7 aos 14 anos e agora esse direito vai dos 4 aos 17 anos (Emenda Constitucional nº 59/2009). Com isso a educação infantil e o ensino médio passaram a ser obrigatórios. Antes, somente o ensino fundamental era obrigatório, e essa etapa tinha duração de apenas 8 anos. A partir de 2006 passou para 9 anos (lei 11.274). Na realidade observa-se claramente um aumento das crianças e jovens que frequentam a escola. Até bem pouco tempo grande parte da população mais pobre só começava a ir para a escola com 7 anos. E já entrava de modo defasado aos demais, que tinham começado mais cedo. Não se pode imaginar que o problema da oferta de educação pública de qualidade esteja atendido, mas a frequência escolar a partir dos 4 anos já é uma realidade: a média para o Brasil, em 2018 é de 92% na escola (IBGE - Informativo Pnad Contínua - Educação, 2019 - https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101657_informativo.pdf). A criança que começa a escolaridade aos 4 anos ou antes, terá um potencial melhor para se alfabetizar entre 6 e 8 anos, que é considerada como a "idade certa". As crianças menores, mesmo não sendo alfabetizadas, estarão mais preparadas para frequentar uma escola, usar caderno e lápis, mexerem com livros de história, ver números e palavras, e outras capacidades. É uma realidade que trará frutos nos anos seguintes. As crianças que igressaram na educação infantil com 4 anos em 2017 estarão concluindo o ensino médio em 2031, se forem sempre aprovadas.

Por meio do programa (Proinfância) entre 2007 e 2015 foram construídas 2.533 escolas de educação infantil. Isso foi, e ainda é, importante para o Brasil. Ainda mais quando se compara com alguns países ricos, que não precisam construir nem 1 escola, pois já atendem a demanda. Ao mesmo tempo esse programa avançou menos da metade do previsto e há problemas de muitas ordens, inclusive corrupção (https://www.cartacapital.com.br/educacao/o-proinfancia-e-a-dificuldade-de-construir-creches-no-brasil/).

No âmbito do ensino médio tivemos um grande programa de re-formação de docentes que já estavam em serviço, o “Pacto Nacional pelo Fortalecimento do Ensino Médio” que aconteceu, mas foi interrompido quando estava apenas começando, embora tenha custado muitas energias de universidades, escolas e professore/as do ensino médio, e também dinheiro público. Esse programa foi sucedido pela lei do “novo ensino médio”, e pela BNCC, que vão na direção contrária.

Foram criados muitos cursos de licenciatura em universidades públicas. Na UFLA até 2008 não havia cursos noturnos. Hoje temos licenciaturas que acontecem no diurno e no noturno, permitindo o acolhimento de pessoas que trabalham e não conseguiriam estudar de dia. A UFLA atende estudantes de toda a região e alguns que vêm até de outros estados. A chegada de ônibus cheios de estudantes que vêm de Nepomuceno, Luminárias, Nazareno, e outros municípios vizinhos, todas as noites, e sua presença marcante nos cursos de licenciaturas, é um sinal forte de uso social da universidade pública. A abertura de novas vagas de licenciatura foi uma política do programa Reuni em todo o país e ajudou a diminuir a necessidade de contratação de professores leigos, que atuavam em grande porcentagem nas escolas brasileiras. Antes disso aconteceram projetos como o Veredas em Minas Gerais que permitiram a formação inicial para professores leigos que estavam em serviço em escolas públicas. Para se construir um país que seja de todos, em que a população possa viver com dignidade, é preciso erradicar o analfabetismo e avançar na escolarização. Mas não só isso. É preciso conseguir fazer uma educação que vá além da reprodução de operações, que não seja tecnicista e somente memorizadora. Queremos uma escola que desenvolva a autonomia de estudo e a crítica social.

A UFLA possui hoje 8 licenciaturas: Matemática, Educação Física, Filosofia, Física, Química, Biologia, Letras e Pedagogia. Isso é muito importante para alimentar a região com professores bem formados. Porque hoje ainda é observado que grande parte dos/das professores/as contratados para escolas básicas são temporários, e não concursados, e não vêm de uma formação que se possa considerar de bom nível, infelizmente. É desagradável falar isso, mas ainda temos muita gente formada em cursos aligeirados, muitos deles por meio da educação a distância barateada.

Outro avanço que tivemos nos últimos anos foi o sistema de ingresso por cotas. A nossa universidade há 10 anos era quase toda povoada só por pessoas de pele branca, destoando da diversidade que se via na própria cidade, a poucos metros de distância. Hoje já temos grupos internos que trabalham a valorização da diversidade, do movimento negro, e de lutas contra opressões sociais históricas que muitas vezes se reproduzem nas relações de aula e na universidade. Estudos mostram que já temos MAIORIA de negros frequentando as universidades, em média, para o Brasil inteiro. E em relação a professores negros/as, também vem aumentando a quantidade, embora seja um processo mais lento e posterior.

Já tivemos também na UFLA a oferta de cursos de especialização de professores, como foi o caso do GDE (Especialização em Gênero e Diversidade na Escola), que realizou formação continuada para centenas de docentes da região. Esse e outros cursos fizeram parte de uma política pública de formação para a diversidade, desenvolvida pelo MEC e que depois foi descontinuada.

Destacamos ainda as disciplinas de valorização da pessoa do campo, dos negros, dos indígenas, das mulheres, da diversidade gênero, que fazem parte do currículo padrão do curso de pedagogia da UFLA.

Outro avanço importante para a educação foi a criação do Fundeb. Os recursos aplicados em educação no Brasil eram tradicionalmente de 5% ou menos, e passaram para algo próximo a 6% em 2012. No PNE (Plano Nacional de Educação) conseguiu-se aprovar no Congresso Nacional, em lei, o aumento para 7%, com previsão para aumentar depois para 10%, mas o que vem acontecendo é o inverso. Diminuem os recursos aplicados em educação nos últimos anos. Além do que, temos visto uma política governamental de ataque às universidades públicas.

Apontamos ainda a importância da lei do Piso Salarial Nacional para o magistério público, aprovada em 2008 (lei 11.738) que, além de assegurar um salário mínimo, também contribui para a valorização docente ao estabelecer o tempo extra-aula como um terço da jornada de trabalho.

Diante dos problemas todos apontados aqui para o desenvolvimento da educação, é coerente perceber que são poucas as pessoas que concluiram um curso superior no Brasil. Mesmo assim, é positivo ver os avanços. Entre 2000 e 2010 a porcentagem da população que possuia curso superior avançou de 4% para 8% (https://guiadoestudante.abril.com.br/universidades/censo-do-ibge-mostra-crescimento-no-numero-de-brasileiros-com-ensino-superior/). Em 2018 já eram 16% ( https://educa.ibge.gov.br/jovens/conheca-o-brasil/populacao/18317-educacao.html ).

Mas se observarmos somente os mais novos (entre 25 e 34 anos), um estudo da OCDE aponta 21% com curso superior completo. Entre esses, embora se saiba que muitos têm uma formação ruim, e/ou não atuam em trabalhos que reconheça seu diploma, os avanços são significativos e importantes. Os mais velhos não foram incluidos por esse estudo, porque passaram por uma realidade de formação diferente, menos intensa ou abrangente.

Essa informação também nos coloca, professores e estudantes da UFLA, com grande responsabilidade, visto que estamos entre os poucos que tiveram acesso aos estudos e temos a possibilidade de atuar para a mudança social no país, apesar das precárias condições.


Para finalizar podemos ainda observar a evolução da escolaridade em todos os níveis


Nível de instrução das pessoas com 25 anos ou mais (Brasil - 2018)
Analfabetos - 6,9% ( https://educa.ibge.gov.br/jovens/conheca-o-brasil/populacao/18317-educacao.html )
Fundamental incompleto
33,1
Médio completo
26,9
Fundamental completo
8,1
Superior incompleto
4,0
Médio incompleto
4,5
Superior completo
16,5

A tabela acima representa 100% da população, mostrando quantos porcento de pessoas tem cada faixa de escolaridade (ou instrução). Somando-se as porcentagens vemos que os que NÃO COMPLETARAM O ENSINO MÉDIO são 52,6%. Isso é muito ruim. São pessoas com dificuldades grandes para se inserirem na vida social e laboral.


Taxa de escolarização

Esse número representa a proporção entre estudantes e a população total para um grupo etário.
A taxa ajustada de frequência líquida = é a proporção entre estudantes que estão na etapa esperada e população total para uma faixa de idade

Boletim PNAD Contínua Educação - publicado em 2019, relativo aos dados de 2018
Taxas de Escolarização (https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101657_informativo.pdf)

0 a 3 anos
34,2%

15 a 17 anos
88,2%
4 e 5 anos
92,4%

18 a 24 anos
32,7%
6 a 14 anos
99,3%

25 ou mais anos
4,6%

As taxas mostram a quase totalidade (mais de 90%) das crianças frequentam escolas na idade de 4 a 14 anos. Entre 0 e 3 anos a taxa é menor, mas a educação é opcional. Já na faixa do ensino médio, 15 a 17 anos, temos uma pequena baixa: 88%. Depois vemos uma queda expressiva em relação à faixa de 18 a 24: 32,7%.


Estudam na Rede Pública (https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101657_informativo.pdf)

Educ. Infantil
74,3%

Ensino Médio
87,0%
Ensino Fundamental
82,3%

Superior - Graduação
25,8%

Vemos da tabela acima que a grande maioria do povo brasileiro frequenta escola pública. Esse é um motivo de orgulho, visto que muitos em países é preciso pagar tem acesso à escola.

quinta-feira, 28 de maio de 2020

EDUCAÇÃO  NA  PANDEMIA ? 
Freire mais do que nunca.

Celso Vallin

(prof. da Universidade Federal de Lavras. Dep. de Educação. maio de 2020)
Em 2020 a pandemia chegou e foi rápida. Difícil saber quando a situação poderia voltar a ser como antes. Isso leva a reflexões sobre o que fazer nas escolas, e na educação, porque torna necessário ficar em casa, meses seguidos.
Alguns defendem ficar sem aulas mesmo, porque nas salas de aula as pessoas ficam muito próximas e por muito tempo. E nos intervalos da escola, as aglomerações de pessoas se tornam mais intensas ainda. Além do que, qual o problema de se atrasar em 3 ou 6 meses a formação de uma pessoa? Afinal, entre educação infantil e superior são pelo menos 18 anos de escola.
Outros defendem que não se perca tempo. No fundo ainda impera a ideia força de que "tempo é dinheiro". Nesse caso os argumentos são vários: que o fim da pandemia pode demorar; que estudantes não podem se atrasar nos estudos; que educadores(as) estão recebendo salários e precisam trazer resultados; que pela internet tudo pode ser resolvido; e por ai vai.
Como seria uma posição intermediária, entre esses dois extremos? Vejamos as condições. A internet, não está disponível em todo lugar, mas já funciona em muitos. Professores(as), a maioria não têm preparo anterior para trabalhar a distância, mas usa celulares e computadores e poderia ajudar de alguma forma, a partir de suas casas. Crianças e adolescentes, estando em casa, têm muito tempo disponível e, se dedicarem aos estudos poderia ser bom. A educação e todo aparato escolar poderia estar em funcionamento, mesmo que não fosse para fazer tudo como de costume, mas experimentando novas possibilidades.
Seria possível aproveitar esse novo regime para gestar alguma melhoria? Ou fazer algo seria só para tampar buraco? Entendo que não se pode esperar que tudo ande como se nada de diferente estivesse acontecendo. Até porque, é diferente.
Não podemos assumir que temos a internet disponível para toda gente porque não temos. Em áreas rurais, em vários locais não se consegue nem sinal de telefone. Algumas famílias só têm equipamentos antigos, com pouca capacidade e lentos. Ou não têm. Outras compartilham equipamentos entre várias pessoas na família (celular e computador). Embora existam contratações de internet com grande fluxo de dados, muita gente não tem dinheiro para isso e usa um acesso lento e instável. E existem pessoas que estão ganhando pouco e darão prioridade para a comida, a conta d'água, e não a internet. Enfim, todas as soluções dependem do uso da internet. É preciso lembrar dos que têm dificuldades, e assim trabalhar com flexibilidade de tempo, demandar coisas que possam funcionar com aparatos simples, e ir descobrindo o que é possível fazer em cada situação. Não se deve exigir muito, porque estaríamos excluindo as pessoas que já têm outros problemas.
Devemos considerar ainda o fato de que muita gente tem moradia precária, e na pandemia, tendo que ficar toda a família em casa, o dia todo, a situação pode ser barulhenta, bagunçada. Consideremos os casos em que existe gente doente, de quarentena, requerendo cuidados especiais. Não queremos pensar pelo pior, mas é preciso certa flexibilidade e sensibilidade para se perceber como é a situação de cada estudante ou professor(a), e não esperar que tudo seja como antes. Porque não é.
Algumas coisas ao serem diferentes, poderiam ser melhores? Certamente. Mas como seria isso? Queremos mostrar a seguir, que esse tempo de dificuldades e de anormalidade pode ser um tempo de avanço e melhoria pedagógica. Vejamos...
Existe uma ideia pela qual as pessoas tratam os dias letivos, ou dias de aula, como se fossem uma unidade de medida de aprendizagem. Por esse raciocínio, muitas vezes, educadores, estudantes e familiares ficam contando os dias efetivados, e marcando pedaços de livro que já foram "dados", como se a escola fosse uma fábrica que vai depositando etapas de conhecimento nas cabeças de estudantes. Existe uma crítica que já não é nova, de Paulo Freire (1987), que afirma que conhecimento se constrói por meio de relações entre docentes, estudantes, e objeto de estudo, e não é algo que se possa transferir. Não basta estudantes repetirem a lição. Muita gente se prepara para responder questões de prova e depois esquece tudo, em seguida. Não é esse desenvolvimento ou conhecimento que desejamos. Queremos que a aprendizagem seja aproveitada para compreender e transformar a vida e a sociedade. Assim, acreditamos que uma aprendizagem significativa e libertadora, aquela em que cada estudante cria seus significados, conforme interage com os objetos de estudo, com colegas em estudo, e com docentes, e juntos fazem uma crítica social, estabelecendo relações com os contextos em que vivem, com a sociedade, e as possibilidades de mudança social, essa aprendizagem não é algo que flui no tempo como se fosse uma linha de produção industrial. Ao contrário, vem dos diálogos, dos questionamentos, das observações, e das trocas de impressões e olhares num ambiente coletivo da turma. Requer o tempo e a sensibilidade da vivência e da convivência. Essa aprendizagem passa por conflitos, problematizações, reflexões, contrariedades, discussões... Entendemos que, a partir de certas conversas, mais lentamente, ou mais acentuadamente, a escola pode gerar aprendizagem libertadora e significativa mesmo durante a pandemia, com docentes e estudantes em suas casas.
Quem sabe, pelo motivo de que não se pode exigir o cumprimento de cada minuto de aula, e cada aula do horário, uma em seguida à outra, quem sabe isso nos liberta a todos para sermos mais capazes de estabelecer boas relações de trocas na turma, entre docente e discentes, entre estudantes e colegas de turma, entre objetos de estudo e contextos de vida. Apostamos que isso é possível. Essa condição de excepcionalidade pode ser frutífera. Depende das pessoas, do tom da conversa, de nossa escuta. Depende de nosso jeito com as situações, nossa paciência, sensibilidade. Que tal aproveitar a pandemia para darmos um passo em direção contrária ao produtivismo?
Podemos nos permitir trabalhar com maior heterogeneidade, e menor padronização. Podemos aceitar que cada turma, e cada escola, e situação, tem suas características; e vale a pena perceber e respeitar a realidade existente. Mesmo dentro de cada turma, nas relações pedagógicas, sabemos que existe heterogeneidade de aprendizagens e podemos bem conviver com isso, desde que se consiga cuidar para que todas as pessoas consigam se envolver nos processos, que sintam-se desafiadas e motivadas. E nesse caso, estarão aprendendo.
Enquanto a pandemia continua, e as pessoas precisam ficar em casa, ao menos as que têm condições de ficar, se existe um distanciamento físico, os laços sociais passam a ser mais necessários ainda, e eles são cultivados pelos contatos mediados pela internet. O contato social pode ser por meio de conversas por telefone, com ou sem imagem, por troca de mensagens, envio de comentários, fotos, imagens e tantos objetos digitais disponíveis hoje. Não se pode dizer isolamento social de uma pessoa que conversa e troca informações e objetos culturais, digitalmente, com 10, com 20 pessoas em um dia. Os laços sociais são construídos e reconstruídos em outra relação com o tempo, de outras formas, mas são importantes. Em tempos de ficar em casa o convívio social é mais necessário que antes. E a escola tem sido e pode continuar sendo um dos principais locais de convívio social de crianças e adolescentes, ou jovens e adultos. O convívio social pode também estar, em certos momentos, direcionado para a construção de conhecimentos. As conversas não precisam ser somente sobre trivialidades, mas podem ser agradáveis, atraentes, e ligadas a conteúdos e objetivos educacionais. Não pensemos na cobrança, ou obrigação, mas agora, que a situação está difícil, podemos fazer com mais sensibilidade e cuidado. Sem pressa.
Para avançar nessa pedagogia libertadora, em meio à pandemia, é preciso o trato democrático. Isso envolverá a escuta de todas as pessoas, será necessária a paciência para a construção de consensos, será preciso um ambiente em que sejam acolhidas as discordâncias. Esses cuidados sempre são importantes, mas agora, que não podemos sair de casa, e que cada pessoa está meio isolada, esse cuidado precisa ser de verdade. É preciso criar um ambiente de conversa coletiva que vá gerando a confiança em todas as participantes, que vão sentindo-se à vontade para falar, e pacientes e respeitosas para escutar. Isso será tarefa da docência, que precisa ir cuidando para que esse clima de confiança se estabeleça. Isso toma tempo. Não é perda de tempo escutar algo que não seja tão objetivo, ou deixar falar (ou escrever) mesmo quem não é tão inteligente ou que tenha estudado bastante a lição. É um cuidado com a formação do coletivo, para que cada estudante sinta-se participante.
E a divisão de aulas em disciplinas, como fica? Antes da pandemia, as disciplinas, em geral, eram sinônimo de isolamento. Mas agora não podemos suportar mais isolamento. Então, é preciso usar esforço e tempo entre docentes para ter planejamentos compartilhados, e quem sabe construídos coletivamente. É hora de se praticar a multi, a inter e a transdisciplinaridade.
Se tivermos coragem de fazer a educação com cada pessoa em sua casa com flexibilidade e sensibilidade, no tempo e do jeito que for possível, sem deixar nenhuma pessoa de fora, estaremos fazendo cada vez menos padronização. Muitos objetos culturais podem servir de apoio a essa educação; e eles são necessários e bem vindos. Podem ser livros com textos e imagens coloridas, de vários tipos. E esses podem estar disponíveis pela internet. Livros didáticos podem ser usados, desde que sejam uma forma de apoio ao estudo, e que não sejam usados para ditar o andamento das aulas, nem o fluxo de "ensino". Podemos usar poesias, notícias em forma de reportagens atuais e antigas, temos ainda música, áudio (como noticiário e programas de rádio ou podcast) e os vídeos que também comportam muitos formatos possíveis. Dessa forma, podemos dispor de um banco de materiais dos quais lançaremos mão para as articulações de aprendizagem e estudo.
Resumindo e finalizando:
          Enfim, o regime de aulas em casa na pandemia pode não ser uma tentativa de continuar a escola burocrática, padronizada e impessoal, mas sim uma abertura para uma relação pedagógica melhor, uma relação de estudo com mais dialogicidade (FREIRE, 1987). Não queremos ninguém de fora, e podemos ampliar o diálogo e a flexibilização. Isso irá requerer uma atenção cuidadosa, que não é sinônimo de licenciosidade. Deixar cada estudante fazer o que quiser e como quiser não levará a resultados positivos. Cada escola precisa se organizar a partir do olhar para sua situação. Temos que estabelecer conversas entre educadores(as) para o planejamento coletivo, mesmo que seja em casa, e pela internet. Estudantes e familiares devem ser chamados e ouvidos nessa construção que será um novo projeto político pedagógico. As condições de comunicação de cada estudante precisam ser experimentadas e apoiadas. O convívio social é importante. Devemos respeitar e levar em consideração as falas de todas as pessoas. Mais do que nunca precisamos estar juntos. Os planejamentos de aula e as ações por disciplina precisam ser compartilhados para que se possa construir um conjunto e um coletivo de ação pedagógica. Na continuidade e desenvolvimento das aulas e atividades não podemos trabalhar com a cobrança e a pressão sobre estudantes, mas observando o que acontece e dialogando abertamente, colocando estudante na posição de autor de seu caminho de aprendizagem. 
          Se ficarmos parados desaquecemos, tanto educadores(as) como estudantes e isso dificultará o retorno, seja quando for. Fazer de conta que tudo está como antes não é uma realidade possível, é um desastre, uma deseducação pois estaremos mostrando a falta de sensibilidade e de diálogo. Vamos então aproveitar para dar um passinho em direção à gestão democrática e participativa da escola, da aula, para melhorar nossa capacidade de escuta e diálogo, e nos livrar, ainda que seja só um pouco, da pressão produtivista, da padronização, aproveitar para nos permitir entrar em relações de aprendizagem em que se possa saborear antes de engolir. 

FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido, 17a Edição. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987.